Acórdão nº 710/06.9TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução22 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, S. A. veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 883 500,00, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa supletiva, no montante de € 21 652,50, e dos vincendos, à mesma taxa, desde 10/11/2006 até efectivo pagamento, e, subsidiariamente, a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia de € 185 825, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa supletiva, no valor de € 4 554 e dos vincendos, à mesma taxa, desde 10/11/2006 até efectivo pagamento. Mais pedindo a condenação da ré a restituir-lhe de imediato a quantia de € 8 696,91, acrescida de juros, à taxa supletiva, desde a citação, até integral e efectiva restituição.

Alegando, para tanto, e em suma: Exerce, na sua sede social, com intuito lucrativo, a indústria de fabrico e acabamento de artigos têxteis em felpo e a sua comercialização, em cujo estabelecimento, ali instalado, tinha determinados bens que lhe pertenciam, que melhor discrimina, com o valor de € 476 000,00.

Vendeu esses bens à B..... Leasing, S.A., pelo referido valor, tendo celebrado com esta um contrato de locação financeira, que os teve por objecto.

Celebrou com a ré um contrato de seguro, que teve por objecto aqueles bens, que cobria os riscos de perda, perecimento, deterioração e outros danos, que proviessem de diversas ocorrências, incluindo a de incêndio. Pelo valor da substituição em novo, a que atribuiu € 476 000,00.

No dia 11/4/2006, quando o seu estabelecimento fabril se encontrava em laboração, deflagrou um incêndio que destruiu, quase por completo, a unidade fabril.

A ré reconheceu e aceitou que o dito incêndio constituiu sinistro coberto pelo referido contrato de seguro.

Tais bens, no dito valor de € 476 000, ficaram inoperacionais, sem possibilidade de recuperação, não tendo a ré substituído os mesmos por outros novos, sendo certo que a sua substituição importava em € 1 135 000,00.

A. e ré quiseram, na celebração do contrato, que este, no caso de perda total, ficasse a garantir o valor da subsituação dos bens, pelo que, nas “Condições Particulares” deveria ter ficado a constar o valor de € 1 135 000,00, ao invés do valor de € 476 000,00.

A ré, relativamente às referidas “Condições Particulares” emitiu acta adicional de alteração do valor de € 476 000,00 para o valor de € 1 135 000,00, com efeitos retrotraídos a 17/10/2003, tendo alterado o valor do prémio anual de € 2 093,95, que havia fixado em 2003, para o valor anual de € 4 992,91.

Tendo a autora pago a quantia de € 8 696,91 referente à diferença do valor dos prémios vencidos. Em 10/8/2006, a título de indemnização pela perda total daqueles bens, pagou a ré a quantia de € 228 500,00, tendo o B..... Leasing, S.A., entregue à autora a quantia de € 65 172,01.

Deve, pois, a ré à autora a quantia de € 883 500,00, ou, então, tendo em conta que os bens, à data do sinistro, tinham o valor de € 437 325,00, ao qual deverá ser deduzido o valor dos salvados, de € 23 000,00, deve a quantia de € 185 825,00 (437 325,00 – 228 500,00 – 23 000,00).

Citada a ré, veio contestar e reconvir, alegando, também em síntese: Impugnando a matéria alegada pela autora, esclarece que o valor dos prejuízos por esta sofridos se computa em € 229 000,00, correspondente ao valor dos bens seguros, deduzidos os salvados (€ 252 000,00 - € 23 000), uma vez que a mesma havia segurado os bens por valor inferior ao do seu valor de substituição, respondendo a ré apenas na proporção do valor coberto pelo seguro.

No intuito de beneficiar a autora, a ré assumiu a totalidade dos prejuízos efectivamente emergentes do sinistro, e, assim, como os bens eram propriedade da B..... LEASING foi paga a esta a quantia de € 219 553,09, tendo a mesma entregue à autora a quantia de € 65 172,01, correspondente ao remanescente após cobrança dos créditos de que era titular à data do sinistro, por força do contrato de locação financeira, no montante de € 154 381,09.

A autora recusou a proposta de alteração do capital seguro, exigindo o pagamento para ela da quantia em falta, a diferença entre o montante pago e valor dos prejuízos por ela computados em € 437 325,00.

A autora nunca computou o valor dos prejuízos a que poderia ter direito em montante superior a € 437 325,00, sendo a presente reclamação de € 883 500,00 eivada de má fé.

A ré, em 2/8/2006, propôs à autora a alteração do capital seguro para o valor de € 1 135 000,00, cobrando os respectivos prémios adicionais no valor de € 8 696,91, tendo pago a indemnização a que haveria lugar com o novo capital seguro, no montante de € 219 553,09, correspondente a € 229 000,00, valor dos danos, deduzido o dos salvados, no valor de € 23 000,00, da franquia, no valor de € 750,00 e do sobre-prémio, no valor de € 8 696,91.

O pagamento de € 219 553,09 foi indevidamente feito, assente na convicção de que a alteração proposta seria aceite, que não foi.

A autora tinha e apenas tem direito a receber a quantia de € 87 485,62, pelo que deve restituir à ré a quantia de € 132 067,47, devendo a esta, por força da compensação, ser deduzido o montante de € 8 696,91, correspondente ao sobre-prémio indevidamente recebido pela ré. Deve ainda a ré ser condenada como litigante de má fé.

Respondeu a autora, concluindo como na p. i.

Pugnando pela improcedência do pedido de litigância de má fé.

Treplicou a autora, concluindo como na contestação.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma constante do despacho junto de fls 344 a 349.

Foi proferida a sentença, na qual, na parcial procedência da acção, foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 8 696,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Tendo sido julgado improcedente o pedido reconvencional pela ré deduzido, com a absolvição da autora do respectivo pedido. Condenando-se a autora, como litigante de má fé, na multa de 10 Ucs e em igual montante de indemnização a favor da ré.

Inconformadas, vieram, autora e ré, interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Por acórdão de fls 858 a 863 foi ordenado que o processo baixasse à 1ª instância a fim de aí serem fundamentadas as respostas aos quesitos que se mencionaram.

Tendo-se por cumprido o ordenado, regressados os autos à Relação, aí foi proferido acórdão que negou provimento ao recurso da autora e, na concessão de provimento ao da ré, condenou-se a autora a pagar-lhe a quantia de € 123 370,56, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido reconvencional.

Ainda irresignada, veio a autora pedir revista para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - No contexto, em que o contrato de seguro foi celebrado, tendo por base a factura, cuja cópia junta pela Ré faz fls. 77, da venda por parte da Autora à B..... - Leasing, S.A. e em contrato de locação financeira entre estas celebrado, a Autora e a Ré sabiam, que o respectivo valor de 476.000,00 euros era o preço dessa venda dos bens em estado de uso e que, portanto, não correspondia ao valor da substituição em novo [ut. factos dos números 3. a 12., 62. e 63. dos factos provados].

2ª - Nos factos, que o acórdão recorrido fixou como provados, não consta ter ficado provada a existência de qualquer actuação dolosa por parte da Autora na indicação desse valor de 476.000,00 euros, como correspondendo ao valor da substituição em novo dos bens e também neles não consta ter ficado provado, que a Autora e a Ré, erradamente, acreditaram, que esse valor de 476.000,00 euros, como correspondendo ao valor da substituição em novo dos bens, era o correcto, pelo que, o que ficou consignado nas Condições Particulares do contrato de seguro: "Capital, Danos Próprios: EUR 476.000,00 correspondendo valor substituição em novo do equipamento a segurar " [ut. fls. 21] e escrito pela Ré [ut. facto do número 14. dos factos provados], constituiu, nos termos do art. 249.º do CCivil, erro patente de escrita, que se revela no contexto em que as respectivas declarações foram produzidas e que, apenas, dá direito à respectiva rectificação.

3ª - Pelos factos, que ficaram provados nos números 36., 37., 38., 59., 60. e 61. dos factos provados, a Ré rectificou, nos termos do art. 249.º do CCivil, esse erro de escrita, pelo que não tem cabimento a aplicação do disposto no art. 433.º do CComercial, que o acórdão recorrido, erradamente, aplicou, uma vez que, estabelecida nas Condições Particulares do contrato de seguro a cláusula da substituição em novo, esta integra a previsão da excepção " salva convenção em contrário" do art. 433.º do CComercial 4ª - E, assim, a Ré tem, efectivamente, direito ao montante global de 8.696,91 euros de prémios adicionais de que se pagou, mas, concomitantemente, está obrigada a indemnizar a Autora tendo como referência o valor de 1.135.000,00 euros, por ser o valor da substituição em novo dos bens sinistrados e não aquele valor de 476.000,00 euros, como valor de referência indemnizatória 5ª - E porque a Ré, em 10 de Agosto de 2006, a título de indemnização, pela por si reconhecida perda total dos bens, pagou, apenas, a quantia de 228.500,00 euros [ut. número 39. dos factos provados] - apesar de ter confessado e documentado, que só pagou a quantia de 219.553,09 euros, ut. art. 26° da contestação a fls. 41 e documentos, que fazem fls. 84 e 85, por ela juntos com a contestação - a responsabilidade indemnizatória da Ré é da quantia de 906.500,00 euros [1.135.000,00 - 228.500,00 = 906.500,00], mas porque a Autora só pediu no pedido principal [ut. fls. 17] a sua condenação no pagamento da quantia de 883.500,00 euros e dos respectivos juros vencidos e vincendos, é nesta quantia de 883.500,00 euros e nos respectivos juros vencidos e vincendos, que a Ré deve ser condenada a pagar...

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