Acórdão nº 1272/04.7TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução13 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Imobiliária AA, Ld.

a propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob forma ordinária, contra a Câmara Municipal de Fafe, pedindo que, na sua procedência, se declare que é proprietária de um prédio misto que descreve e se condene a ré a restituir-lhe parte desse mesmo prédio misto que esta vem ocupando.

Alega, para tanto, em suma, que, no ano de 1992, a ré ocupou uma parte do prédio misto da autora, correspondente à área de 10.818 m2, ocupação essa que foi consentido pelos, então, proprietários do mesmo, no pressuposto da celebração de um contrato de permuta.

Porém, desde a data da ocupação que a ré não atribui à autora e seus antecessores qualquer contrapartida adequada para que estes formalizem a transmissão da propriedade para o domínio público, sendo certo que vem ocupando tal parcela e privando a autora da sua utilização.

Perante o impasse criado, pretende a autora a restituição da parte do prédio que lhe pertence.

Na contestação, a ré alega, em síntese, que acordou, em 25 de Junho de 1989, com BB e esposa uma permuta de terrenos, com vista a viabilizar a construção do Parque Municipal de Desportos, tendo esse acordo sido minutado, mas não chegou a ser assinado pelas partes contratantes.

Posteriormente, vieram a ser negociadas entre as partes sucessivas alterações a este acordo que, uma vez aceites pela ré, acabaram por não ser subscritas por BB, que, sucessivamente, se veio escusando a outorgar a competente escritura pública, formalizando o contrato de permuta.

No entanto, desde a data da entrega do prédio à ré, que esta dele se apropriou, em termos efectivos e definitivos, afectando-a ao uso público da população do concelho, com o consentimento da autora e seus anteproprietários.

Por outro lado, ao vir agora reivindicar tal parcela de terreno, após a ré nela ter realizado investimentos públicos de vulto, a autora actua com abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium".

Na réplica, a autora manteve a posição expressa na petição inicial e alegou que, na concreta relação negocial, a ré actuou sempre despida do seu "ius imperium", como um qualquer particular.

A sentença julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos.

Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação improcedente e, em consequência, confirmou, embora com diferente fundamentação factual, a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Guimarães, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue a acção procedente, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª - O tribunal "a quo", da matéria dada como assente na primeira instância, alterou o seguinte: 1 - O ponto 4 supra passou a ter a seguinte redacção: BB conhece o que consta desse documento, e aceitou-o, com exclusão da cláusula 3ª.

2 - Eliminou o ponto 8.

3 - O ponto 7 passou a ter a seguinte redacção: Entretanto, BB e esposa CC, primeiro, e a autora, depois, propuseram alterações à cláusula 3ª do documento referido em 4.

4 - A autora tem-se recusado a aceitar o acordo projectado no documento de fls. 12 e 13.

  1. - É verdade e está dado como assente que BB e esposa, acordaram com a ré uma troca de terrenos com vista a viabilizar a construção do Parque Municipal de Desportos.

  2. - A posse de tais parcelas ocorre desde 1992, vide ponto 6., dos factos assentes.

  3. - Em face desse facto, o tribunal "a quo", afastou a aquisição de tal parcela de terreno objecto da acção de reivindicação, por força do instituto do usucapião.

  4. - Diz e muito bem o tribunal "a quo", que a ré não usucapiu.

  5. - Diz também a douta decisão recorrida que na sequência de tal acordo foi elaborado o documento de fls. 27 e 28 e que BB conhece e aceitou o que consta desse documento, (pontos 3 e 4 dos factos assentes); posteriormente aquele documento foi alterado e culminou na elaboração do documento de fls. 12 e 13, sendo que ficou provado que BB nunca aceitou a cláusula 3ª.

  6. - Não existe nenhum facto assente que demonstre que a ré/recorrida tenha em momento algum notificado, por qualquer meio, a autora/recorrente, para outorgar escritura, ou mesmo para assinar o documento de fls. 12 e 13, que esta nunca assinou.

  7. - É pois insuficiente a matéria de facto dada como assente, no que tange à recusa da autora, para celebrar o projectado acordo de fls. 12 e 13.

  8. - Tal prova teria necessariamente que ser documental e não existe nenhum documento alusivo a isso, e que demonstre que a autora/recorrente, se recusou a assinar o documento de fls. 12 e 13, ou a outorgar escritura pública.

  9. - Não existe nenhum documento de notificação da autora, por parte da ré, para que aquela interviesse em escritura de formalização do dito acordo.

  10. - O quesito em causa, tinha necessariamente que ser sustentado documentalmente e não o foi.

  11. - A asserção de que a autora se recusou a aceitar o projectado acordo constante do documento de fls. 12 e 13, é uma mera especulação do tribunal "a quo".

  12. - Mas mais, se se trata de um acordo, porque razão não foi aceite? Então é acordo, ou não é? 14ª - É que se é acordo, é porque o mesmo foi aceite.

  13. - In casu, o que resulta da prova produzida e ínsita nos factos assentes é que quem propôs o acordo foi a recorrida.

  14. - E dizer-se que o acordo foi aceite por BB, mais uma vez carece de ser demonstrado documentalmente, tanto mais que é dito que a cláusula 3ª nunca foi aceite.

  15. - E não existe nenhum documento assinado por BB e muito menos pela autora, do qual resulte a aceitação pura e simples do proposto pela ré.

  16. - Existe, por isso, uma contradição insanável dos factos dados como provados, o que necessariamente origina uma nulidade, a qual obriga ``a realização de um novo julgamento.

  17. - Por outro lado, estando nós, perante uma acção de reivindicação, necessário se torna verificar se quem detém a posse do prédio (neste caso da parcela de terreno reivindicada), possui título para o efeito.

  18. - Resulta da decisão recorrida e dos factos assentes que a recorrida, não detém nem título aquisitivo por via derivada e nem usucapiu, atento o facto de não ter decorrido o prazo para a aquisição originária.

  19. - Resulta ainda dos factos assentes que a recorrida, não pagou qualquer contraprestação, pelo que se mantém na posse da parcela de terreno reivindicada, sem ter pago qualquer contraprestação pela mesma.

  20. - E face às posições de BB e esposa, primeiro, e depois da recorrente, competia à ré, diligenciar para que a permuta se consumasse, o que não demonstrou nos presentes autos.

  21. - Em consequência, não é admissível falar-se em abuso de direito.

  22. - Logo no ponto dois dos factos assentes, resulta provado que foi acordada entre as partes, uma troca de terrenos.

  23. - Porém, não foi dado como provado que a autora, ou BB e esposa, tenham recebido da recorrente quaisquer terrenos, ou quaisquer outras contrapartidas, pela cedência da parcela de terreno de 10.818 m2.

  24. - Não se entende, por isso, que se queira concluir que a recorrente actua com abuso de direito, ao reivindicar a parcela de terreno sua propriedade, e cuja ocupação autorizou à recorrida, mediante uma contraprestação, que até hoje a recorrida nem prestou e nem demonstrou ter querido prestar.

  25. - Decorre dos autos que a recorrida nem sequer tem condições para cumprir o constante do documento de fls. 12 e 13, uma vez que prometeu ceder terrenos a BB e esposa, primeiro, e depois à autora, que nem sequer lhe pertencem.

  26. - A autora desde o primeiro momento afirmou, e continua a afirmar que está pronta a celebrar o dito "projectado acordo de fls. 12 e 13".

  27. - Não se entende, é a razão pela qual o tribunal fez tábua rasa da posição da autora e avançou de forma "cega" para o abuso de direito.

  28. - Abuso de direito complementado ou, desconhece-se, sustentado, pelo instituto jurídico inconstitucional do "dicatio ad patrium".

  29. - Afinal de contas, a autora nem sabe em bom rigor, a fundamentação jurídica para a improcedência da acção, uma vez que o tribunal de primeira instância sustenta a sua posição, na usucapião, na "dicatio ad patrium" e no abuso de poder.

  30. - Por seu turno, o tribunal "a quo" afasta a usucapião, mas não é claro quanto ao "dicatio ad patrium", sendo mais claro quanto ao abuso de direito.

  31. - E é curioso que diz que a autora não atacou a decisão quanto ao abuso de direito, esquecendo-se que a matéria de facto ainda não estava totalmente decidida, pois foi objecto do recurso.

  32. - É pois incoerente e está mal sustentado o douto acórdão recorrido, que aponta para o abuso de direito, sem contudo demonstrar que a autora recebeu contrapartidas pela cedência da parcela de terreno reivindicada.

  33. - E se está dado como provado, que BB e esposa permitiram que a recorrida entrasse na posse da parcela de terreno reivindicada e onde a recorrida executou um conjunto de infra-estruturas, a verdade é que também está dado como assente que tal cedência pressupunha uma contrapartida da recorrida, a qual não foi prestada até à data de hoje.

  34. - Não tem pois fundamento a posição do tribunal de que a recorrente actuou com abuso de direito.

  35. - A verdade é que a recorrente até hoje apenas cedeu e nunca recebeu nada em troca, como inicialmente combinado.

  36. - Em face da inércia e displicência da recorrida é justo e natural e de direito, que a autora reivindique a restituição da parcela de terreno que cedeu, pois falharam as contrapartidas, que nunca foram prestadas. Nem uma única.

  37. - Neste contexto, não actuou a recorrente com abuso de direito.

  38. - Quanto à questão da aplicabilidade ou não do "dicatio ad patrium" é obvio, que se tal fosse aplicável, brigaria com o disposto no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, e constituiria mesmo um confisco de bens, o qual está constitucionalmente proibido.

  39. - Pelo que tem que ser afastado no caso dos presentes autos.

  40. -...

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