Acórdão nº 192/07.8TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelSAMPAIO GOMES
Data da Resolução22 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I I) 1.

AA interpôs em 12.01.2007, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S.A.

, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e a condenação da Ré a pagar-lhe diversos créditos laborais e a reintegrá-lo ou indemnizá-lo por antiguidade, e a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas deste o despedimento.

Alegou em síntese que iniciou a prestação de serviço para sociedades que antecederam a Ré em 1993, como pianista de Hotel, mediante horário, com uma única folga semanal, retribuição mensal certa e sob supervisão dos seus superiores hierárquicos, utilização dos equipamentos fornecidos pela empregadora, indumentária indicada, seguindo o elenco musical escolhido pela empregadora e conformando-se, na execução das peças, à criação do ambiente que a empregadora procurava. A situação manteve-se apesar da sucessão de empregadores e de alterações de local da prestação do trabalho e dos horários. A Ré enviou ao A. carta de rescisão e em 1.9.2006 o A. foi impedido de trabalhar, tendo então sido substituído por outro músico. Durante todo o tempo de vigência contratual nunca a Ré concedeu férias nem as pagou nem pagou subsídio de férias nem de Natal, nunca pagou o trabalho realizado em dias feriados como tal, nem pagou subsídio de refeição nem pagou diuturnidades.

Contestou a Ré, pugnando pela sua absolvição, alinhando em síntese que não sabe nem tem obrigação de saber o que se passou com as sociedades que o A. identifica como tendo sido suas antecessoras, nada lhe tendo sido comunicado pela Sociedade que imediatamente a antecedeu, que nunca admitiu o A. como seu trabalhador subordinado, mas sim como prestador de serviços, gozando de autonomia técnica, sempre se fazendo substituir por quem, como e quando queria sem lhe dar conhecimento, sendo-lhe pagos os honorários independentemente de ser ele ou outro a actuar, utilizando apenas o piano como instrumento da Ré, mas utilizando outros instrumentos seus, nunca tendo tido tratamento idêntico aos dos demais trabalhadores, não utilizando indumentária, nem picando ponto, nem participando em festas nem recebendo prémios, sempre organizando a sua escrita como trabalhador independente. O A. sempre teve direito a alimentação em espécie. Só quando a Ré comunicou ao A. que queria prescindir dos seus serviços é que o A., pela primeira vez em 10 anos, pediu férias e subsídio de férias. Mesmo que se admitisse que o A. tem razão, não poderia receber créditos salariais relativos aos anos de 1993 a 1995 porque ao tomar o Hotel das sociedades que anteriormente o exploravam, a Ré fez afixar o aviso a que aludia o art° 37 da LCT, nada tendo o A. então reclamado.

Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve: “Nos termos supra expostos, julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência declaro ilícito o despedimento do A., condenando a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, e condeno ainda a Ré a pagar ao A. a quantia global de €115.404,96 (cento e quinze mil e quatrocentos e quatro euros e noventa e seis cêntimos) acrescida das retribuições que se forem vencendo até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo ou até à reintegração, se ocorrer anteriormente a esse trânsito.

Custas por A. e R na proporção do respectivo decaimento”.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa considerado que a relação estabelecida entre as partes foi de prestação de serviços e, não, como se concluiu na sentença da 1ª instãncia, uma relação laboral, pelo que julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, absolveu a ré dos pedidos formulados pelo autor.

    É contra esta decisão que o Autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões: 1. O contrato de trabalho caracterizasse por uma subordinação do trabalhador potencializada pela inserção do prestador do trabalho na estrutura organizativa do recebedor do trabalho.

  2. Para a verificação dessa inserção são por sua vez valorizados certos indícios de facto apontados pela doutrina, designadamente: o facto de o prestador do trabalho estar ou não em regime de exclusividade efectiva ou tendencial; a retribuição ser regular ou periódica; a propriedade dos meios de produção; o local de trabalho; a existência de um horário de trabalho; a subordinação económica.

  3. Nos presentes autos foram dados como provados factos que apontam para a verificação de todos estes elementos.

  4. De forma particular, o horário em tempo integral, seis dias por semana, cinquenta e duas semanas por ano, em regime de exclusividade.

  5. Considerou-se que a total autonomia do A. na escolha e na interpretação do repertório aproximava esta relação da relação de prestação de serviços.

  6. Antes de mais, cabe dizer que, salvo o devido respeito, não havia total autonomia.

  7. Esta era de facto mitigada, não apenas por via da obrigação de se conformar ao ambiente a criar nos espaços em causa, como ainda de seguir indicações que lhe eram dadas pelos responsáveis dos mesmos espaços.

  8. Sem prejuízo, haverá que dizer que a actividade artística implica um nível acrescido de autonomia.

  9. Tal autonomia não é incompatível com a relação inerente ao contrato de trabalho, conforme o prova o facto de o próprio legislador ter vindo a consagrar o contrato de trabalho por via da Lei n.° 4/2008, de 21 de Fevereiro, que regula o contrato de trabalho de profissionais do espectáculo.

  10. De resto, existirá contrato de trabalho se, a par da autonomia própria da actividade artística, se verificar um poder de direcção e de fiscalização da Entidade Empregadora.

  11. No caso específico, ocorre a existência de direcção e fiscalização por parte da Recorrida e, concomitante, subordinação jurídica por parte do Recorrente.

  12. A subordinação passa por uma possibilidade de exercício de actividade fiscalizadora e controladora, configurando uma situação de domínio a que se reconduz a própria subordinação jurídica.

  13. No caso vertente, ocorre tal direcção.

  14. Antes de mais, porque, como se viu, a actuação se conformava não com o espírito ou inspiração do Recorrente, mas com o tipo de ambiente que o Hotel pretendia para o espaço.

  15. Por outro lado, porque havia um efectivo controlo da actividade do Recorrente por parte da Recorrida, que se consubstanciava no controle da hora de entrada e saída, no registo de incidências que se pudessem verificar, na indicação pontual de pedidos por iniciativa dos responsáveis dos bares ou dos clientes.

  16. A autonomia existente ocorre num contexto de subordinação que induz a existência de contrato de trabalho, pelo que esteve mal a este respeito o douto acórdão recorrido, ao considerar este aspecto da relação como elemento do contrato de prestação de serviços.

  17. O douto acórdão recorrido remete, ainda, para outra característica da relação para indiciar a existência de contrato de prestação de serviços: a possibilidade que ao Recorrente era dada de se fazer substituir por outro músico.

  18. Pretende-se que, por via desta vicissitude, fique prejudicado o carácter pessoal subjacente a todo o contrato de trabalho.

  19. Não é verdade: o carácter pessoal do contrato mantém-se.

  20. Antes de mais, por, num quadro de uma relação com mais de dez anos, a existência de faltas pontuais não esvaziarem o carácter pessoal do contrato.

  21. De resto, as substituições revestiam carácter pontual e extraordinário, não sendo, em geral, indiferente à Recorrida se era o Recorrente ou um substituto quem efectuava o serviço, sem prejuízo da existência de substituições necessárias e pontuais.

  22. Por outro lado, a substituição, cabendo dentro de uma autorização genérica, era sempre precedida de acordo entre as partes para cada situação em concreto, pelo que, para a substituição concorria não apenas a livre escolha do Recorrente, mas também um acto decisivo da Recorrida, em termos que minimizam a autonomia dada ao Recorrente a este respeito e, desse modo, esvaziam uma suposta independência que estaria associada à prestação de serviços.

  23. Antes de mais, numa relação profissional de mais de dez anos, em regime de tempo integral, não vê o seu carácter pessoal alterado ou prejudicado pelo facto de, pontualmente, se verificar alguma substituição.

  24. E, de facto, as substituições revestiam carácter meramente pontual, destinando-se a suprir impossibilidades que o Recorrente pudesse ter, não podendo, de qualquer modo, a substituição erigir-se em regra, sendo certo que, concorrendo para a efectiva natureza pessoal do vínculo, se tais substituições deixassem de ter carácter apenas excepcional, seriam devidamente registadas pelos responsáveis do bar, que do facto dariam conta à Direcção da Recorrida para os devidos efeitos.

  25. Era o Recorrente que tinha a obrigação de actuar.

  26. Em caso de impossibilidade e com prévio aviso, far-se-ia substituir.

  27. A relação do Recorrente com a Requerida foi sempre eminentemente pessoal, por serem os serviços do Recorrente que a Recorrida pretendia, ainda que admitindo pontualmente a sua substituição.

  28. De resto, quando decidiu substituir o Recorrente, a Recorrida optou por outro intérprete que pudesse introduzir um estilo diferente (facto provado 31) - isto é, enquanto manteve o R. ao seu serviço eram as suas actuações, e não outras, que a Recorrida pretendia.

  29. Viu-se que o Recorrente executava o serviço em regime de tempo integral.

  30. Estava nesse contexto numa situação de dependência económica da Recorrida.

  31. Esta situação prolongou-se ao longo de mais de dez anos nos quais, seis...

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