Acórdão nº 2412/06.7TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA, devidamente identificada, interpôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 23-06-2006, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra «BB, S.A.

», pedindo que, uma vez considerada a licitude da resolução do contrato da A., seja a R. condenada a pagar-lhe: - € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais; - € 16.676,25, a título de indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho; - O montante dos valores que a autora deixou de auferir desde a data da resolução do contrato, a contabilizar a final, incluindo custas e procuradoria.

Alegou, para tanto, em síntese útil, que trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R. desde 12 de Novembro de 1990 até 20 de Julho de 2005, data em que a R. tomou conhecimento da resolução de contrato com justa causa, por si efectuada em 19 de Julho de 2005.

Desempenhava funções na Direcção Financeira da R., como secretária, categoria que a R. não lhe reconhece, e foi objecto de perseguição pessoal realizada no seio da empresa pela sua superiora hierárquica, CC, perseguição que se traduziu em atitudes de hostilização consubstanciadas na agressividade com que lhe dirigia a palavra para lhe dar qualquer ordem ou instrução, o que levou a que entrasse em situação de baixa médica entre 26.01.98 e 02.01.00 e entre 25.11.02 e 11.04.05, com uma depressão.

Esta perseguição continuou logo que se apresentou ao serviço em 12.04.05 com a sua superiora hierárquica a vigiá-la quando ia tirar fotocópias, chamando-lhe “incompetente” em frente dos outros colegas, “atrasadinha”, acusando-a de “querer babás” e dizendo “faça tudo caladinha”, sobrecarregando-a com trabalho, sendo, para além disso, constantemente ameaçada com despedimento e de que faria queixa por escrito à Direcção, o que criava na A. uma situação de insustentável pressão pessoal diária, que lhe provocava dores de estômago e de cabeça, diarreias contínuas, tonturas, desequilíbrio, perda de memória e choro descontrolado, tremores, angústia e descontrolo emocional que conduziram a que tivesse chamado por diversas vezes o marido para a ir buscar ao trabalho por não conseguir sair pelo seu próprio pé.

  1. Citada, a R. contestou, por impugnação e por excepção, alegando, em resumo, que não se compreende que a A. queira chamar a esta acção procedimentos seus e de terceiros que tiveram lugar em data anterior a 26.01.98 e entre esta data e 12.01.00, ou mesmo os que tiveram lugar em data anterior ao período que decorreu entre 25.11.02 e 11.04.05, invocando a caducidade do direito de resolução do contrato relativamente aos mesmos, pois a suspensão do contrato, no caso concreto, por motivo de doença da A. de 26.01.98 a 02.01.00 e de 25.11.02 a 11.04.05, não suspende ou interrompe a caducidade da rescisão prevista no art. 442.º n.º 1 do CT.

    Impugnou a existência de qualquer forma continuada de “perseguição pessoal”, e a caracterização das funções efectuada pela A., pois a mesma desempenhava, até 20.07.05, as funções de escriturária de 3.ª, definindo as respectivas funções.

    Concluiu pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

    A A. não respondeu à contestação.

  2. Discutida a causa, proferiu-se sentença, em que se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarando a resolução do contrato de trabalho com justa causa, condenou-se a R. no pagamento, à A., da quantia de € 14.967,63, a título de indemnização por antiguidade e de € 7.500,00 a título de danos morais.

  3. Irresignada com o assim decidido, veio a R. interpor recurso de apelação, a que o Acórdão de fls. 897-916 concedeu provimento, alterando a sentença impugnada e julgando a acção totalmente improcedente, com absolvição da R. dos pedidos formulados pela A.

    Não se conformando com o assim ajuizado, traz-nos a A. a presente Revista, cujas alegações remata com a formulação deste quadro conclusivo: 1 - Face a toda a prova carreada para os autos, não podia o Acórdão aqui recorrido ter concluído como concluiu, ou seja pela inexistência de justa causa para que a recorrente pudesse pôr fim ao seu contrato de trabalho.

    2 - Existe uma evidente nulidade do Douto Acórdão proferido, visto que existe uma evidente oposição entre os factos provados e a decisão efectivamente proferida pelo tribunal a quo, o que determina que exista uma patente violação do artigo 668.º, n.º 1, do CPC.

    3 - Por outro lado, existe uma evidente omissão de pronúncia no douto Acórdão, porque estão carreados para os autos factos abundantes que permitem inequivocamente, concluir que a recorrente foi objecto de comportamento de assédio moral, praticado directamente pela sua superiora hierárquica, que continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e destabilizador que se arrastou no tempo e determinou que a recorrente tivesse de recorrer a baixas médicas prolongadas.

    4 – Existem, pois, nos Autos, factos suficientes, que integram o conceito de assédio moral, previsto no artigo 29.º do nosso Código de Trabalho.

    5 - Ocorre, pois, uma evidente desconsideração desta norma legal, expressamente invocada e devidamente sustentada na decisão recorrida, por ter sido entendido que a continuidade da conduta de assédio não foi suficiente para determinar a invocação da justa causa enquanto fundamento para a recorrente se despedir.

    6 - Existe, assim, uma evidente falta de fundamentação de facto e de direito, que justifique a decisão proferida pelo Tribunal de que se recorre, verificando-se que se trata com alguma desconsideração a figura do assédio moral, constante do art. 29.º do Código do Trabalho, a qual consubstancia, por si mesma, a existência de um verdadeiro acto discriminatório, que daria sempre lugar, nos termos conjugados do art. 29.º, n.º 3 e 28.º do Código do Trabalho, a atribuição de uma indemnização.

    7 - Ocorre assim também, no douto Acórdão recorrido, uma evidente violação na aplicação dos aludidos normativos ao considerar que a matéria factual invocada pela recorrente para resolver o seu contrato com justa causa não é suficiente para poder integrar qualquer um daqueles normativos.

    Por todo o exposto, devem Vossas Excelências, em abono do princípio legal da liberdade de julgamento consagrado no artigo 655° do CPC e do principio constitucional do direito à justiça, apreciar a decisão proferida, à luz de todos os elementos de prova que estão carreados para os Autos, e concluir-se pela revogação da decisão proferida, concluindo-se pela existência de justa causa para a recorrente, pôr termo ao seu contrato de trabalho, por não lhe ser exigível suportar o prolongamento no tempo das comprovadas condutas da superiora hierárquica da recorrente.

    Farão assim Vossas Excelências a Justiça de revogar a decisão proferida.

    A recorrida apresentou resposta, pugnando pela manutenção do acórdão impugnado.

    __ Já neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer em que propende no sentido da improcedência do recurso, posição notificada a que nenhuma das partes reagiu.

    __ 5.

    Do objecto da Revista A questão a dilucidar e resolver é a da justa causa para a resolução do contrato de trabalho levada a cabo pela A.

    __ Colhidos os “vistos” dos Exm.ºs Adjuntos, cumpre decidir.

    II – Dos Fundamentos.

    A – De Facto.

    O Tribunal recorrido estabeleceu como assente a seguinte factualidade: 1. A A. trabalhou sob as ordens direcção e fiscalização da Ré desde 12 de Novembro de 1990 até 20 de Julho de 2005, no seu estabelecimento denominado “...Lisboa”, sito na Rua …, …, Lisboa – documento n.º 1 com a petição inicial, que se dá por inteiramente reproduzido – alínea A) da matéria de facto assente; 2. A A. desempenhava as funções de Escriturária de 3.ª e auferia o vencimento mensal base de € 847,00, acrescido de 27,73 € de diuturnidades – Documento n.º 2 com a petição inicial, que se dá por inteiramente reproduzido – alínea B) da matéria de facto assente; 3. O A. é associada no Sindicato de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul e a Ré exerce a sua actividade na área da Hotelaria – Documento n.º 3 com a petição inicial, que se dá por inteiramente reproduzido – alínea C) da matéria de facto assente; 4. A A. integrou a equipa da contabilidade da Ré desde 12 de Março de 1995 – alínea D) da matéria de facto assente; 5. A A. esteve de baixa médica com uma depressão, cujo início ocorreu de 26 de Janeiro de 1998 a 02 de Janeiro de 2000 e a obrigou de novo a entrar de baixa em 25 de Novembro de 2002 até 11 de Abril de 2005 – documentos n.ºs 4 e 5 com a petição inicial, que se dão por inteiramente reproduzidos – alínea E) da matéria de facto assente; 6. Em 19 de Julho de 2005, a A. rescindiu com invocação expressa de justa causa o seu contrato com a Ré nos termos do documento n.º 10 com a petição inicial, que se dá por inteiramente reproduzido, que a Ré recepcionou a 20.07.2005 – documento n.º 13 com a petição inicial, que igualmente se dá por inteiramente reproduzido – alínea F) da matéria de facto assente; 7. O Director de Recursos Humanos da Ré autorizou a A. a gozar férias nos termos e para os efeitos do documento n.º 9 com a contestação, que se dá por inteiramente reproduzido – alínea G) da matéria de facto assente; 8. A Administração da Ré recebe a 4 de Julho de 2005 uma carta da A. que se encontra de baixa por motivos de saúde, na qual são feitas acusações graves, e responde a 6 de Julho de 2005 – documentos...

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