Acórdão nº 49/07.2TBRSD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução15 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA instaurou contra BB – entretanto falecido, tendo sido habilitada, como sua única e universal herdeira, para com ela seguir a acção, a sua cônjuge, CC –, a presente acção de investigação de paternidade, com processo ordinário.

Pede a autora que se declare que BB é o seu pai e que o mesmo seja condenado a reconhecê-la como filha.

Alegou, para tanto e em síntese, factualidade tendente a demonstrar que nasceu em consequência de relações sexuais de cópula completa havidas entre o réu e DD, a falecida mãe da autora, no decurso do namoro que ambos mantiveram entre si, que a gravidez da sua progenitora foi do conhecimento público e que a generalidade dos habitantes da freguesia onde aqueles residiam e onde o réu sempre continuou a morar sabem que a demandante é filha deste e como tal sempre a trataram e reputaram.

Acrescentou que propôs esta acção em consequência do que decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 23/06, de 10-01, que pôs termo ao prazo de caducidade legalmente estabelecido para a propositura das acções de investigação da paternidade.

O réu contestou a acção, por excepção e por impugnação.

Invocou, em primeiro lugar, a figura do abuso de direito, alegando que o que move a autora não é o apuramento da sua paternidade, mas sim, unicamente, a obtenção de uma decisão com finalidade patrimonial, embora implicitamente também tenha suscitado a caducidade do direito da demandante, por ela saber, desde os seus 12 anos, que o marido de sua mãe não era o seu pai e nunca ter procurado o réu, para apurar se era ou não o seu progenitor.

No mais, impugnou os factos alegados pela autora, incluindo o relacionamento sexual com a mãe desta e que seja seu pai.

Em consonância, sustenta a improcedência da acção com as demais consequências legais.

A autora replicou defendendo-se das excepções aduzidas pelo réu.

Proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e foi elaborada a base instrutória, sem reclamação das partes. Todavia, em sede de audiência final, veio a ter lugar aditamento oficioso de um novo facto à base instrutória.

A autora ampliou o pedido, com vista à rectificação do seu registo de nascimento, fazendo-se dele constar a data correcta de nascimento - 19 de Julho de 1942 - e que o seu pai é o réu BB. Tal ampliação do pedido foi admitida.

No prosseguimento dos autos, requereu a ré habilitada, em 08-06-2009, que se passasse de imediato à prolação de sentença, sem produção de prova em julgamento, por entender que com a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 01-04, o direito da autora teria de ser declarado extinto, por há muito ter caducado.

Este requerimento foi indeferido e dessa decisão recorreu de agravo a ré habilitada.

Realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento, e, no final da mesma, foi proferido despacho de resposta à base instrutória, sem reclamação das partes e proferida sentença, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo-se declarado que a autora, AA, é filha de BB.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a ré habilitada, para o Tribunal da Relação do Porto e o respectivo colectivo de juízes desembargadores proferiu acórdão que julgou não provido o agravo e improcedente a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Uma vez mais, inconformada com estas decisões, delas recorreu a ré, conforme consta do requerimento de fls. 460, referindo que “…vem interpor recurso das mesmas para o Supremo Tribunal de Justiça, os quais são de agravo e de revista, sobem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, arts. 721.º e segs. e 754.º e segs. do CPC (redacção do DL n.º 329-A/95, de 12/12)”.

Foi interposto, igualmente, recurso do acórdão pelo Ministério Público, este para o Tribunal Constitucional – invocando os arts. 280.º, n.ºs 1, al. a), e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70.º, n.º 1, al. a), e 72.º, n.ºs 1, al. a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15-11 – “…uma vez que no mesmo não foram aplicadas, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18.º n.ºs 2 e 3 [princípios da imprescritibilidade do direito à obtenção/declaração da paternidade e da não retroactividade de leis restritivas de direitos com tutela constitucional] e 26.º n.º 1 [direito à identidade pessoal], todos da CRP, as normas do artigo 1817.º n.º 1 do Código Civil [na redacção dada pelo art. 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01/04], e art. 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril. No acórdão recorrido decidiu-se que esta norma é inconstitucional, na medida em que são restritivas da possibilidade de investigar, a todo o tempo, a paternidade”.

Ambos os recursos foram recebidos, para subir a este STJ, como revistas, com efeito suspensivo, nos termos dos arts. 721.º e 723.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24-08.

Nesse despacho clarificou-se, por um lado, quanto ao recurso do Ministério Público, que o mesmo era admitido como de revista, por ainda ser admissível o recurso ordinário, não havendo, nesta fase processual, recurso para o Tribunal Constitucional; por outro lado, consignou-se que não se admitia o agravo em 2.ª instância, interposto pela ré, “…uma vez que o decidido no âmbito do agravo também foi objecto da apelação, integrando o decidido ao abrigo daquele o objecto deste”.

O Ministério Público cingiu-se a apresentar o requerimento de interposição de recurso, não tendo apresentado alegações de recurso, apesar de devidamente notificado para esse fim, conforme lhe é permitido pelo art. 690.º, n.º 6, do CPC – na redacção emergente do DL n.º 329-A/95, de 12-12, aqui aplicável –, que exime o Ministério Público do ónus de alegar e formular conclusões (sem que tal implique deserção do recurso).

A recorrente CC, por seu turno, finalizou a respectiva minuta de recurso com as seguintes conclusões: “A) O novo diploma veio, de forma cuidadosa, sensata e ponderada, pôr termo ao vazio legal criado pelo Acórdão n.º 23/2006, tendo em consideração quer o direito ao conhecimento da paternidade ou maternidade constitucionalmente consagrado, mas ponderando, igualmente, os interesses em causa susceptíveis de afectar os valores respeitantes à certeza e à segurança jurídica; B) Constituindo jurisprudência pacífica que o exercício do direito à identidade pessoal e à investigação da paternidade/maternidade, deve ter em consideração quer as finalidades do investigante, quer as legítimas expectativas criadas pelos herdeiros do investigado; C) Um ser humano, contudo, não se explica por inteiro através da ciência. “O dado biológico é só mais um a ter em conta na nossa história", sustenta Eurico Reis. "Não deve ser sobrevalorizado.”, como parecem estar a querer fazê-lo algumas correntes jurisprudenciais; D) Essa segurança jurídica do pretenso pai e seus herdeiros é uma das razões principais invocadas para limitar no tempo o direito a investigar a paternidade; E) Ligado a este motivo está outro a favor do prazo: “As finalidades puramente egoístas dos investigantes, próximas do sentimento de cobiça”, quando o pretenso pai morre ou se aproxima do fim de vida, tal como no caso sub judice; F) O Acórdão Constitucional n.º 23/2006, que considerou o anterior prazo inconstitucional com força obrigatória geral, caiu com a revisão da lei e o alargamento do prazo; G) A caducidade da acção de investigação de paternidade é comum aos diversos sistemas jurídicos e mesmo o Tribunal Europeu tem entendido que tal previsão legal não é contrária à Convenção Europeia dos Direitos do Homem; H) O Tribunal, não pode dispensar-se de apreciar a conformidade constitucional do prazo estabelecido no artigo 1817.° do Código Civil, se der por assente que a Constituição não se opõe à caducidade, em si, da acção de investigação da paternidade; I) O estabelecimento da paternidade importa sobretudo quando os filhos são pequenos para diminuir o impacto da “ilegitimidade” na formação da sua personalidade, o que não é certamente o caso da Recorrida que quando intentou a presente acção contava já com 67 anos de idade; J) Da matéria alegada na p.i. resulta que a Recorrida teve conhecimento da sua ascendência e da sua filiação natural, dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do direito da acção. Faculdade que podia ter exercido até aos 24 anos de idade, por até aqui vigorar o Código de Seabra, que limite temporal algum colocava ao exercício do direito de acção. Não o exercendo, a Recorrida abdicou do mesmo; L) Dispõe o artigo 334.° do C.C. que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”; M) A factualidade provada é suficiente para se entender verificado no caso sub judice, um abuso de direito. Isto é o facto de a Recorrida saber, desde os 19 anos de idade, que o falecido BB, seria supostamente o seu pai e até aos 24 anos de idade, apesar de dispor da faculdade de intentar a respectiva acção de investigação de paternidade, não ter lançado mão dela e vir agora, 50 anos depois, intentá-la, é susceptível de se poder concluir que esta está a exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do seu direito, suscitando à consciência jurídica uma viva e nítida reacção de reprovação ou censura; N) A verwirkung veta assim o exercício de um direito subjectivo ou de uma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável; O) A Aludida figura consiste como que numa “neutralização do direito” na sua “desactivação pelo decurso do tempo”; P) É absurdo o argumento da decisão recorrida segundo o qual a posterior aplicação retroactiva às acções intentadas neste pressuposto do prazo de caducidade constante da redacção...

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