Acórdão nº 122/07.7TCGMR.G1:S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução13 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa contra CC e mulher, DD, pedindo a condenação destes a pagar-lhes uma indemnização, no valor de 66.875,74€.

A fundamentar o pedido, alegaram que os Réus lhes venderam um prédio urbano, composto de casa, anexo e logradouro, correspondente ao lote ......, do Loteamento licenciado pelo alvará n.º 00/00, com a área total de 510m2, no seguimento de contrato-promessa de aquisição e venda do terreno e prédio em construção pelo Réu. Porém, o R. não entregou o prédio com as dimensões e acabamentos acordados, pois que faltavam 110,20m2 de terreno, que os AA. adquiriram a um vizinho, no que gastaram 21.983,93€. Também deixou de construir um muro de suporte e de pavimentar o logradouro, como constava do contrato, no que os AA. despenderam mais 24.939,89€. Além disso, os AA. viveram com o prédio aberto nas traseiras, o que os aterrorizava, com entrada de ratos e cobras, e o A. marido sentiu-se envergonhado por o R. lhe ter chamado “vigarista” e dito que era caloteiro, pelo que reclamam, cada um, indemnização no montante de 9.975,96€.

Os Réus contestaram.

Alegaram que construíram tudo aquilo a que se obrigaram perante os Autores e que, logo que resolvido o litígio com os proprietários do prédio confinante, se prontificaram a construir o muro em falta, o que fizeram, no local projectado. Que os Autores prometeram comprar, quiseram comprar e compraram o prédio que se estava a construir e o lote que existia, com a área que realmente tinha, e não 510m2, conhecendo as delimitações do terreno que compraram. A parcela de terreno em falta, alegadamente adquirida, não valia mais de €1.000,00. Mais alegam que, em Outubro de 2003, indemnizaram os AA., entregando-lhes a quantia de 5.000,00€ pela perda da faixa de terreno e demais prejuízos sofridos.

Em reconvenção, os Réus reclamaram o pagamento do montante de 2.494,00€, acrescido de juros de mora, referente ao preço da venda ainda não satisfeito pelos Autores e que estes se obrigaram a pagar logo que construído o muro em falta.

A final foi proferida sentença na qual a acção foi julgada parcialmente procedente decidindo-se: “ a). condenar os Réus a pagarem aos Autores a quantia de € 720,00, acrescida de juros de mora vencidos é vincendos, desde 1 de Março de 2007, até integral pagamento; b). condenar os Réus a pagarem aos Autores uma indemnização pelo incumprimento da obrigação de construir o pavimento exterior traseiro, em montante a liquidar em incidente póstumo de liquidação, até ao limite máximo de € 24.939,89; c). absolver os réus do mais que vinha peticionado; - julgar improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, dele absolver os autores”.

Apelaram Autores e Réus, mas viram confirmado o sentenciado.

Os Autores pedem ainda revista visando a alteração da matéria de facto e a procedência total da acção, ou, subsidiariamente, a anulação da decisão recorrida.

Para tanto, levaram às “conclusões” da alegação (transcreve-se a parte que corresponde a efectiva, embora nada sintética, invocação de razões de discordância do acórdão impugnado – art. 690º-1 CPC): (…); 3ª – No caso sub Júdice, limitando-se a relação a repetir, de forma acrítica, razões apontadas pela 1ª instância, para fixar os factos materiais da causa, sem proceder a qualquer análise das mesmas, ocorre erro grosseiro e patente na decisão quanto ao recurso da matéria de facto fixada na 1ª instância, pelo que se impõe julgar-se de fundo a questão, considerando provados os factos referidos (objecto de impugnação na apelação) e a acção ser decidida, ou anular-se a decisão; (…) 6ª - O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso quanto à matéria de facto por entender que a fixação da matéria de facto incumbe em primeira linha à primeira instância, em obediência ao princípio da imediação, visando o recurso apenas a "reparação de um eventual erro de julgamento" que não se verificou porque "os apelantes (...) não têm razão na apreciação que fizeram da globalidade dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, dos documentos juntos, bem como da prova pericial", para além de o laudo pericial dever prevalecer sobre o depoimento das testemunhas, não se justificando uma segunda perícia que "nem sequer foi sugerida" (quesito 7°) porque não foi produzida prova "cabal e segura" da recusa da emissão da licença de habitabilidade (quesito 15°) porque a testemunha EE "não é suficientemente credível e convincente" (quesitos 19° e 20°) porque as cópias dos cheques sacados pelo autor não chegam para comprovar os pagamentos alegados (apesar de confirmados por uma testemunha, cujo depoimento, no entanto, não é "suficiente") e, como não foi "sugerido" que o tribunal pedisse ao Banco prova de quem recebeu os cheques em causa, essa prova não se fez (cfr. respostas aos quesitos 24, 25 e 26).

7ª - De igual modo, o tribunal de apelação julgou também improcedente o recurso quanto à matéria de direito porquanto entendeu que quanto a danos patrimoniais, os autores não provaram ter pago o preço que alegaram e quanto a danos não patrimoniais, apenas provaram que os AA. viviam no prédio aberto nas traseiras, o que facultava o acesso a partir dos campos, e os fazia recear a entrada de ratos e cobras, mas tais receios não têm gravidade que justifique a tutela do direito.

8ª - A decisão é inaceitável, não podendo manter-se, porquanto tendo os Réus vendido aos Autores um prédio urbano em construção, por eles levada a cabo, com obrigação de a concluir e entregar, como o prédio foi entregue com uma área inferior à devida (510 m2) pois teria a menos 110 m2 - e sem licença de utilização, para obter a qual era necessário adquirir a um terceiro, alheio à acção, a área em falta, o que os Autores tiveram de fazer, ante a omissão dos RR. deviam os RR. ser condenados a pagar uma indemnização por danos patrimoniais no total de 46.923,82€ que foi o preço pago para adquirir o terreno e para proceder a acabamentos na zona adquirida e por danos não patrimoniais de 9.975,96€ a cada Autor, por o prédio adquirido pelos Autores ter estado durante muito tempo aberto nas traseiras, o que causava aos Autores incómodos e arrelias por ficar sujeito á invasão por ratos e cobras e por malfeitores, e por o 10 Réu ter chamado "vigarista" ao Autor que se sentiu ofendido por ser comerciante sério e honesto que não merece tal epíteto.

9ª - As instâncias não o entenderam assim, pois sustentaram que: a) o contrato celebrado entre Autores e Réus era um contrato de compra e venda, e não de empreitada, nem sequer um contrato misto dessas duas espécies, situando-se a responsabilidade dos Réus no domínio da venda de coisas defeituosas, conforme previsão dos art.s 913º a 922º do Código Civil, por ter sido entregue uma área inferior à correspondente ao lote (510 m2); b) os Autores não lograram provar que para além dos 40 m2 faltavam ao lote ainda outros 70 m2 para completar a área de 510m2, não tendo ainda feito prova do preço efectivamente pago nem de que a aquisição de terreno era condição indispensável para a concessão da licença de utilização; c) apesar de provado que os Autores adquiriram a esse vizinho para completarem o terreno em falta, de uma vez 40 m2 (alínea N) e facto 13°) e de outra vez mais 70,20 m2 (facto 31 e resposta ao quesito 26°) e que com esses 110,20 m2 o prédio ficou com uma área de 526,50 m2 (ou seja, mais 16,50 m2 do que os prometidos 510m2), os Réus só eram obrigados a pagar aos Autores os primeiros 40 m2. e não pelo preço efectivamente despendido, mas pelo valor de mercado (de 18,00€ por m2); d) não se demonstrou que o Réu tivesse insultado o Autor - como este alegava - tendo-se apenas provado que o prédio foi entregue pelos Réus aos Autores "aberto nas traseiras facultando o acesso a partir dos campos ali existentes, o que os fazia recear a entrada de ratos e cobras na casa de habitação" (facto 29°, resposta aos quesitos 17° e 18°) mas tais incómodos não assumiam suficiente gravidade para merecerem a tutela do direito.

10ª - Ao tribunal de apelação pedira-se corrigisse a matéria de facto por se sustentar que as respostas dadas aos quesitos 7°, 15°, 19°, 20°, 24°, 25°, 26° e 39° são deficientes para o que os recorrentes cumpriram nas alegações o ónus imposto pelo artigo 690º-A do Código de Processo Civil, especificando quer os meios de prova que impõem decisão diversa, quer os pontos de facto viciados.

11ª - De facto, a resposta dada ao quesito 7° é excessiva por integrar o advérbio "actualmente" e a expressão "uma área total de 526.50 m2" que não constam da formulação do quesito, e por desconsiderar o depoimento da testemunha FF que mediu rigorosamente o local, com máquinas apropriadas, e asseverou que o lote actualmente apenas tem 496 m2 (acta de 25/5/ 2010, registo em CD) mesmo com o adicionamento posterior de 110m2 (40 m2 mais 70 m2), o que o tribunal não aceitou também porque "não foi junto aos autos qualquer levantamento topográfico" (quando, na verdade, o foi, cfr. doc. de fls. 326).

Mas, face a qualquer dúvida que tivesse, o tribunal podia e devia ter determinado oficiosamente uma perícia, nos termos do artigo 584°, n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo irrelevante que ela não tivesse sido sugerida; 12ª - A resposta dada ao quesito 15° - na parte em que exclui, como necessária consequência, que a Câmara Municipal, sem a área correcta, não concedia licença de habitabilidade - é inaceitável porque essa consequência é afirmação dos próprios Réus (fls. 159) aceite pelos Autores (artigo 28° da petição inicial) e resulta directamente da lei (artigos 62°, 63° e 65° do Decreto-Lei 555/99, de 16/12); 13ª - As respostas negativas dadas aos quesitos 19° e 20° (relativas aos insultos do 1 ° Réu ao Autor) não são aceitáveis porque a respectiva matéria, pelo contrário, se provou como resulta do depoimento de EE (acta de 12/03/2010) que assistiu aos factos e expressamente os referiu, sem desmentido algum, e o argumento usado para...

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