Acórdão nº 220/2001-7.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal da Justiça: I – No Tribunal Judicial de Loures, AA intentou a presente acção declarativa de condenação contra: BB– Companhia de Seguros, S.A.; CC e DD.

Alegou, em síntese, que: Em consequência de acidente de viação, cuja culpa imputa em exclusivo a CC, condutor do veículo tractor agrícola de matrícula 00-00-00, segurado na ré, sofreu danos que detalhadamente descreve.

Pediu, em conformidade: A condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia que se vier a liquidar ulteriormente, acrescida de juros de mora até integral pagamento.

A acção foi contestada.

No despacho saneador, os réus CC e DD foram considerados partes ilegítimas e absolvidos da instância.

II - Realizado o julgamento, foi proferida sentença que: A) – Condenou a ré a pagar ao autor € 99.215,47, acrescidos de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, vencidos desde a citação sobre € 69.215,47 e, desde a data da sentença sobre o restante, tudo até integral pagamento; B) – Mais condenou a ré a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar, relativa à reparação dos danos sofridos no veículo dele, em consequência do acidente; C) – Às quantias referidas em A) e B) terá de descontar-se o montante já pago pela ré, a título de reparação provisória; D) – Absolveu a ré do demais peticionado.

III – Apelou o autor e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu conceder parcial provimento ao recurso, condenando a ré a pagar ao autor: € 194.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação sobre € 144.000,00 e desde a sentença sobre € 50.000,00, até integral pagamento; A alteração levada a cabo deveu-se a ser fixado o montante indemnizatório de € 144.000,00 em detrimento do de € 60.000 (que se fixara na 1.ª instância), pelos danos patrimoniais futuros e de € 50.000 em detrimento do de € 30.000 (que também se fixara na 1.ª instância), pelos danos não patrimoniais.

IV – Pedem revista autor e ré.

Como as questões levantadas se interpenetram, vamos conhecer dos recursos em simultâneo.

Conclui o autor as alegações do seguinte modo: 1- Não sendo o dano patrimonial futuro determinado, exclusivamente, com recurso a fórmulas matemáticas, mas antes sendo aplicável o critério de decisão fulcral, que é a equidade, a indemnização por danos patrimoniais abarca, não só aquela que decorre da I.P.P., mas também aquela que se reporta ao dano biológico; 2- Sustentado que está, em termos factuais, a verificação de tal dano, deve a indemnização pelo dano patrimonial futuro ser fixada em € 200.000,00 (duzentos mil euros), integrando o dano decorrente da I.P.P, único fixado pelas instâncias até ao momento, acrescido do dano biológico.

3- Não o tendo feito, o Acórdão em crise viola o artigo 483.º do Código Civil.

Concluindo a ré as respectivas alegações como segue: 1. O douto acórdão recorrido condena a Ré seguradora considerando fixados os danos patrimoniais futuros do Autor decorrentes da perda do rendimento por força da incapacidade física do lesado no valor de € 144.000,00.

  1. Em face dos elementos probatórios disponíveis, deverão ter-se em consideração, para a fixação do montante devido a título de indemnização por dano patrimonial futuro, os seguintes dados: (i) Remuneração média mensal do Autor, no valor de € 515,14; (ii) Taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, em 5%; (iii) Taxa anual de crescimento da prestação, em 2%.

  2. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, indica estes mesmos dados como aqueles que devem ser tidos em conta no cálculo do montante de indemnização de dano patrimonial futuro.

  3. Ora, ainda que se aceite, para efeitos do cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, a presunção de que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade, como fez o douto tribunal a quo, não pode, todavia, deixar de se considerar manifestamente exagerado e infundado o montante apurado por este último.

  4. Refira-se aliás não se mostrar in casu líquido que o termo da vida activa do Autor se deva fixar nos 70 anos, uma vez que a idade de reforma se mantém nos 65 anos e que atenta a profissão que o mesmo exercia ao tempo do acidente - de pedreiro -, pela exigência física que a mesma encerra, normalmente não ultrapassa essa idade.

  5. Tendo por base o rendimento anual bruto do Autor à data do acidente, no valor de €6.181,70 (Esc 75.700$00 de rendimento base, 14 meses por ano, acrescidos de Esc 14.960$00 , a título de subsídio de alimentação, 12 meses por ano), acrescido, a cada um dos 40 anos que restariam de vida activa ao Autor, de 2% e de 5%, a título de taxa anual de crescimento da prestação e de taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, respectivamente (e sendo certo que, relativamente à primeira destas taxas, a evolução da mesma aponta, atento o ciclo de crise estrutural dos últimos anos e previsível nos próximos para um aumento não superior a 1%), obter-se-ia o montante de cerca de €90.000,00, ou seja, inferior em cerca de €50.000,00 face ao montante fixado pelo douto acórdão recorrido a este respeito.

  6. Posto o que, atentos estes factos, se não deverão fixar os referidos danos num montante excedente os €60.000,00 (considerando a idade de reforma do Autor aos 65 anos), ou os €70.000,00 (na hipótese, que se não concede, de se dever considerar o termo da sua vida activa, nos 70 anos) e, devendo, nessa medida ser revogado o douto acórdão recorrido.

  7. O douto acórdão recorrido erra - salvo o devido respeito, que é muito clamorosamente quando, no cálculo do montante desses danos, o faz mediante o produto resultante da multiplicação do montante do rendimento auferido anualmente pelo Autor pelos 40 anos em que previsivelmente este manteria a sua vida activa.

  8. Ao fazê-lo, parte de um princípio - manifestamente desfasado da realidade - de que o recebimento do montante resultante desse cálculo seria pago de uma só vez, antecipadamente e não, como realmente aconteceria caso o Autora tivesse continuado a auferir tal rendimento, mês após mês, durante os supra referidos 40 anos de vida activa.

  9. Assim, e mesmo na hipótese igualmente previsível de que esse montante viesse a sofrer alguma actualização decorrente da inflação e de uma eventual progressão na carreira, jamais poderia ser contabilizado como o fez o douto acórdão recorrido, chegando ao exagerado valor de €144.000,00.

  10. O próprio tribunal a quo apercebe-se que este tipo de cálculo pode resultar num enriquecimento sem causa por parte do lesado, razão pela qual é usual diminuir, nestas circunstâncias, o valor calculado em 20%.

  11. Porém, acaba o mesmo tribunal por proceder apenas a uma redução de 10%, atendendo ao valor (muito baixo) da remuneração-base, bem como à actual conjuntura económico-financeira, marcada pela prática generalizada de taxas de juros remuneratórios, muito baixas".

  12. Ora, ainda que se considerasse como taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras os 5%, o montante obtido é muito inferior àquele que é fixado pelo douto acórdão recorrido.

  13. Pelo que, ainda que se admitisse dever o montante indemnizatório ser devido de uma só vez, o que por mera cautela se admite, sem porém nada conceder quanto ao que se deixou dito, não se justificaria, ainda assim, que não lhe fosse aplicável a referida redução de 20%.

  14. Pelo que é forçoso concluir que o montante fixado para efeitos de dano patrimonial futuro pelo douto tribunal a quo - mesmo partindo dos pressupostos em que funda a sua tese e que se devem entender, atento o supra alegado, como não verificados - se mostra manifestamente exagerado, não devendo este montante situar-se - crê-se - jamais acima dos €70.000,00 (setenta mil euros).

  15. Quanto aos danos não patrimoniais, o montante da indemnização deverá ser sempre fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil.

  16. Este montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização (artigo 496.º, n.º 3), aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do...

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