Acórdão nº 3831/05.1TBSTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução29 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 79.090,77€, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Para fundamentar essa pretensão, alegaram ser comproprietários, juntamente com a Ré e um outro irmão, de um prédio misto, que adquiriram, em 19/12/1972, por força de partilha da herança aberta por óbito de seu pai ; mais tarde, porque a casa existente nesse prédio era muito antiga, o Autor e o seu irmão, com o consentimento da Ré, demoliram essa casa, procederam à revogação de um contrato de arrendamento relativo a um estabelecimento comercial que aí funcionava e edificaram uma outra casa mais ampla, composta de rés do chão e 1º andar ; a demolição da casa anterior e a construção da actual foram suportadas pelo Autor e pelo seu irmão, na proporção de metade para cada um, sendo que essas obras e respectivos materiais custaram 25.007,08€; na mesma proporção, o Autor e seu irmão pagaram a quantia de 748,20€ pela revogação do contrato de arrendamento; por força dessa obra, o prédio ficou a valer 164.603,31€, ficando, deste modo, a Ré beneficiada – obtendo, assim, um enriquecimento – na quota-parte que detém no imóvel; assim, concluem, a Ré deverá restituir o valor de 12.503,54€, referente ao custo dos materiais e obras, e metade das mais valias decorrentes da construção, correspondentes à diferença entre o valor actual do imóvel (164.603,31€) e o valor do terreno (32.177,05€).

A Ré contestou, suscitando a sua ilegitimidade, a ineptidão da petição inicial e a excepção peremptória de prescrição, alegando que não existiu qualquer enriquecimento e invocando ainda a excepção de caso julgado: na verdade, já correu termos uma acção judicial – com o nº 359/2000 – idêntica a esta, quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, já que, nesse processo, os Autores pediriam para serem pagos das benfeitorias por eles efectuadas no citado prédio - e essa acção improcedeu quanto às benfeitorias que tinham por base tal enriquecimento sem causa.

Os Réus responderam, sustentando a improcedência da excepção de caso julgado, na medida em que, naquela acção, os Autores apenas pretendiam a divisão de um terreno e das benfeitorias nele realizadas, mediante a sua adjudicação ou venda.

Entretanto, por óbito do Autor, AA, foram habilitados como seus herdeiros, BB, DD e EE.

Foi realizada audiência preliminar e, após, foi proferido despacho saneador onde se decidiu julgar procedente a excepção de caso julgado e absolver a Ré da instância.

Inconformados com essa decisão, os Autores interpuseram recurso, tendo a Relação julgado a apelação procedente, considerando inverificada a excepção dilatória de caso julgado, determinando, em consequência, o prosseguimento do processo. Para tanto, considerou a Relação, no acórdão ora recorrido: A decisão recorrida julgou procedente a excepção de caso julgado por considerar que existia identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir, referindo, designadamente, que, em ambas as acções, os Autores pretendem fazer valer o mesmo efeito jurídico: o direito a uma indemnização por benfeitorias.

Discordando dessa decisão, alegam os Recorrentes que, na anterior acção, não foi apreciado e decidido qualquer direito à indemnização que agora reclamam, sendo certo que não formularam aí esse pedido.

E, ao que nos parece, a razão está do lado dos Recorrentes.

Vejamos.

De acordo com o disposto no art. 497º, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

E, dispõe o art. 498º, “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (nº 2 do citado art. 498º); “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” (nº 3 da citada norma) e “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” (nº 4 da mesma disposição legal).

Ora, não obstante a identidade de sujeitos (na medida em que as partes, na presente acção, também eram partes na anterior acção), afigura-se-nos não existir identidade de pedido, na medida em que o efeito jurídico que se pretende obter é diferente em cada uma das acções.

Na presente acção, os Autores, com fundamento no enriquecimento sem causa, pretendem obter a restituição de uma determinada quantia com a qual a Ré alegadamente se teria enriquecido devido ao facto de os Autores terem realizado benfeitorias (uma casa) num imóvel de que ambos eram comproprietários.

Mas, não era esse o efeito jurídico que os Autores pretendiam obter na acção nº 359/2000, que correu termos no 2º Juízo Cível de Santo Tirso.

Nesta acção – de divisão de coisa comum – os Autores pretendiam apenas obter a divisão do imóvel e da benfeitoria nele realizada. Com efeito, alegando que, juntamente com os Réus, eram comproprietários de um determinado imóvel, alegando que, juntamente com um dos irmãos do Autor (um dos Réus), haviam construído, nesse imóvel, uma casa, e alegando que não pretendiam continuar na situação de compropriedade com os Réus, pediam a divisão do terreno e das benfeitorias, solicitando a sua adjudicação ou venda, por não se possível a sua divisão.

Foi apenas isto que os Autores pediram na citada acção, onde, em momento algum, pediram a condenação dos Réus – designadamente da aqui Ré – a restituir-lhe qualquer quantia com fundamento em enriquecimento sem causa e emergente daquelas benfeitorias.

Note-se que, na sequência de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito daquele processo, os Autores foram convidados a completar a sua petição, alegando os factos que seriam necessários para calcular o valor das benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa. Os Autores apresentaram nova petição, alegando esses factos, mas não formularam qualquer pedido no sentido de obterem a restituição desse enriquecimento e limitaram-se a formular o pedido que já haviam formulado inicialmente: a divisão do terreno e das benfeitorias, mediante a sua venda ou adjudicação, por não serem divisíveis em substância.

Afigura-se-nos, pois...

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