Acórdão nº 318/07.1TTFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 28 de Junho de 2007, no Tribunal do Trabalho de Faro, Secção Única, AA instaurou acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BANCO BB, S. A., pedindo que fosse (i) declarado ilícito o respectivo despedimento face ao disposto nos artigos 429.º, alínea c), e 430.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho e (ii) a ré condenada a reintegrá-la, «na respectiva categoria profissional, sem perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente, carreira profissional e antiguidade e/ou indemnizá-la conforme a A. vier a optar, nos termos previstos na cl.ª 111.ª do ACT para o Grupo B… em vigor», bem como a pagar-lhe «todas as prestações normalmente vencidas e vincendas, desde o despedimento até à decisão final, incluindo, designadamente, o vencimento base, subsídios de almoço e todas as demais prestações contratualmente exigíveis e tudo o mais que for contratual e legal, encontrando-se vencidas, até à propositura [da] acção e em conformidade com as regras legais sobre a matéria (cfr. artigo 437.º, n.º 4, do Código do Trabalho), a importância […] de € 1.646,19, sendo as prestações normalmente vincendas, actualmente, à razão de € 1.646,19 cada mês, em função da retribuição paga pelo R.».

Para tanto, alegou que exercia para a ré funções administrativas e, em Março de 2005, recebeu uma nota de culpa, no âmbito de um processo disciplinar que a ré lhe instaurou, no qual foi proferida decisão final de despedimento com justa causa; no entanto, tal despedimento é ilícito, já que a junta médica solicitada pela autora no âmbito daquele processo disciplinar, e aceite pela ré, foi realizada sem a presença do perito indicado pela autora, o que determina a invalidade do processo disciplinar, por violação do princípio do contraditório, equivalendo à falta de audiência do arguido, e porque são improcedentes os motivos invocados para o despedimento.

A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora e pugnando pela validade do procedimento disciplinar e pela licitude do despedimento efectuado.

Realizado julgamento, foi exarada sentença, que julgou a acção procedente, declarou ilícito o despedimento da autora e condenou o Banco réu «a reintegrá-la na respectiva categoria profissional sem perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente, carreira profissional e antiguidade e, assim, pagar-lhe todas as prestações normalmente vencidas e vincendas, desde o despedimento até à decisão final, incluindo, designadamente, o vencimento base, subsídios de almoço e todas as demais prestações contratualmente exigíveis e tudo o mais que for contratual e legal, encontrando-se vencidas, até à propositura [da] acção, a importância de € 1.646,19, sendo as prestações normalmente vincendas, actualmente, à razão de € 1.646,19 cada mês, em função da sua retribuição».

  1. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que julgou procedente o recurso de apelação, revogou a sentença recorrida e considerou «que o R despediu a A com justa causa, improcedendo todos os seus pedidos», sendo contra aquela decisão da Relação que a autora, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «I. Foi o próprio Banco Recorrido que, ao apreciar o correspondente requerimento da Recorrente, decidiu do interesse na realização da Junta Médica em causa nestes autos.

    II. A questão em apreço reduz-se à análise da composição, estrutura e funcionamento dessa Junta Médica, entidade chamada a pronunciar-se sobre tão importante e delicada matéria como aquela tratada nesta acção e respectiva decisão, sendo certo que aqueles elementos/requisitos se preenchem e realizam sempre sob a forma colegial, com representantes de ambas as partes, como melhor explicita a douta sentença da primeira instância.

    III. Como se alcança do douto Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.°-14 e ss.; AC. Trib. Const. n.º 434/87, de 04.11.1987: BMJ, 371.º-160), o conteúdo essencial do princípio do contraditório “está, de uma forma geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo Juiz sem que, previamente, tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de valorar”.

    IV. As regras procedimentais e, bem assim, os princípios que informam o direito disciplinar laboral, mormente no âmbito do processo disciplinar com intenção de despedimento, são comuns aos do direito criminal. Estes acham-se consagrados no artigo 32.º da Constituição da República, cujo n.º 5 estabelece que todos os actos instrutórios que a lei determinar se encontram “subordinados ao princípio do contraditório”.

    V. O cumprimento do princípio do contraditório implica que na composição e funcionamento da Junta Médica se inclua sempre um representante de ambas as partes, mesmo que, no limite, devam ser observados e cumpridos os requisitos estabelecimentos no artigo 573.º do C. Processo Civil, referentemente à nova nomeação de peritos.

    VI. De igual modo, no cumprimento desse princípio, as Juntas Médicas previstas no ACT aplicável são colegiais, compostas por três elementos, representando dois deles, cada uma das partes e um terceiro escolhido por estes para a completar.

    VII.

    No âmbito da cessação do contrato por iniciativa do empregador, a lei rodeia-se dos maiores cuidados, utilizando mecanismos de controlo apertados de forma a que, na prática, não resulte defraudada a aplicação do próprio conceito legal da justa causa de despedimento.

    VIII. No caso vertente, a entidade – Junta Médica – chamada a pronunciar-se sobre decisiva e importante matéria (doença incapacitante da Recorrente), embora previamente constituída regularmente, não reuniu todos os três elementos para a decisão final que foi tirada apenas por dois deles, faltando, para esse efeito, o perito médico representante da ora Recorrente. Assim, IX. Importa, pois, garantir a conformidade do direito ao exercício do referido princípio do contraditório e das regras procedimentais deste, emergentes no tocante à estrutura e funcionamento e procedimento decisório das entidades chamadas a pronunciarem-se sobre matérias do teor e responsabilidade equivalente à dos autos e impedir que qualquer decisão final seja tomada sem que sejam aferidas as posições das partes envolvidas.

    X. Contrariamente, o próprio Recorrido reconhece a existência, no caso, de parecer médico contrário àquele em que ele apoia a sua decisão, sendo certo que tal opinião diversa ficou sempre referida nos vários pareceres subscritos pelo médico da Recorrida representante desta na Junta Médica. Tal opinião não pode ser apressadamente desvalorizada mesmo para auxílio da tese (aliás, absurda) da falta do médico representante da Recorrida a uma reunião da Junta Médica (de resto, refere-se tal falta desse médico até foi também justificada). XI. É totalmente absurda e inaceitável a todos os níveis e no mais elementar raciocínio fazer corresponder a falta do médico à reunião da Junta Médica (falta justificada, repete-se) ao conceito de justa causa para despedimento da Recorrente, atribuindo-lhe um enquadramento jurídico/adequado como se de uma “falta justificada” ao trabalho da própria Recorrente se tratasse.

    XII. “Mutatis mutandis”, seria inimaginável, no âmbito das regras relativas à apreciação e decisão da matéria de facto por um tribunal colectivo, admitir a hipótese de validar a decisão tomada apenas por dois juízes por falta/ausência pontual do terceiro. Como bem esclarece a douta sentença do Tribunal da 1.ª Instância, a lei busca sempre soluções para que a composição colegial seja respeitada sem recurso artificioso e violação do princípio do contraditório ou, dizendo de outro, em transgressão das regras da transparência e independência do julgamento.

    XIII. O Banco Recorrido nem sequer requereu na presente acção — que sempre lhe seria possível — a realização de nova Junta Médica composta por outros elementos e/ou sob a égide do Tribunal para resposta às questões clínicas colocadas nos autos. E dessa sua inércia (sibi imputet), só o Recorrido se pode queixar.

    XIV. Face ao exposto, verifica-se que o douto Acórdão recorrido violou de forma evidente e ostensiva a lei substantiva, entre outros, o disposto nas cl.

    as 75.ª e 115.ª do ACT do Grupo B… publicado no BTE n.º 48, I Série, de 29.12.2001 e respectivas alterações aplicáveis e, ainda, o n.º 1 do artigo 414.º do C.T. aplicável (cfr. a respeito do actual n.º 1 do artigo 356.° do (actual) C.T., o Acórdão n.º 388/10 do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral publicado no D.R. I Série, [n.º] 216, de 08.11.2010), com as necessárias adaptações, o artigo 32.°- 5 da Constituição da República e, ainda, o n.º 3 do artigo 351.° do Código do Trabalho [de 2009].

    XV. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre matéria que nem sequer foi objecto da Apelação e, assim, não lhe foi submetida a apreciação e julgamento.

    XVI. Quanto à questão de saber da correcta aplicação ao caso da qualificação de justa causa para despedimento ao comportamento verificado, este deve ser apreciado e avaliado globalmente com a demais matéria de facto, a saber: «À data da apresentação da dita resposta à nota de culpa, a Autora tinha 24 anos de antiguidade, tendo sido promovida por mérito duas vezes.

    A Autora não tem qualquer antecedente disciplinar.

    A Autora confessou os factos.

    A Autora ressarciu o Banco ora...

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