Acórdão nº 6066/05.OTVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | SALAZAR CASANOVA |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA intentou acção declarativa constitutiva com processo ordinário contra BB, CC, DD e EE deduzindo os seguintes pedidos: - De anulação do testamento por erro da testadora (2201.º do Código Civil).
- Se assim não se considerar, devem ser declaradas nulas todas as disposições testamentárias por violação do disposto nos artigos 2163.º e 2165.º do Código Civil.
- Em qualquer caso, devem igualmente ser declaradas nulas as disposições testamentárias a favor dos 1.º, 2.º e 3.º réus por força do disposto no artigo 2194.º do Código Civil.
2.
O autor, quanto ao primeiro pedido, considera que todo o testamento deve ser anulado por erro da testadora que distribuiu toda a herança em legados, erro esse essencial; essencial porque a testadora assim dispôs por estar convencida de que, por estar casada em regime de separação de bens, podia dispor livremente de toda a herança.
3.
Quanto ao segundo pedido, de natureza subsidiária, portanto a valer se não proceder o primeiro pedido, sustenta o autor que as disposições testamentárias referentes aos legados são nulas, pois o testador não pode designar os bens que devem preencher a legítima contra a vontade do herdeiro, não se podendo entender que o fez em substituição da legítima pois ele nada disse expressamente nesse sentido.
4.
Por fim, relativamente ao último pedido, e no que respeita à ré DD, única recorrente, e vencedora do recurso interposto da sentença de primeira instância, agora recorrida face à revista interposta pelo autor do acórdão da Relação, sustentou o autor que o legado de que esta ré beneficiou é nulo; nulo porque, quando o testamento foi lavrado, a testadora vivia no lar onde trabalhava esta ré como auxiliar de enfermagem e foi esta ré que a tratou durante a doença (cancro da mama e traumatismos resultantes do atropelamento), doenças de que veio a falecer.
5.
A sentença de 1ª instância julgou parcialmente procedente, por provada, a acção e, por via disso, anulou o testamento celebrado por FF em 22 de Setembro de 2003 no 23º Cartório Notarial de Lisboa.
6.
Nessa sentença considerou-se o seguinte: - Que o invocado erro não decorre do teor do testamento e que é irrelevante, não aproveitando o desconhecimento da lei a ninguém, incluindo, no caso, o próprio demandante (artigos 6.º, 2202.º e 2203.º do Código Civil).
- Que da violação do disposto no artigo 2163.º do Código Civil que proíbe o testador de impor encargos sobre a legítima e designar os bens que a hão-de preencher, contra a vontade do herdeiro legitimário, tais liberalidades não podem ser reduzidas oficiosamente, pois não podem ser consideradas isoladamente dado serem feitas em conjunto aos 4 réus e, a serem consideradas válidas, “a situação já não era a que a testadora havia querido, ou seja, a de deixar a nua propriedade de tais bens à sobrinha [sobrinha EE que nada tem a ver com os demais réus, trabalhadores do Lar onde viveu a A. até Novembro de 2003] e aos demais réus - isto quanto aos imóveis - e sim apenas àquela, o que não tem qualquer expressão no texto do testamento.
- Que é nula a disposição testamentária que instituiu legatária a ré DD visto que trabalhava no Lar, prestava serviços inerentes à função de enfermeira, posto que não exclusivos do pessoal de enfermagem, inserindo-se a sua actividade na de “ pessoal pelo menos auxiliar de enfermagem o que vem a ter os mesmos efeitos em termos de dependência psicológica do doente, devido à carência dos tratamentos”; “as lesões de que era tratada não decorriam do próprio acidente em si, apenas e também da doença que lhe veio a determinar a morte, ou seja, o adenocarcinoma da mama mestatizado e a celulite bilateral dos membros inferiores”.
7.
O acórdão da Relação julgou a acção parcialmente procedente, julgando ineficaz a deixa testamentária que instituiu como legatário o autor; no mais, julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo a ré DD do pedido formulado.
8.
O autor finaliza a minuta da revista com as seguintes conclusões: - Quanto à anulabilidade do testamento nos termos do artigo 2201.º do Código Civil com vista ao artigo 251.º do mesmo Código: - Que a testadora, ao dispor livremente de todos os seus bens, ignorando o facto de o marido, ora recorrente, ser seu herdeiro legitimário, violou por erro manifesto, quanto à qualidade da pessoa (neste caso , o recorrente) o disposto no artigo 2165.º do Código Civil.
- E esse erro resulta claramente do testamento, pois o valor da raiz dos bens imóveis é necessariamente muito superior ao valor do usufruto, especialmente atendendo à idade do usufrutuário (78 anos) , o mesmo se verificando quanto a dinheiros (60% para terceiros e 40% para o herdeiro legitimário).
- Como ensinam os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela “ agora há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Somente formou-se a vontade real em consequência de erro. Se não fosse ele, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio pelo menos nos termos em que o efectuou.
- Não se trata aqui de aceitar uma designação de bens para compor a legítima (artigo 2163.º do Código Civil) pois não é isso que consta ou se infere do testamento, nem de aceitar um legado em substituição da legítima (artigo 2165.º do Código Civil) dado que também não é isso que é pretendido ou se infere do testamento - Como se deixou dito na alegação para o Tribunal da Relação, a propósito da aplicação das disposições dos artigos 2163.º e 2165.º do Código Civil, todo o testamento deverá ser considerado inválido, pois o recorrente ao não aceitar os bens que lhe foram legados e sendo herdeiro legitimário, isso implicaria necessariamente uma distribuição dos bens da herança diferente da pretendida pela testadora, o que não poderia ser obtido simplesmente através da redução por inoficiosidade que apenas pode corrigir quantitativamente a vontade da testadora, mas não serve para alterar qualitativamente essa mesma vontade - Quanto à nulidade do testamento nos termos do artigo 2194.º do Código Civil: - A recorrida, tal como a ré CC, prestava serviços inerentes à função de auxiliar de enfermagem, pois não só aplicava pomada nas pernas da falecida FF (testadora) mas também auxiliava nos tratamentos ao ombro esquerdo e às pernas da mesma que são serviços próprios de quem exerce enfermagem - A testadora fez o testamento enquanto viveu no Lar, foi tratada pela recorrida ( e pelos outros réus) que lhe prestou serviços como auxiliar de enfermagem, no âmbito das doenças que tinha, o adenocarcinoma da mama mestatizado e a celulite bilateral das pernas ( e igualmente as lesões e sequelas decorrentes do atropelamento) e foi destas mesmas doenças que veio a falecer.
- Ao contrário do que entende o acórdão recorrido, deverá ser feita uma interpretação abrangente do artigo 2194.º do Código Civil de modo a incluir-se no mesmo o exercício ilegal da enfermagem na qual se integra a ora recorrida, sendo nulas as disposições testamentárias a favor da ora recorrida nos termos do artigo 2194.º do Código Civil.
- Quanto à nulidade do testamento por prosseguir um fim contrário à lei (artigo 2186.º do Código Civil): - Que da interpretação do testamento resulta claramente que a testadora quis afastar da sucessão a filha do marido ( o ora recorrente) ao deixar a este apenas o usufruto dos imóveis, o que implicaria a não transmissão desses bens para a mesma filha.
- Que esta interpretação da vontade da testadora, e, consequentemente, do testamento foi confirmada pelas testemunhas da ré CC, como é referido pela sentença de 1º instância, reportando-se à fundamentação das respostas aos quesitos.
- E a testadora ao pretender alterar com o testamento as regras legais de sucessão, pretendeu necessariamente um fim contrário à lei pelo que tem, por isso, razão a sentença de 1ª instância ao considerar também nulo o testamento por força da citada disposição do artigo 2186.º do Código Civil.
9.
Nas contra-alegações a recorrida, invocando o disposto no artigo 684.º-A do C.P.C.(ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido) entende reiterar questões que ficaram prejudicadas, não tratadas no acórdão, a saber: - Que o Tribunal deu como provado que as causas da morte da testadora “ foram o adenocarcinoma da mama mestatizado e a celulite bilateral dos membros inferiores, louvando-se no teor do doc. n.º13 que acompanhou a petição inicial, indicando tal documento como causa directas do decesso apenas o adenocarcinoma da mama mestatizado, não sendo a celulite dos membros inferiores da falecida invocada por ter tido intervenção causal na morte da testadora.
- Que a sinistrada ingressou no Lar a expensas da Tranquilidade e, obviamente, não foi para cuidar daquelas patologias pré-existentes ( geradoras de IPP de 86%) mas apenas para debelar os efeitos do sinistro, continuando, enquanto permaneceu no Lar, a ir ao Hospital de S. José para receber os tratamentos do foro oncológico de que carecia e ao Hospital Curry Cabral para os tratamentos atinentes às lesões resultantes do atropelamento.
- Que, concedida alta pelos serviços clínicos competentes, a sinistrada regressou a casa sem que a recorrente tivesse com ela mais qualquer contacto.
10.
Factos provados: 1 - FF, de 77 anos de idade, faleceu no dia 27 de Outubro de 2005, no estado de casada com AA, tendo como última residência habitual a Av. ..........., nº ....., .., em Lisboa, tendo falecido no Hospital de São José, em Lisboa ( al. A) da esp. ).
2 - O autor e a referida FF contraíram casamento civil, segundo o regime imperativo da separação de bens, no dia 25 de Janeiro de 2003, casamento dissolvido pelo óbito do cônjuge mulher referido em 1 - ( al. B) da esp.).
3 - No dia 22 de Setembro de 2003, no 23º Cartório Notarial de Lisboa, FF declarou ser casada no regime da separação de bens com o autor e não ter descendentes nem ascendentes e que por testamento distribuía a sua herança pela seguinte forma: a) FF declarou deixar ao autor, seu marido, o usufruto vitalício de todas as...
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