Acórdão nº 2285/04.4TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I-Relatório AA e mulher BB intentaram acção com processo ordinário contra, CC e mulher DD, pedindo a condenação dos RR a reconhecerem o Autor o direito à execução específica do contrato - promessa, consubstanciado no documento de fls. 117 destes autos e que seja proferida sentença que substitua a declaração negocial de venda relativamente ao lote identificado sob o art. 18º da petição inicial ou em alternativa condenação dos RR a pagarem ao Autor o valor do lote ao tempo do incumprimento , acrescida da restituição do preço pago.

Os AA fundamento o seu pedido no facto de terem celebrado com os RR em 5/12/1985, através de documento particular, um contrato promessa de compra e venda relativo à parcela de terreno identificado sob os arts.1º e 18º da petição inicial, tendo o Autor pago imediato a quantia total correspondente ao preço ajustado, tendo entrado, assim, desde logo, na posse da aludida parcela e apesar de o Autor ter solicitado aos RR por diversas vezes a realização do respectivo contrato definitivo, não se prontificaram a fazê-lo, como passaram até a impedir os autores de aceder e de utilizarem o mencionado terreno.

Os RR contestaram, por excepção e por impugnação, arguindo a nulidade do contrato celebrado entre o Autor e RR o qual apesar de denominado “ contrato-promessa de compra e venda” tratava-se antes de um contrato de compra e venda de bem imóvel, sujeito, a escritura pública, o que não sucedeu, por ter sido reduzido a escrito particular.

Alegaram ainda que o negócio também era anulável por erro, na modalidade de dolo, por força dos artifícios que o autor utilizou para convencer os RR a celebrar o negócio em causa.

Concluem que os autores ao litigarem nos termos em que o fazem, litigam de má fé e pedem a sua condenação em multa e indemnização nunca a inferior a 10.000 euros.

Os AA apresentaram réplica rejeitando a matéria da excepção concluindo pela sua improcedência, pedindo também a condenação dos RR, como litigantes de má fé, em multa e indemnização nunca inferior a 10.000 euros.

Os RR ainda treplicaram reafirmando a sua contestação.

Foi proferida despacho saneador, no qual se conheceu do mérito da acção julgando-a totalmente improcedente, decisão que foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que revogou a decisão e determinou que os autos prosseguissem os ulteriores termos.

Em cumprimento do Acórdão da Relação do Porto foi seleccionada a matéria que integrou a base instrutória, selecção que não mereceu das partes qualquer reclamação.

Realizou-se o julgamento e após a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, foi proferida sentença que julgou a acção procedente por forma que” em substituição dos RR faltosos, se deu como celebrado entre Autores, na qualidade de compradores e os Réus, na qualidade de vendedores, o contrato de compra e venda, pelo preço já pago de 1.000.000$00 que tem por objecto a parcela de terreno com cerca de 800 m2, já destacada do prédio rústico dos RR , descrito na CRP sob o nº 00000 e inscrito na matriz da freguesia da Cruz sob o art. 649, parcela que constitui o Lote ................. nº ..... , emitido pela C.M de V. N. de Famalicão de 2/3/98 , parcela essa descrita na CRP sob o nº00000 e inscrita na matriz urbana sob o nº 000”.

Os RR não se conformaram com esta decisão e interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que julgando parcialmente procedente a apelação interposta, declarou nulo o negócio celebrado entre as partes, representado pelo documento junto como nº1 do procedimento cautelar apenso e a fls. 117 a 117 v dos presentes autos e condenou os RR a restituírem aos Autores a quantia de € 4.897,98.

Os AA não se conformaram com esta decisão e daí a presente revista para este Supremo Tribunal.

Nas suas alegações de recurso os AA formulam as seguintes conclusões: A) Sem prejuízo da decisão judicial de 1ª instância persistem os Recorrentes na tese da qualificação jurídica do negócio celebrado em 5/12/1995, constante do documento de fls 117 dos autos, como contrato-promessa de compra e venda.

B) Veja-se que do aludido contrato ressalta não só a denominação atribuída pelas partes - CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA - como também, do respectivo texto decorre a ideia de, em data posterior, ser celebrada a escritura de compra e venda como contrato definitivo.

C) Os últimos parágrafos do documento são esclarecedores quanto a este entendimento ao aludir, nomeadamente, à impossibilidade temporária da celebração da escrituras e à utilização de termos e expressões como "promessa" e "prometem vender" D) Também não pode existir dúvida quanto à vontade dos contraentes em celebrar a escritura tendo em conta que os Autores, em 2001, ainda solicitavam a sua marcação, e os Réus, só em 2004, decidiram retomar a posse do terreno objecto do contrato.

E) Por outro lado, Autor e Réu colaboraram na elaboração do projecto de loteamento do prédio e na criação de 1 lote (n° 5) correspondente ao terreno objecto do contrato, o que se coaduna com a função económico-social típica do contrato-promessa de compra e venda outorgado pelas partes.

F) Se as partes tivessem celebrado um negócio definitivo não careciam de incluir o lote ...... loteamento, cujo solo já o contrato-promessa referia estar anexado a outro prédio dos Autores.

G) Impunha-se ao Tribunal interpretar as declarações negociais vertidas no contrato em apreço com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante. Art. 236 do CC H) Constitui matéria de direito a interpretação da declaração negocial pelo que o Tribunal ad quem tem competência para se pronunciar sobre esta matéria.

I) De qualquer modo, é intuitivo que as partes contratantes, com o documento de fls. 117, pretendiam celebrar não um contrato de compra e venda, mas apenas um contrato-promessa de compra e venda. Cfr. Art. 410 do CC J) Não obsta a este entendimento nem o facto de ter ocorrido o pagamento integral do preço com a assinatura do contrato nem a expressão de que este "valha para além das suas mortes" (dos Réus, promitentes-vendedores) K) Mas, sem prescindir, se reconhecida a nulidade do negócio em causa - como contrato definitivo de compra e venda - então deverá o mesmo ser convertido em válido contrato-promessa de compra e venda, conforme decidido na douta sentença de 1ª instância.

L) A conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha os requisitos essenciais, não só de substância como de forma, e que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjuntural das partes. Art. 293 do CC M) Na conversão estamos perante uma revaloração dada pela ordem jurídica a um comportamento negocial das partes mediante a atribuição de uma eficácia sucedânea realizadora do fim visado pelo tipo negocial.

N) A causa jurídica do negócio sucedâneo resulta dos elementos fácticos do comportamento negocial, assim se obtendo minimamente o fim prático que as partes procuravam realizar com o negócio nulo.

O) Este segundo negócio faz apelo à simples vontade conjectural ou hipotética das partes que terá de ser o reflexo da ponderação dos interesses em presença, depois de passar pelo crivo da boa-fé, impondo ou impedindo a conversão.

P) Para efeitos de conversão de negócio nulo, a vontade presumível das partes extrai-se do fim por elas prosseguido, sendo irrelevante a investigação da sua vontade real e facto de as partes terem consciência da nulidade do contrato.

Q) Não merece reparo, assim, a tese defendida na douta sentença da Ia instância uma vez que parece fazer sentido o apelo ao funcionamento, in casu, do mecanismo próprio da figura da conversão.

R) Doutro modo, impor-se-ia apreciar a questão sobre o eventual abuso de direito por parte dos Réus, designadamente, na modalidade de venire contra factum proprium. Art. 334 do CC S) O abuso de direito resultaria da transmissão da posse do terreno para os Autores contra o recebimento integral do preço do negócio e, ainda, pelo facto de só após o decurso de mais de 8 anos daquela cedência alegarem a nulidade do negócio.

T) Há abuso do direito sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.

U) O abuso do direito serve, além do mais, para dar cobertura à reprovação do venire contra factum proprium, bem como à invocação de certas nulidades formais, pois traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente, que é tido como inadmissível.

V) O comportamento anterior dos Réus constituiu um facto gerador de confiança que foi também induzido das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade. Cfr. art° 236 do CC W) O contrato foi celebrado em 5/12/1995 e apenas em Março de 2004, sem qualquer aviso, e contra a vontade do Autor, os Réus vedaram o lote e passaram a impedir a sua utilização pelos Autores.

X) Também com fundamento no abuso de direito, deve a decisão recorrida ser revogada.

Y) O douto acórdão violou ou fez errada aplicação das normas legais citadas e deve ser revogado, como é de Justiça Os RR apresentaram contra-alegações, concluindo que da factualidade apurada não foi recolhida matéria que pudesse sustentar a constatação de que as partes no aludido escrito teriam querido...

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