Acórdão nº 3037/05.0TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA propôs no dia 17-5-2005 acção declarativa com processo ordinário contra BB e CC deduzindo contra estes os seguintes pedidos: - Que seja restituída à A. a posse da garagem e do tracto de terreno identificados, abstendo-se de praticarem os aduzidos actos de turbação da posse que a A. exerce sobre os mesmos bens imóveis com as legais consequências.

- Que sejam condenados a pagar à A. uma indemnização pelos danos não patrimoniais e patrimoniais identificados no montante de 2.600€.

- Que sejam condenados a pagar à A. uma indemnização , a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais causados ao veículo automóvel identificado e descrito nos artigos 52.º a 56.º.

- Que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória não inferior a 25€ por cada dia em que se verifique a violação do direito do autor.

  1. Alegou a A., respectivamente mãe e sogra dos réus, que era proprietária com o seu marido, entretanto falecido (no dia 2-2-2002), de um prédio urbano com área coberta de 126m2 e descoberta de 454m2; nessa parte descoberta estava implantada uma garagem destinada ao veículo do marido da A. e de dois inquilinos; a filha dos réus pretendia edificar um imóvel para sua habitação nessa parte descoberta e os pais acordaram ceder-lhe, para o efeito, uma parcela desse terreno com a área de 264,5m2 a desanexar; outorgaram contrato-promessa de doação e depois, em 11-10-1991, contrato de doação; a parcela foi doada por conta da quota disponível dos doadores.

  2. Mais alegou a A. que ela e marido condicionaram a doação à reserva de usufruto do imóvel e da construção que nele fosse erigida pois nesse tracto de terreno, a desanexar, encontrava-se a mencionada garagem que seria encimada pelo prédio a construir; sucede, porém, que, carecendo filha e genro da autora, de financiamento bancário para a construção do imóvel, era inviável a manutenção do usufruto pretendido pelos doadores como condição para a doação e, por isso, decidiram A. e marido que a doação tivesse por objecto a propriedade plena do tracto de terreno.

  3. No entanto, contrataram - paralelamente à doação - a manutenção do uso, sem qualquer contrapartida remuneratória e sem subordinação a qualquer prazo, da totalidade da garagem que integraria a construção a erigir pelos réus e a parte descoberta do mesmo tracto de terreno, ate à morte deles doadores, do que resultava o uso exclusivo por estes da dita garagem e dessa parte descoberta do prédio e para as finalidades descritas, o que foi aceite pelos réus.

  4. Em execução do dito acordo foi celebrado o mencionado contrato-promessa de doação e depois a escritura de doação, o imóvel foi construído e a garagem continuou a ser utilizada pela autora e marido até à morte deste e pela autora até Agosto de 2004 quando os réus procederam à mudança da fechadura da porta da garagem, impossibilitando à autora o acesso, impedindo igualmente a autora de utilizar a parte descoberta do imóvel daí decorrendo os prejuízos agora reclamados.

  5. Foi deferida providência de restituição provisória de posse requerida pela autora, resultando do alegado que a A. é legítima possuidora da garagem e da parte descoberta do prédio, sendo-lhe lícito o recurso aos meios legais para a defesa dela e a restituição da posse ofendida. De resto - prossegue a autora - entendendo-se embora que a situação descrita configuraria a situação de comodato, podia ela igualmente socorrer-se dos meio legais para a defesa da posse.

  6. Os réus contestaram argumentando, para além do mais, que não houve usufruto algum constituído a favor da autora - não houve reserva de usufruto com a escritura de doação - sucedendo que o R/C da moradia edificada pelos réus está afectado a garagem, constatando-se ainda que a garagem pré-existente que os réus utilizavam foi destruída por não poder a moradia ser edificada encimando-a.

  7. Esse R/C com a área de 121m2 foi efectivamente utilizado pelos doadores e inquilinos destes porque deixaram de possuir garagem e a mudança da fechadura foi efectuada apenas por razões de segurança, não tendo a autora sido impedida de continuar a cultivar na parcela dos réus.

  8. A acção foi julgada improcedente nas instâncias.

  9. A A. sustenta que o acórdão incorre em erro de interpretação da lei quando entende que a prova do direito de propriedade dos réus afasta a possibilidade de a autora ser titular de um direito de usufruto sobre a parcela doada, pois a recorrente nunca alegou que o seu animus possidendi fosse o de proprietária mas sim o de usufrutuária da parcela doada em crise.

  10. Assim sendo, provada a posse da autora com ambos os elementos que a compõem, está esta legitimada a defender a sua posição com recurso aos meios possessórios, como fez na presente acção, enquanto não ficar definitivamente decidida a questão da titularidade do direito real a que corresponde o animus possidendi .

  11. Por outro lado, mesmo que esta pretensão improcedesse, sempre haveria de ter solução contrária o pedido formulado quanto à declaração de existência de um contrato de comodato, sem prazo, salvo o que adviria da morte do último dos membros do casal constituído pela apelante e pelo seu falecido marido, pois, ao invés do que alude a sentença sob recurso, crê-se que da prova produzida nestes autos sempre teria de entender-se que se encontram preenchidos todos os requisitos que informam o instituto do comodato.

  12. Sustenta a recorrente que parece resultar inequívoco dos autos que (a) os recorridos entregaram a coisa à recorrente e ao seu falecido marido; (b) a entender-se não ter havido desapossamento dos recorridos da materialidade dos bens em questão, sempre teria de entender-se que a recorrente - inicialmente em conjunto com seu falecido marido - manteve a posse sobre eles; (c) foi convencionada a obrigação de restituição dependente apenas do decesso dos comodatários; (d) momento - a verificação de tal condição - em que operaria o termo do contrato de comodato, surgindo então a obrigação de restituição.

  13. Considera a recorrente que ficou provado que o comodato vigoraria até à morte do último dos comodatários e que não está provado nenhum facto violador das obrigações dos comodatários emergente do contrato em questão.

  14. Factos provados: 1 – A autora AA e DD estão inscritos como proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o nº --.---, situado na Rua ... de O..., nº ..., e Rua da C... nº ..., em E..., Valongo - cf. certidão de fls. 30 e SS. (alínea A) da especificação).

    2 – Através do documento escrito constante de fls. 34, cujo teor se dá aqui por reproduzido, DD e AA declararam que prometiam doar à Ré BB, por conta da sua quota disponível, livre de quaisquer ónus ou encargos, a parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 264,5, a confrontar de Norte com EE, de Sul com FF e GG, de Nascente com Rua da C... e de Poente com DD, a destacar do prédio urbano inscrito na Matriz da freguesia de Ermesinde, concelho de Valongo, sob o artigo .... - cf. documento de fls. 34 (alínea b) da Especificação).

    3 - Através de escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Valongo no dia 11.11.1991, DD e a Autora declararam doar à Ré, por conta da sua quota disponível, a parcela de terreno, situada na Rua da C... nº ..., em E..., Valongo, destinada a construção urbana, com a área de 264,5, a confrontar de Norte com HH, de Sul com Rua da C..., de Nascente com II, a destacar do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o nº ... – cf. cópia de certidão de fls. 35 e ss (alínea C) da especificação).

    4 – Os réus estão inscritos na Conservatória do Registo Predial de Valongo como proprietários do prédio urbano descrito na mesma sob o nº 0---/----, mediante a cota G-1, que corresponde à parcela de terreno referida em 3 - cf. cópia de certidão de fls. 41 e ss (alínea D) da especificação).

    5 – Os réus construíram uma habitação, com garagem, existindo uma porta que dá acesso daquela a esta, no prédio referido em 3.1.4 (alínea E) da especificação).

    6 – A autora vive no prédio referido em 3. (alínea F) da especificação).

    7 – Em 16.08.2004, cerca das 16 horas, os réus colocaram baldes para flores pertencentes à autora, que a mesma guardava na garagem referida em 3. fora da mesma, mantendo nesta um veículo da marca T..., modelo C..., mesas, caixas de fruta, dois sofás e prateleiras, que aí eram guardados pela autora, até 06-05-2005, data em que se procedeu ao cumprimento da decisão proferida na Providência Cautelar nº 3037.05.OTBVLG-A, apenso a estes autos (alínea G) da especificação).

    8 – Na mesma data referida em 7 os réus mudaram a fechadura da porta da garagem referida em 5 (alínea H) da especificação).

    9 – Não obstante a doação referida em 3, a autora AA e seu marido DD, este enquanto vivo, continuaram a utilizar a garagem já existente na parcela doada, mesmo depois da sua reconstrução feita pelos réus (resposta aos quesitos 1º e 14º a 17º).

    10 – Sem qualquer remuneração (resposta ao quesito 2º).

    11 – E sem qualquer prazo (resposta ao quesito 3º).

    12 – Aí guardando o seu veículo automóvel e outros objectos, bem como os veículos dos Senhores JJ (resposta aos quesitos 4º e 5º e 14º a 17º).

    13 – Não obstante a doação referida em 3, a autora AA e seu marido DD, este enquanto vivo, continuaram a cultivar a área descoberta da mesma parcela (resposta ao quesito 6º e 18º).

    14 – Sem qualquer remuneração (resposta ao quesito 8º).

    15 – E sem qualquer prazo (resposta ao quesito 9º).

    16 – Os réus aceitaram o referido em 9 a 15 (resposta ao quesito 10º).

    17 – No interior da garagem da casa dos RR existe uma torneira ligada por um tubo à rede de estabelecimento de água da casa da autora (resposta ao quesito 12º).

    18 – Os actos descritos em 9, 12 e 13 ocorreram de modo exclusivo (resposta ao quesito 19º).

    19 – Com exclusão dos réus (resposta ao quesito 20º).

    20 – No dia 11.12.2004, o réu rebentou a torneira existente no interior da garagem (resposta ao quesito...

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