Acórdão nº 455/07.2TBCCH.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução15 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO Na acção ordinária que UNICRE – Instituição Financeira de Crédito, SA., intentou, na comarca de Coruche, contra AA, ambos com os sinais dos autos, foi pela A. invocada a celebração de um contrato com o R., em 2/11/1990, pelo qual se convencionou a atribuição a este de cartão de crédito, segundo Condições Gerais de Utilização de que o R. tomou conhecimento, e alegado que o R. adquiriu em diversos estabelecimentos comerciais bens e serviços cujo pagamento a A. assegurou e o R. não lhe pagou, no montante de 33.332,24 €, não obstante interpelado para tanto através do envio, em 18/5/2007, de Extracto da Conta-Cartão.

Nessa base, pediu a A. a condenação do R. a pagar-lhe, nos termos acordados, as seguintes quantias: 33.332,24 €, correspondente aos bens e serviços adquiridos e não pagos à A.; 6.418,24 €, a título de juros remuneratórios em função do não cumprimento atempado, calculados à taxa convencionada anual de 23,57 €, acrescida do imposto de selo devido; e juros de mora, à mesma taxa, vencidos, que liquidou em 3.181,32 € (desde 18/5/2007 e até 12/10/2007), e vincendos, até integral pagamento – assim perfazendo um pedido global de 43.113,30 € (a que acrescem os referidos juros moratórios a partir de 12/10/2007 e até integral pagamento).

Na contestação, o R. impugnou o pedido e, no essencial, nega a dívida e a sua vinculação ao pagamento das quantias alegadamente suportadas pela A. e dos juros peticionados, e sustenta não ter recebido extractos, desconhecer as Condições Gerais de Utilização e não ser prova bastante a documentação apresentada pela A., pelo que requereu a junção por esta de documentos que discriminassem os pagamentos e da correspondência supostamente enviada ao R..

Perante esse pedido de junção de elementos documentais, juntou a A. cópias do pedido de adesão, das Condições Gerais de Utilização e dos extractos emitidos e alegadamente enviados ao R. entre 18/1/2006 e 18/5/2006, cujo somatório corresponde ao capital peticionado, e respondeu não ter sido possível localizar a correspondência trocada com o R..

Já em fase de julgamento foram juntos pela A. os originais do pedido de adesão e da ordem de débito, ambos alegadamente assinados pelo R., sem que este tivesse arguido a sua falsidade.

Estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, foi realizado o julgamento, na sequência do qual foi lavrada sentença em que se decidiu julgar totalmente procedente a acção, condenando o R. a pagar à A. a quantia de 43.113,30 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa peticionada, e até integral pagamento.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: da matéria de facto provada resultou que o R. acordou com a A. a adesão ao cartão de crédito em causa e adquiriu bens e serviços no valor de 33.332,24 €, estando vinculado a pagar essa quantia e juros remuneratórios à taxa peticionada, o que lhe foi comunicado em 18/5/2007, sem que tenha procedido subsequentemente a esse pagamento; deve, assim, proceder o pedido; embora se reconheça que é possível suscitar-se a invalidade de cláusulas contratuais, em particular pela utilização nas Condições Gerais de Utilização de um tipo de letra pouco legível, pela não assinatura das mesmas pelo R. e pela sua colocação no contrato a seguir à assinatura do R., o certo é que, atenta a matéria provada, a invocação dessa nulidade pelo R. traduzir-se-ia num verdadeiro abuso de direito, na modalidade «venire contra factum proprium»; na verdade, seria manifestamente abusivo considerar essa nulidade, perante uma relação comercial entre A. e R. que perdurou mais de 15 anos, e em que o R. utilizou duradouramente o cartão de crédito em causa, recebeu mensalmente extractos e procedeu a pagamentos com base em autorização de débito em conta, sem questionar ou impugnar de algum modo esses extractos e débitos.

Inconformado, interpôs o Réu recurso de Apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Évora que, julgando improcedente a Apelação, confirmou integralmente a sentença recorrida.

Veio, então, o Réu/Recorrente requerer aclaração do Acórdão proferido, por o considerar « ambíguo e obscuro», tendo sido indeferido tal pedido, por se ter considerado inexistente qualquer ambiguidade ou obscuridade, afirmando a Relação que a reclamação denunciava uma discordância pura e simples da solução jurídica acolhida por aquele Tribunal e dos fundamentos da respectiva decisão – discordância, afinal, que não se resolve no plano do pedido de aclaração, mas apenas em sede de recurso.

Veio então o mesmo interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES A) A sentença recorrida viola os artigos 217.°, 220.°, 224.°, n.° 1, 1.a parte, 236.°, 238.°, 280.° (conteúdo indeterminável do negócio) 341.° e segs, 344.°, n.° 2 , 346.°, 351.°, 358.°, 364.° e 393.° (que veda a possibilidade de admissão da prova testemunhal para realizar prova da declaração negocial) do Código Civil artigos, 2.°, n.° 1, 264.°, 265.°, 493.° e 516.°, 519.°, n.° 2, 529.°, 653.°, n.° 2 e 3, 655.°, 668.°. n.° 1, alínea d), 664.°, 665.° 666.°, n.° 2, 669°, n.° 1, al. a), ex vi 6º artigo 716.°, 690.°, n.° 4 (sem conceder), 700.°, n.° 1, al. B), 701.°, n.°, 704.°, 712.°, n.° 1, alínea a) e b), Código de Processo Civil, artigos 5.°, 8.°, 11.° e 21.° do DL 446/85 de 25 de Outubro, Código do IVA (imposição de recibos para prova de pagamentos) e, ainda, a Lei de Bases Gerais dos Serviços Postais - Lei n.° 102/99 de 26 de Julho - e o Regulamento do Serviço Público dos Correios - Decreto-Lei n.° 176/88, de 18 de Maio, Contrato de Concessão estabelecido entre o Estado e os CTT, nos termos expostos no presente recurso; B) O Recorrente cumpriu o disposto nos artigos 690.° e 690.°-A (cfr. Recurso para o Tribunal da Relação do Recorrente), indicando quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados decisão diversa da recorrida diversa, fazendo expressa referência ao assinalado na Acta (cfr. Acta de fls. dos autos); C) Além do mais, cfr. Recurso: "(iii) Depoimentos das testemunhas arroladas por ambas as partes (cfr Depoimentos de BB, de CC e de DD, gravados no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, por referência à Acta da Audiência de Discussão e Julgamento do dia 12.01.2009, de fls....dos autos).": D) A Recorrida reconhece que a testemunha que apresentou não tem conhecimento directo dos factos, logo nada prova, não havendo prova documental nos autos que sustente os factos alegados pela Recorrida, à qual cabia provar, designadamente, a alegada correspondência, a qual não foi junta aos autos pela mesma, o que gerou a inversão do ónus da prova, face à confissão - com força probatória plena - acima exposta; E) A prova documental era exigida por razões de forma da declaração negocial a qual tem de ser escrita e recebida, face ao acima exposto, nos termos legais nomeadamente, a legislação citada dos CTT; F) A falta de recibos, imposta pelo CIVA e sem a apresentação de qualquer prova demonstra a que não colhem os argumentos da Recorrida; G) O Acórdão Recorrido é nulo nos termos do artigo 668° n.° 1 al. d) do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre a matéria de facto; H) Não existem no processo quaisquer elementos probatórios, seja prova testemunhal, seja prova documental que permitam chegar à conclusão que efectivamente está em dívida a quantia peticionada; I) Não há prova, designadamente, de um saldo anterior de acima de € 15,000,00; J) A Recorrida foi convidada a apresentar a correspondência, alegadamente, remetida ao Recorrente, não a tendo junto, como deveria, ocorreu a inversão do ónus da prova e a confissão nos termos acima expostos; L) Perante tal comportamento, deveria ter-se assistido a uma inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.° do Código Civil, para que remete o n.° 2 do artigo 519.° do Código de Processo Civil; M) A prova testemunhal arrolada pela Recorrida não pode servir para provar recibos - artigo 29° e 36° do CIVA nem correspondência, impõe-se a prova documental; N) Na decisão da matéria de facto, deve o Juiz analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que forem decisivos para a sua convicção (artigo 653° n.° 3 do C. Processo Civil), não equivalendo o princípio da liberdade de julgamento, prescrito no artigo 655° do mesmo diploma legal, a pura arbitrariedade da decisão; O) Assim, salvaguardando sempre o devido respeito, o douto acórdão, ora impugnado, não cumpre os deveres de Tribunal de Recurso, quer quanto à apreciação e análise da matéria de facto controvertida, quer também no que respeita à decisão de direito; P) De acordo com o disposto no artigo 712.°, n.° 2, do C.P.C., o Venerando Tribunal Recorrido podia ter alterado a matéria de facto, resultante do julgamento da Primeira Instância; Q) De facto, não houve reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida pela Primeira Instância, tendo em atenção o conteúdo das alegações e conclusões do Recorrente e a transcrição integral da prova; R) Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido não observou, em toda a sua extensão, o encargo imposto pelo n.° 2, do art. 712.°, do C. Processo Civil; S) Por esse motivo, o Tribunal a quo não agiu em conformidade com o disposto no art. 712.°, n.° 2, do C. Processo Civil, merecendo o seu Acórdão ser revisto; T) O presente recurso de revista tem por fundamento a violação da lei, nos termos dos artºs. 721.°, n.°2, e 722.°, n.°2, do C. Processo Civil; U) O douto Acórdão violou as disposições legais acima enunciadas, nomeadamente, os artigos 342° do C. Civil...

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