Acórdão nº 81/1998.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução27 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Autor: AA Interveniente (activo): BB Réus:CC e DD Intervenientes (passivos): EE; FF; GG e mulher HH; II e mulher JJ; KK e mulher LL; MM e mulher NN; OO e mulher PP.

I.

Resumo dos termos essenciais da causa e dos recursos O autor propôs contra os réus uma acção ordinária pedindo, a título principal, que o tribunal declarasse a nulidade do contrato-promessa de cessão de quotas que identifica na petição inicial, celebrado com os réus em 19/1/98, alegando como fundamento não ter sido celebrado por todos os titulares das quotas prometidas vender e ser indeterminado o objecto do contrato por não se especificar o património da sociedade cujas quotas iriam ser transmitidas.

Pediu ainda a condenação solidária dos dois réus a restituírem-lhe os 10 mil contos (49.879,79 €) que entregou a título de sinal, quantia esta devidamente actualizada e com juros a partir da citação.

Para o caso destas pretensões não procederem, pediu que se declarasse que os réus não cumpriram o contrato-promessa e, com base nisso, também a condenação solidária de ambos a restituírem-lhe a dita importância, acrescida de indemnização que, por não se encontrar ainda apurada, deveria ser determinada em liquidação de sentença.

E para a hipótese destes segundos pedidos também não procederem, pediu que o tribunal reconhecesse e declarasse a resolução do contrato-promessa, por alteração substancial da base negocial, caso em que os réus deveriam ser também condenados solidariamente a restituir-lhe a quantia que receberam, actualizada e com juros moratórios a partir da citação.

A alteração da base negocial assenta no facto do Fundo de Turismo ter exigido que o projecto fosse concluído até ao dia 9/11/98, implicando um investimento global na ordem dos 300 mil contos, encontrando-se a obra a meio e não havendo tempo para a concluir, sucedendo que o autor só assinou o contrato porque lhe foi garantido pelos réus um subsídio vindo do Fundo de Turismo de 40%, o que não aconteceu.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, pedindo a condenação do autor no pagamento da cláusula penal fixada, no valor de 300 mil contos, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato promessa.

Requereram ainda a intervenção principal provocada, como associada do autor, de BB, sua mulher, para ser condenada solidariamente com ele no pagamento da quantia de 300 mil contos (1.149.639,36 €) e a intervenção principal provocada dos restantes sócios da sociedade “QQ Ldª”.

Houve réplica e admissão dos chamados, que aderiram aos articulados do autor e réus, respectivamente.

O autor contestou o montante da cláusula penal, referindo que as partes pretenderam, sim, referir-se ao triplo do sinal e não ao triplo do preço, o que é revelado pelo facto de, nesta última hipótese, ser muito mais oneroso o incumprimento do que o próprio cumprimento.

Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, declarando a resolução do contrato-promessa por culpa imputável ao autor e condenando os reconvindos AA e BB a pagar aos reconvintes (réus e intervenientes) a quantia de 130.120,21 €, montante a dividir na proporção das quotas dos reconvintes maridos na sociedade objecto do contrato promessa, quantia esta ainda acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

Apelaram os autores, o réu CC e os intervenientes II e outros, mas a Relação negou provimento a todos os recursos, confirmando a sentença.

Continuando inconformados, todos os apelantes recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, resumidamente, as seguintes conclusões úteis: Revista dos intervenientes II e outros: 1ª) Perante a matéria de facto apurada e o teor da cláusula 7ª do contrato promessa, a cláusula penal em discussão nos autos é uma cláusula compulsória; daí que lhe seja inaplicável o regime do artº 812º do CC (redução equitativa da cláusula penal), devendo os autores/reconvindos, consequentemente, ser condenados a pagar aos reconvintes a importância de 1.500.000,00 €, correspondente à penalidade fixada naquela cláusula, a que acresce a de 49.879,00 € a título de perda do sinal, nos termos do artº 442º do CC, e os juros de mora legais desde a notificação da reconvenção; 2ª) A lei prevê que o contraente vendedor tem a faculdade de “fazer sua” a coisa entregue a título de sinal, pelo que os recorrentes não tinham que peticionar a “perda do sinal prestado”, como as instâncias entenderam; 3ª) Ainda que se considere aplicável o regime do artº 812º do CC, certo é que a factualidade apurada - designadamente a dada por assente sob os pontos 19, 23, 24, 25 a 41 e 42 a 59 - não legitima a intervenção correctiva excepcional prevista no indicado preceito legal; 4ª) Ao recorrer à redução da cláusula penal o acórdão recorrido não poderia ignorar que o respectivo montante foi expressamente exigido pelo autor/reconvindo.

Revista do réu CC: 1ª) O disposto no artº 812º do CC é aplicável somente às cláusulas penais com função indemnizatória e não também às compulsórias; 2ª) Devidamente esclarecidos, conscientes e assistidos desde o início por advogado, autores e réus quiseram vincular-se a uma cláusula penal indemnizatória ou compulsória de 300 mil contos em caso de incumprimento, e pré contratualmente não equacionaram poder vir a mesma a ser reduzida por excessiva; 3ª) O sinal não é acumulável com a cláusula penal como sanção para o incumprimento; 4ª) Reduzir a cláusula penal a 26% do estipulado no contrato constitui uma espécie de benefício ao infractor/incumpridor; 5ª) Em caso de eventual redução equitativa da cláusula penal não deverá esta ser inferior a 1.059.564,48 €, valor este provado documentalmente nos autos, e que os réus suportaram após o incumprimento contratual por parte dos autores; Revista dos autores AA e sua mulher BB: 1ª) A cláusula 7ª do contrato promessa ajuizado padece de nulidade, pois o valor estipulado como pena constitui um claro abuso do direito e um desrespeito flagrante do princípio da boa fé na formação dos contratos; 2ª) A condenação dos recorrentes na pena de 180.000,00 € é manifestamente desproporcionada e excessiva, existindo no processo elementos suficientes para, recorrendo à equidade, a reduzir para 50.000,00 € (correspondentes ao sinal entregue), ou outro que venha a ser entendido como adequado e inferior ao fixado na 1ª instância; 3ª) Não há nos autos elementos objectivos que permitam fixar o montante da pena em valor superior a 50.000,00 €, pois os réus não sofreram nenhum prejuízo que já não soubessem que teriam com o empreendimento, não encontraram, nem tinham possibilidades de encontrar qualquer interessado em negociar o objecto do contrato nas condições e prazos impostos pelo Fundo do Turismo, e não demonstraram que este tivesse exigido qualquer devolução, ou de que essa dívida existe.

Não houve contra alegações.

Tudo visto, cumpre decidir.

II.

Fundamentação

  1. Matéria de Facto: 1 - No dia 19/1/98 foi celebrado entre o autor e os réus CC e DD um contrato-promessa no qual consta que estes intervieram em seu nome e em representação da sociedade “GG, Ldª”, com o capital social de 40.000.000$00, matriculada na CRP local, sob o n.º000, da qual os citados réus são sócios e únicos gerentes, sendo necessária e suficiente as assinaturas de ambos para obrigar a sociedade, e do qual consta: Os citados réus, “pela forma como intervêm e com autorização e ordem dos demais sócios, prometem ceder” ao Autor, “pelo valor total de 100.000.000$00 (cem milhões de escudos), todo o património da sociedade referida, incluindo o capital social (todas as quotas) nos termos e cláusulas seguintes que uns e outro aceitam e a que todos se obrigam: 1ª - Com a cessão de todas as quotas dos sócios e que os primeiros se obrigam a que sejam cedidas, tanto mais que assumem a representação dos demais sócios, fica incluído todo o património da sociedade, mesmo projectos e tudo o mais que se relacione com o empreendimento.

    1. - A liquidação de todo o passivo da sociedade, para com os sócios ou estranhos, fica a cargo e sob a responsabilidade dos primeiros.

    2. - O segundo só será responsável por qualquer passivo da sociedade a partir do momento em que tome a sua administração ou lhe sejam efectuadas as cessões de quotas, através de escritura pública.

    3. - O preço total de contrato (cessão de todas as quotas e o constante na cláusula 1.ª) é de cem milhões de escudos, tendo neste acto os primeiros recebido como sinal e princípio de pagamento a importância de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), sendo o restante do preço (noventa milhões de escudos) a pagar no acto da escritura a ser outorgada no...

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