Acórdão nº 1807/08.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | ÁLVARO RODRIGUES |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA, Unipessoal Ld.ª propôs acção declarativa, com forma ordinária, contra BB Comércio e Serviços de Óptica Ld.ª e CC, Agência Automobilística e Comércio e Serviços de Óptica Ld.ª pedindo a condenação: I) da 1ª Ré, a pagar-lhe 69.087,62 €, por resolução ilícita de contrato de franquia; 27.179,99 €, por incumprimento de obrigação pós-contratual (cláusula 24ª, 1.4.), e montante a liquidar pela sua não cessação; 27.179,99 €, por incumprimento de obrigação pós-contratual (cláusula 24ª, 1.1.), e montante a liquidar pelo incumprimento da obrigação; e montante indemnizatório a liquidar, por encargos de protecção de direitos de propriedade industrial (artigo 338º-L, nº 2, do Código da Propriedade Industrial); ainda, juros comerciais; e, finalmente, a comunicar ao mercado a cessação do contrato de franquia e a cessar a utilização dos sinais distintivos da autora, sob pena de sanção pecuniária compulsória (artigo 829º-A do Código Civil); II) da 2ª Ré, a pagar-lhe 59.812,79 €, por resolução ilícita de contrato de franquia; com juros comerciais.
É, em suma, o seguinte quadro alegatório que alicerça estes pedidos: A Autora, empresa de material óptico e optométrico, explora a sua actividade através de contratos de franquia, que celebra; o que fez também com cada uma das Rés. Em Julho e Dezembro de 2007 divulgou, junto dos seus franquiados, proposta de alteração dos termos dos contratos de franquia.
Em Janeiro de 2008, as Rés fizeram comunicar estranheza e, apelando a que se tratava de aditamentos contratuais impostos, consideraram haver incumprimento contratual da autora. Esta respondeu, esclarecendo tratar-se de meras propostas dependentes de aceitação. Mas, em Fevereiro, as rés comunicaram a decisão de resolver cada um dos contratos de franquia.
A Autora ainda contra-argumentou; mas as Rés persistiram no seu comportamento, mantendo aliás a exploração dos respectivos estabelecimentos comerciais ópticos e, a 1ª Ré, a utilizar sinais distintivos e imagem da autora.
A resolução foi infundada e deve ser equiparada a um incumprimento definitivo. O património da Autora deve ser reposto na situação que estaria caso a resolução ilícita não tivesse ocorrido. E, para além disso, a 1ª Ré vem preterindo deveres pós-contratuais e violando direitos de propriedade industrial da Autora.
As Rés contestaram e afirmaram a improcedência da acção.
Também formularam pedidos reconvencionais, de condenação da Autora a pagar, à 1ª Ré, as quantias de 25.000,00 €, por violação do contrato, de 959,27 €, saldo apurado das relações comerciais, e de 67.437,00 €, por indemnização de clientela; e à 2ª Ré, as quantias de 20.000,00 €, por violação do contrato, de 1.993,14 €, saldo apurado das relações comerciais, e de 35.663,00 €, por indemnização de clientela; como ainda, em montante a liquidar, de rappel devido e não pago a cada ré; tudo com juros de mora.
É o seguinte, em síntese, o quadro alegatório de suporte: A Autora, em quebra de confiança e ruptura contratual, comprometendo o seguimento das relações negociais que existiam, impôs unilateralmente aditamentos aos contratos de franquia. E bem sabia não se tratarem de simples propostas. Além disso, a Autora nunca cumpriu as obrigações que lhe incumbiam e, por isso, a decisão de resolver os contratos.
Aliás, ainda em Março de 2008, a própria Autora comunicou às rés a resolução dos mesmos contratos, invocando incumprimento.
As Rés satisfizeram todas as obrigações que as vinculavam, em particular, as emergentes da cessação dos contratos.
A Autora não sofreu qualquer dano, nem lhe cabe ser indemnizada por cessação antecipada da iniciativa da parte adimplente.
Ao invés, a resolução comunicada pelas Rés foi fundada no não cumprimento grave e persistente da autora, que tornou inexigível a manutenção dos contratos de franquia. A cessação antecipada, a que foram obrigadas, gerou prejuízos às Rés; além disso, porque divulgaram a marca da Autora, têm direito a indemnização de clientela; finalmente, ainda a acertos das relações comerciais tidas lugar.
A Autora apresentou réplica.
Ao que importa, reafirma a íntegra validade das cláusulas contratuais contidas nos acordos de franchising; o seu próprio cumprimento e o incumprimento censurável das Rés; e o encontro de contas, ainda pendente.
Conclui a afirmar a improcedência de toda a excepção peremptória formulada, como das pretensões reconvencionais; ainda, a ampliar o pedido contra a 1ª Ré em 528,23 €, saldo do encontro de contas; e, finalmente, a confessar dever à 2ª Ré, por igual razão, a quantia de 2.534,81 €, valor a compensar daquele que esta venha a ser condenada a pagar-lhe.
Houve, ainda, tréplica das Rés.
Em sede de audiência de discussão e julgamento as Rés ofereceram articulado superveniente para alegarem factos, no essencial, consistentes na circunstância de a Autora ter aberto estabelecimento de óptica, a menos de cem metros do estabelecimento da 1ª Ré, bem como vindo a contactar clientes desta para lhos dar a conhecer (fls. 922 a 923).
Ouvida a Autora, foi porém proferido despacho a rejeitar esse articulado (fls. 923 a 924).
A final, foi proferida sentença, cujo sentido, ao que mais importa, foi o de julgar a acção parcialmente procedente e, por consequência: a) Condenar a 1ª ré a pagar à autora a quantia de 1.750,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a citação; b) Condenar a 1ª ré a pagar à autora a quantia de 528,23 €; c) Absolver as rés do remanescente peticionado.
E, quanto à reconvenção, julgá-la parcialmente procedente e, por consequência, condenar a autora a pagar à 2ª ré a quantia de 1.993,14 €, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a notificação da reconvenção.
Inconformada, interpôs a Autora recurso de Apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa ( recurso independente) e também as Rés, por sua vez, interpuseram recurso de Apelação ( recurso subordinado).
A Relação julgou: «O recurso independente parcialmente procedente, pelo que decidiu alterar a sentença recorrida, na parte em que absolveu a 1ª ré BB de pagar à autora a quantia de 26.750,00 €, por aplicação da cláusula 24°, 1.1.1., do contrato de franquia, condenando agora a (mesma) ré BB a pagar à autora a quantia de 18.750,00 € (dezoito mil setecentos e cinquenta euros) e juros, à taxa comercial, desde 30 de Junho de 2008, até efectiva entrega, confirmando apenas a absolvição remanescente, e confirmando no mais a sentença recorrida; O recurso subordinado parcialmente procedente, mantendo o despacho interlocutório que, proferido em sede de audiência de discussão, aí rejeitou o articulado superveniente produzido pelas rés, confirmando, na sua íntegra, a decisão proferida sobre a matéria de facto, em especial, as respostas dadas aos quesitos 1° a 5°, 25° e 26° da base instrutória, mas revogando a sentença recorrida, na parte em que condenou a 1ª ré BB a pagar à autora a quantia de 1.750,00 €, por aplicação da cláusula 24ª, l.4.1., do contrato de franquia, absolvendo agora a (mesma) ré BB desse pagamento, e confirmando, em tudo o mais, a sentença i recorrida.
A Ré BB - Comércio e Serviços de Óptica, Lda., interpôs do acórdão que assim decidiu, recurso de Revista nos termos do disposto no artº. 722/1/a), do CPC, assim o considerando Revista nos termos normais.
A Autora, porém, interpôs Revista que expressamente qualificou como excepcional, invocando como verificados os pressupostos de admissibilidade previstos nas als. a) e c) do n.° l do art° 721 °-A do Cód.Proc. Civil.
A Digna Formação a que se refere o nº 3 do artº-721-A do CPC, por douto Acórdão de 8 de Setembro de 2011, deliberou não admitir a presente Revista como excepcional, determinando, contudo, que os presentes autos fossem remetidos à distribuição normal, em virtude de ter considerado inexistente a dupla conforme que vinha invocada, na medida em que a Relação não confirmou, em termos irrestritos, a decisão da 1ª Instância, não sendo, destarte, caso de Revista excepcional, ex vi do nº 3 ( a contrario) artº 721º do CPC.
Distribuídos os autos como Revista normal, cumpre conhecer e decidir dos presentes recursos.
Comecemos, antes do mais, por perfilar as conclusões das doutas alegações de ambas as Recorrentes: CONCLUSÕES
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Da Recorrente AA, Unipessoal Limitada (Autora) 1. A Recorrente instaurou a presente acção contra as Recorridas, com base no facto de estas terem resolvido ilicitamente os contratos de franquia que celebraram com aquela, antes do termo do prazo contratual aí previsto.
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Os contratos de franquia em causa são regidos de acordo com a vontade das partes (artigo 405.° do Código Civil) e pelo regime legal do contrato de agência (Decreto-Lei n.° 178/86, de 3 de Julho) aplicado por analogia e, subsidiariamente, pelo Código Civil.
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Tal como o Tribunal a quo entendeu, apesar de a resolução contratual efectuada pelas Recorridas ser ilícita, os contratos de franquia cessaram automaticamente, já que a resolução operou através de mera declaração extrajudicial receptícia (artigos 224º, nº 1, e 436.°,n.° 1, do Código Civil).
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Ora, tendo as Recorridas resolvido os contratos de franquia que celebraram com a Recorrente ilicitamente, aquelas são responsáveis pelos danos causados à Recorrente - o que é reconhecido na página 49 do Acórdão recorrido, na qual se refere o seguinte: "O adimplente, aqui, é confrontado com uma resolução ilícita da outra parte; e é esta que lhe desencadeia, por um lado, a inexigência, de manutenção da relação negociai nas condições antes descritas, e por outro lado o seu crédito a uma indemnização, suportada nessas mesmas razões".
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Tal indemnização deve incluir os lucros cessantes (artigos 564.°, 566.° e 798.° do Código Civil ex vi artigo 32.° do Decreto-Lei n.° 178/86).
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Com base neste fundamento, a Recorrente peticionou a condenação das Recorridas a suportar os lucros cessantes daquela, os quais correspondem às contrapartidas contratuais (royalties e "taxa de fidelização", cfr...
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