Acórdão nº 2158/07.9TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPEREIRA RODRIGUES
Data da Resolução12 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, SA, pedindo se declare a ilicitude do seu despedimento e que a Ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização por antiguidade e demais créditos, que indica e reclama.

A Ré contestou, concluindo pela sua absolvição.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença condenando a Ré no pedido.

Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré, vindo a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual aquela veio a ser absolvida do pedido.

Inconformado, agora, o Autor interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: «a. A RECORRIDA beneficiou em exclusivo da actividade do RECORRENTE, no período compreendido entre 01/03/2003 e 06/02/2007, (que para ela laborava, conforme lhe foi exigido, em condições de absoluta exclusividade).

  1. Os profissionais liberais não exercem a sua actividade em regime de exclusividade para uma entidade, sendo que o que constitui a "pedra de toque”, característica essencial da profissão liberal, como o seu nome indica, é a liberdade do profissional, que não está económica nem juridicamente dependente de uma determinada entidade, muito pelo contrário, é livre e auto-determinada, podendo o prestador escolher as pessoas ou empresas a quem vai prestar serviços, sem que qualquer uma delas possa interferir nessa decisão.

  2. Do ponto de vista económico, o RECORRENTE dependia em absoluto da RECORRIDA (face a exigência de exclusividade por parte desta), sendo que no decurso do vínculo contratual, não desempenhou para qualquer outra entidade, quer a actividade profissional de "perito averiguador", quer outra remunerada, recebendo apenas dela (RECORRIDA) a retribuição com que subsistiu e fez face às necessidades do seu agregado familiar.

  3. No recurso do vínculo contratual dos autos, coube à RECORRIDA (sempre e sem excepção), determinar o local de trabalho do RECORRENTE, o que fez, primeiro (e em abstracto), quando definiu ou unilateralmente alterou a "zona" geográfica de trabalho deste; segundo, quando comunicou ao RECORRENTE, em cada uma das "peritagens", o local da sua execução; terceiro, quando ordenou ao RECORRENTE, deslocações diárias às suas instalações, para entregar e receber trabalho, local onde este dispunha de um espaço físico para efectuar esse serviço, além de diverso equipamento por ela fornecido, pese embora o RECORRENTE desempenhasse as suas funções essencialmente no exterior, face às características da sua actividade.

  4. O horário de trabalho do RECORRENTE, de 2.ª a 6.ª Feira, correspondia ao horário de funcionamento das oficinas que a RECORRIDA lhe indicava (em cada uma das "peritagens"), embora em tal período este se encontrasse condicionado às instruções da RECORRIDA, com vista à realização de peritagens com dia e hora marcada e assim impedido de planear quando ou em que momento (dias e horas) executaria as tarefas necessárias a cada uma delas e pese embora desempenhasse as suas funções sujeito a um horário de trabalho não determinado mas determinável, face às características próprias da actividade de "perito averiguador" que desempenhava, numa situação equiparável à de "isenção de horário de trabalho", tal circunstância é compatível, como se sabe, com a manutenção de uma relação de trabalho subordinado.

  5. O RECORRENTE, recebia mensalmente da RECORRIDA uma retribuição variável quanto ao quantitativo, mas regular quanto ao momento da sua liquidação, nos primeiros dias de cada mês, pagando-lhe ainda a RECORRIDA, uma quantia destinada a despesas com alimentação.

  6. Enquanto ao serviço da RECORRIDA, o RECORRENTE, auferiu mensalmente, a título de "honorários" e "quilómetros" quantias substancialmente inferiores às que teria auferido caso fosse considerado (pela RECORRIDA) um "perito do "quadro".

  7. A opção da RECORRIDA, em manter o RECORRENTE no exercício de funções num regime simulado de prestação de serviços, mascarado com a emissão dos denominados "recibos verdes", deveu-se a fins de contenção de custos, traduzindo uma mera intenção de obter mão-de-obra mais barata.

  8. Relativamente ao critério actividade versus resultado, os elementos já adiantados e supra expostos, no tocante ao horário de trabalho e à remuneração, ao que acresce que o facto do RECORRENTE ter a seu cargo uma multiplicidade de tarefas, fazem concluir, que dele não se esperava apenas o resultado final (relatório de peritagem), inferindo-se da factualidade provada, que o RECORRENTE colocou à disposição da RECORRIDA o exercício da sua actividade como "perito avaliador" por tempo indeterminado e não apenas em função de uma tarefa concreta ou um resultado do trabalho a que se obrigara (v.g. avaliar um veículo da RECORRIDA até à sua reparação), sendo que a autonomia de que gozava, releva da autonomia técnica própria da sua profissão, sem prejuízo da subordinação jurídica no que respeita aos demais aspectos da sua actividade.

  9. A excepção do veículo automóvel - à semelhança do "peritos" com que a RECORRIDA aceita ter celebrado contrato de trabalho - as ferramentas de trabalho do RECORRENTE, eram todas elas propriedade ou foram-lhe por ela facultadas, tendo esta colocado à sua disposição, tudo o mais necessário a concretização da prestação de trabalho.

  10. O RECORRENTE estava inserido numa estrutura produtiva que era da RECORRIDA, em situação equiparável aos trabalhadores "peritos avaliadores" com quem esta admite ter celebrado contrato de trabalho.

    1. O RECORRENTE estava perante a RECORRIDA numa situação de subordinação jurídica, traduzida no poder dela (RECORRIDA) conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que ele (RECORRENTE) se obrigou, sendo a RECORRIDA quem programava, organizava e dirigia, quer a montante quer a jusante, a actividade do RECORRENTE, incumbindo-lhe (a ela RECORRIDA) não apenas distribuir as tarefas a realizar, mas ainda fiscalizar a sua execução e resultado, definindo e programando o como, quando, onde e com que meios as devia executar em cada momento o RECORRENTE e cada um dos restantes trabalhadores.

  11. O RECORRENTE estava sujeito ao poder disciplinar da RECORRIDA, fazendo-lhe os superiores hierárquicos (supervisores desta), chamadas de atenção, quando porventura entendiam que no seu trabalho existiam aspectos a corrigir, podendo sanciona-lo com dias de suspensão, dirigindo-lhe comandos imperativos relacionados com obrigatoriedade de comparência em acções de formação, fiscalizando, analisando e supervisionando toda a actividade por si executada.

  12. Não estava na disponibilidade do RECORRENTE fazer-se substituir por outra pessoa por si indicada, sendo que na disponibilidade da RECORRIDA estava a possibilidade de fazê-lo substituir quando e por quem bem entendesse.

  13. A relação laboral subordinada caracteriza-se em função do seu conteúdo e da sua dinâmica, e não em função do recibo, nem da actividade em que o trabalhador está colectado, que muitas vezes, não passam de um mero artifício para iludir as disposições que regulam o contrato de trabalho, como acontece e resulta provado no caso dos presentes autos.

  14. A RECORRIDA, desvaloriza, relativamente à função/profissão "perito averiguador" a sujeição a horário de trabalho ou a determinação de um local de trabalho preciso e previamente determinado, tendo inclusivamente actuado de forma a obstar que sobre os "peritos averiguadores" quer em regime de "recibos verdes" quer do "quadro", pudesse ser exercido qualquer controlo relativamente ao cumprimento de horário de trabalho, criando as necessárias condições para que assim acontecesse.

  15. Os critérios i) local de trabalho e ii) horário de trabalho, comummente aceites e utilizados pela doutrina e jurisprudência como indiciadores da relação trabalho subordinado, não poderão na demanda sub judice, ser utilizados, por um lado, face às características próprias da função/profissão do RECORRIDO, por outro, face à desvalorização desses critérios faz a RECORRIDA, na concepção do conteúdo da relação de trabalho relativa à função/profissão de "perito averiguador".

  16. E característica da função/profissão "perito averiguador" a não sujeição a horário de trabalho, assim como a inexistência de determinação de local de trabalho previamente definido, embora determinável, sendo que a concepção que a RECORRIDA faz da função/profissão ''perito averiguador" dispensa a sujeição aos requisitos horário de trabalho e local de trabalho previamente definido ou determinado.

  17. Balanceados dos indícios recolhidos, considera-se verificada a presunção a que acima aludimos, de que entre RECORRENTE e RECORRIDA vigorou, efectivamente, um contrato de trabalho, afastada, como acima exposto, a necessidade de preenchimento dos requisitos do local e do horário de trabalho, face à especificidade da função/profissão de "perito averiguador".

  18. Perspectivada a factualidade assente e sendo certo que o que releva é o conteúdo da relação estabelecida e não a forma que lhe deu corpo ou o estatuto formal que o trabalhador detinha no exercício das suas funções, conclui-se, que a actividade desenvolvida pelo RECORRENTE ao serviço da RECORRIDA, plenamente enquadrada numa estrutura e numa organização criada e controlada por esta, o foi ao abrigo de um vínculo que se deve qualificar como uma relação de trabalho subordinado.

  19. O RECORRENTE estava subordinado, para com a RECORRIDA, por um típico e característico contrato de trabalho, só podendo ser despedido verificando-se justa causa e precedência de processo disciplinar, o...

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