Acórdão nº 747/08.3TTVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2012
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 12 de Janeiro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 22 de Outubro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Viseu, 2.º Juízo, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S. A., pedindo a condenação da ré: a) a reconhecer que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 3 de Abril de 2007; b) a reconhecer que a despediu ilicitamente, em 2 de Novembro de 2007; c) a reintegrá-la no posto de trabalho, com a antiguidade reportada a 3 de Abril de 2007 e a categoria de CRT (Carteiro), sem prejuízo da opção que poderá vir a fazer pela indemnização legal; d) a pagar-lhe as retribuições que se vençam desde 30 dias antes da instauração da acção até ao trânsito da decisão judicial, incluindo as das férias, subsídio de férias e de Natal, computando-se, na data, em € 610; e) a pagar juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou, para tanto, que a ré a admitiu, em 3 de Abril de 2007, por contrato verbal, sem prazo, e nas circunstâncias que descreve (que foi contactada dias antes, que aceitou e se apresentou ao serviço e que «[n]unca, até momento que adiante se referirá, lhe foi solicitada a assinatura de qualquer contrato de trabalho escrito») e que, desde a admissão, executava as tarefas inerentes à categoria; porém, a partir de 18 de Setembro de 2007, foi-lhe proibida a entrada nas instalações da ré, esperando que lhe entregassem o correio, limitando-se, até 2 de Novembro de 2007, a distribuir o que lhe era entregue. No dia 2 de Novembro de 2007, iniciou o giro pelas 9 horas, mas, pelas 9,40 horas, ordenaram-lhe que voltasse ao Centro de Distribuição Postal (CDP), «uma vez que só podia continuar ao serviço se assinasse um contrato de trabalho com a BB», mas não o assinou, pois não era trabalhadora da BB, mas dos CTT, e, nesse mesmo dia, foi-lhe reiterado que não podia trabalhar.
Mais aduziu que, por motivo do falecimento do avô, só voltou a apresentar-‑se ao serviço, em 5 de Novembro de 2007, mas foi-lhe recusada a sua prestação de trabalho, o que aconteceu, também, no dia imediato, sendo que, apesar das alterações funcionais ocorridas, «durante todo o período que decorreu entre 03 de Abril de 2007 e 02 de Novembro de 2007, sempre exerceu as suas funções sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré», integrando-se na sua estrutura organizativa, pelo que entre as partes existia um contrato de trabalho, auferindo a retribuição base mensal de € 610,10, paga por transferência bancária, a qual, a partir de certa altura, era referida como «VENC ADEC», o que estranhou; todavia, a identidade de quem procedia a esse pagamento não era relevante para a definição de quem era a empregadora.
Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, a ré apresentou contestação, em que começou por excepcionar a sua ilegitimidade, invocando que as partes que celebraram o contrato de trabalho foram a autora, a CTT Expresso e a BB Recursos Humanos, alegando que estabeleceu com a primeira um contrato de prestação de serviços e que a contratação da autora lhe é totalmente alheia, e, por impugnação, asseverou que apenas aceitava os factos alegados nos artigos 8.º, 17.º e 37.º da petição inicial, que a CTT Expresso terá contratado a autora para satisfazer a contratação consigo celebrada, sendo a autora orientada pelo coordenador da CTT Expresso, nunca tendo a ré exercido poder disciplinar sobre a autora, nem a tendo despedido, já que entre elas não existiu qualquer vínculo laboral.
A autora respondeu, defendendo que não assistia razão à ré quando afirmava ser parte ilegítima e que a questão posta era de procedência e não de legitimidade.
No despacho saneador, fixou-se o valor da causa em € 30.001 e julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela ré.
Então, a ré requereu a intervenção das sociedades CTT Expresso – Serviços Postais e Logística, S. A., e BB – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, L.
da, o que mereceu oposição por parte da autora, mas tal intervenção principal provocada foi deferida, tendo sido determinada a citação das chamadas.
A CTT – Expresso Serviços Postais e Logística, S. A., apresentou articulado em que impugnou a matéria de facto, reconheceu a existência de um contrato de prestação de serviços celebrado entre si e a ré, o contacto com a segunda chamada, a selecção da autora por esta e a celebração de contrato de utilização de trabalho temporário com a BB, para utilização da autora nas funções de distribuidora interna, funções que exerceu no âmbito desse contrato de utilização.
A BB – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, L.
da, também apresentou o seu articulado, afirmando que, seguindo a rotina subsequente à celebração do contrato de utilização de trabalho temporário, devia ter celebrado com a autora um contrato de trabalho temporário paralelo, mas assim não sucedeu; esse contrato foi-lhe enviado, com pedido de assinatura e devolução, na primeira semana de Abril (não era a primeira vez que a autora era contratada pela interveniente), e na ocasião do processamento salarial foi confrontada com a questão da assinatura do contrato e, porque respondeu que não o recebera, foi-lhe enviada, em Setembro, uma segunda via, sendo que, novamente contactada, disse que não o assinava, porque já tinha passado muito tempo. No último dia do contrato não assinado, a autora foi contactada para assinar novo contrato e, em mensagem para o telemóvel, foi-lhe dito que não devia comparecer nas instalações dos CTT mas da BB, em Viseu, e tendo o coordenador proposto que fosse feito novo contrato, a autora recusou, pelo que considera que a posição da autora é de intensa má fé e pretendia assegurar a sua entrada nos quadros dos CTT ao não assinar o contrato, agindo com abuso do direito.
A autora respondeu, mantendo, relativamente à chamada CTT – Expresso, o que havia alegado na petição inicial e, em relação à BB, defendeu que carece de sentido a alegação de abuso do direito, pois não recusou quaisquer documentos ou contactos, desde logo porque o contrato que pretendiam que assinasse respeitava ao tempo já trabalhado e que a autora prestara sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré CTT – Correios de Portugal, não podendo assinar um contrato com quem não era sua empregadora; acrescentou que quem abusa do direito é a ré, que, com o apoio das intervenientes e aproveitando-se do seu elevado poderio empresarial, recorre a expedientes ilegais para iludir as normas aplicáveis à contratação sem termo.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré e as intervenientes dos pedidos formulados pela autora.
-
Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual julgou procedente o recurso de apelação, «em que é recorrente AA e recorrida BB Recursos Humanos – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., e, em conformidade, alterando-se a matéria de facto constante dos pontos com os números 6., 15., 18., 19., 20. e 21. e reconhecendo-se que a recorrente tinha com a recorrida um contrato de trabalho sem termo desde 3.04.2007 e foi despedida em 2.11.2007, condenar esta a reintegrar a recorrente e a pagar-lhe, sem prejuízo das deduções legais, o valor das retribuições deixadas de auferir desde o 30.º dia anterior à propositura da acção e até trânsito deste acórdão, acrescidas de juros legais desde a citação, como peticionado, valores cuja liquidação precisa se relega para momento posterior, ao abrigo do artigo 661.º, n.º 2 do CPC.» É contra o deliberado pelo Tribunal da Relação que a interveniente BB – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, L.
da, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «A) O Tribunal da Relação de Coimbra veio alterar a matéria de facto e acabou por proferir decisão condenatória contra a mesma Apelante [sic]; B) A Relação de Coimbra, no entanto, entrou num círculo vicioso, pretendendo que tivesse sido apresentado um contrato que não chegou a existir — porque a Recorrida se recusou a assiná-lo; C) A Autora sabia qual o procedimento habitual da BB, mas recusou-se a adoptar essa conduta; D) Recusou-se, por isso, a assinar o contrato que lhe foi enviado; E) Com o entendimento que, sendo um contrato formal, deveria existir um documento chamado contrato, esqueceu-se a Relação que a atitude da Autora consistiu precisamente num pretexto para não assinar o contrato; F) As duas testemunhas que produziram esta prova são trabalhadoras da Recorrente e tão credíveis como qualquer outra, mais que a Autora; G) Não existindo, por isso, elementos suficientes no processo para alteração do sentido da prova.
Ora: H) No centro da questão situa-se a figura jurídica do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) cuja aplicação conduzirá, in casu, a — mercê da má-fé da Autora — não poder ela tirar partido da inexistência dum contrato que somente não existe porque ela não o assinou; I) Por isso mesmo foi abusivo o exercício do direito que a Recorrida tinha de assinar ou não o contrato, razão por que a douta decisão em apreço deve ser revista — e revogada.» Termina sustentando que «deverá ser concedida a revista, decidindo-se definitivamente a absolvição da recorrente».
A autora/recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.
ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que o recurso devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.
-
No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede: – Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto [conclusões A), na parte atinente, e B) a G) da alegação do recurso de revista]; – Se a invocação dos direitos que a autora pretende fazer valer na presente acção configura um abuso do direito [conclusões A)...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO