Acórdão nº 912-B/2002.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | ÁLVARO RODRIGUES |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB e Outros, ambos com os sinais dos autos, com o fim de obter a declaração judicial de que é filho de CC falecido em 1 de Janeiro de 2002.
No início da audiência de julgamento, o Autor, nos termos do artigo 508.º-B do Código de Processo Civil, veio requerer a ampliação da base instrutória com a formulação de dois novos quesitos onde se perguntava e pergunta sobre as relações de cópula entre a mãe do Autor e CC e sobre a procriação do autor em consequência das mesmas.
O Autor requereu também, para prova dessa matéria, exame pericial de ADN através da recolha de material biológico pertencente a CC, que se encontra sepultado em jazigo situado em cemitério da cidade de Viseu.
De salientar que o autor já tinha requerido a ampliação da base instrutória e pedido este exame pelos requerimentos, respectivamente, de 24 e 28 de Outubro de 2003 (folhas 184 e 187 dos autos que correspondem a folhas 116 e 120 dos autos deste recurso).
O aditamento à matéria de facto foi deferido por despacho de 25 de Junho de 2009, assim como o exame, este por despacho de 27 de Abril de 2010.
Tal despacho é do seguinte teor, na parte que ora interessa: «Na sequência do deferimento da reclamação á base instrutória foram aditados os seguintes quesitos: Foi em consequência de uma dessas relações sexuais de cópula completa que a DD (mãe do autor) veio a engravidar? E a dar à luz em 13 de Dezembro de !934 o filho de ambos ( dela e de CC) o A. AA? Entendeu o Tribunal que apesar de o autor ter fundado a petição inicial era presunções de paternidade, certo é que estes factos podem coadjuvar a decidir a causa, pois que o tratamento como filho pode ser concluído também do eventualmente apurado por aquela via.
Esta factualidade foi alegada pelo autor e constando a mesma da base instrutória ao autor compete a respectiva prova.
E a prova da procriação biológica pode ser conseguida directamente através dos exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados ... o que implica a produção da prova pericial ( cfr neste sentido Lopes do Rego nos termos já citados neste processo no despacho proferido com data de 25.06.2009.
A ser assim a prova requerida pelo autor no seu requerimento de fls 186 é legalmente permitida . Nestes termos se defere o exame de ADN a fazer mediante a recolha de tecido/sangue ao pretenso pai do autor e ao autor a efectuar pelo Instituto de Medicina Legal nos termos legalmente permitidos.
Notifique».
Inconformado, interpôs o Réu BB recurso de Agravo do referido despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra que, todavia, negou provimento ao recurso interposto, confirmando o despacho recorrido.
Novamente inconformado, o mesmo Réu veio interpor recurso de Agravo em 2ª Instância para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1. Há que distinguir duas situações opostas nas acções de investigação de paternidade: 1ª Quando o investigante só tardiamente descobriu, por indícios ou revelações, quem seria o seu pretenso pai. 2ª Quando o investigante sempre soube quem era o seu pai. Na primeira situação (Quando o investigante só tardiamente descobriu, por indícios ou revelações, quem seria o seu pretenso pai), a ninguém choca que a acção seja instaurada em qualquer altura, dentro da razoabilidade, a partir do momento em que a convicção se consolidou no espírito do pretenso filho. Por este motivo, o Código Civil considerou que nestes casos a investigação poderia dar-se após os 28 anos do investigante com fundamento nas situações a que se refere o n° 3 do art. 1817° do Código Civil, nomeadamente na alínea c) que viabiliza o exercício do direito de acção quando o interessado apenas tenha tido conhecimento efectivo da situação que justifica o impulso processual já depois de transcorrido o prazo de dez anos a contar da maioridade.
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Assim, o art. 1817°, do CC, na sua actual redacção, permite a investigação da paternidade em momentos extremamente tardios, mas permite-a em momentos extremamente tardios na medida em que haja razões ou motivações que justifiquem que assim seja e, portanto, que justifiquem uma prolongada inércia do investigante. E isto porque a sua inércia, à medida que se prolonga, vai suscitar a consolidação das posições jurídicas das pessoas que possam ser afectadas pela declaração da paternidade/maternidade. Deste modo, na medida em que o prolongamento da inércia, à medida que avança, vai afectar, passando o tempo, de modo cada vez mais gravoso, a posição jurídica e a vivência das pessoas afectadas pela declaração de filiação do investigante, o legislador ordinário, num exercício de busca de concordância prática dos interesses envolvidos, não deixa de permitir a instauração das acções de investigação de paternidade muito tardiamente, mas desde que haja razões que justifiquem o carácter extraordinariamente tardio da instauração da acção e portanto da extraordinariamente prolongada inacção do investigante, com a consequente cada mais gravosa (à medida que o tempo passa) perturbação das posições jurídicas, direitos e interesses legalmente protegidos (e constitucionalmente consagrados) das pessoas afectadas pela declaração da paternidade do investigante.
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Na segunda situação (quando o investigante alega sempre ter sabido quem era o seu pai) podemos ainda distinguir dois casos: 4. O pretenso pai desconhecia ter um filho, ou as suas dúvidas eram tão grandes que legitimamente não poderia reconhecê-lo; ou o pretenso pai sempre soube que tinha um filho, deu-lhe ou não alguma espécie de assistência, mas nunca o reconheceu.
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A experiência da quase total imprescritibilidade das acções já foi feita em Portugal, e o seu efeito aparentemente perverso terá levado o legislador (e mesmo após a revolução de 25 de Abril e a Constituição de 1976 e suas revisões) a colocar balizas regulamentadoras (como por exemplo em 2009) que incentivassem a integração familiar do investigante e a salvaguarda do desenvolvimento da personalidade deste quando as responsabilidades parentais são realmente mais necessárias. Garantiu, por outro lado, o legislador as situações em que a convivência entre pais e filhos se fazia já de forma explícita (embora sem reconhecimento oficial), quase equivalente à "posse de estado", convivência essa que, sendo interrompida subitamente, por exemplo, pela morte inesperada, constitui a razão da existência da al. b) do n° 3 do art. 1817° o que não é criticável.
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Se estes limites não se colocassem, poderia, em absurdo, haver acções de investigação de paternidade relativas a pessoas mortas há 40 ou 50 anos! O que, caso não se verifiquem situações como aquelas a que se reporta, por exemplo, a al. c) do n° 3 do art. 1817° do CC, constituiria um absurdo. Absurdo admissível se uma tese de imprescritibilidade geral viesse a ter valimento! 7. A lei, designadamente o art. 1817° do Código Civil na sua actual redacção, ao fixar prazos de caducidade do direito de acção de investigação de paternidade - nos termos amplos em que permite, através da intervenção das diversas alíneas do n° 3 conjugadas com o n° 1, a instauração da acção muito tardiamente, desde que haja uma justificação para a sua instauração extraordinariamente tardia, permitindo desse modo e nessas situações, uma maior lesão de outros interesses não só públicos, como a estabilidade das situações jurídicas consolidadas, mas também particulares que se vão firmando com o tempo - não implica qualquer restrição de um direito, liberdade e garantia, apenas consubstanciando, no plano estrutural, um condicionamento a que tem que obedecer o seu exercício e respeita, numa perspectiva material, um critério de adequação e proporcionalidade. Cf. neste sentido o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, n° 401/2011, de 22 de Setembro de 2011.
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Note-se que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido constante no sentido de não censurar a existência de limites temporais ao exercício do direito de instaurar a acção de investigação, mas tão somente a consagração de limites temporais que dificultam seriamente ou inviabilizam a possibilidade de o interessado averiguar o vínculo de filiação natural. O Tribunal Constitucional, a quem compete a última decisão em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade (cfr. artº 280.° da CRP), vem reiterando o entendimento de que a Constituição vigente não exige, para salvaguarda de direitos fundamentais nela consagrados, a propositura a todo o tempo da acção de investigação da paternidade e que a fixação de prazos de caducidade do direito de acção, desde que razoáveis e proporcionais à salvaguarda do direito de investigação da paternidade, é compatível com ela (cfr. o acórdão do TC n.° 446/2010, de 23/11/2010, publicado em DR, 2.a série, de 27/12/2010 e o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, n° 401/2011, de 22 de Setembro de 2011).
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Daí que permitir - como o faz a lei ordinária - que a acção de investigação de paternidade seja instaurada muito tardiamente, mas impor ao mesmo tempo que para que a acção seja instaurada muito tardiamente tenha que haver uma qualquer motivação que justifique que ela seja muito tardiamente instaurada não contende intoleravelmente com a salvaguarda dos direitos consagrados no art. 26°, n° 1 da CRP. Pois, como a este propósito tem afirmado o Tribunal Constitucional "cabe ao legislador encontrar soluções através das quais se harmonizem diferentes, e por vezes conflituantes, direitos e interesses constitucionalmente protegidos, cabendo-lhe também decidir se, e em que circunstâncias, se justifica a diminuição do alcance ou da protecção de um desses direitos ou interesses, em ordem à promoção equilibrada ou proporcionada de aqueles outros que com os primeiros conflituem. São, por isso, coisas diferentes, a "simples" afectação negativa de direitos fundamentais e a afectação inconstitucional de...
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