Acórdão nº 07A3835 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução22 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e Filhos, Ldª, instaurou, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almada - 1º Juízo Cível - acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB.

Alegando, em resumo, o seguinte: - o Réu prometeu vender à Autora os prédios identificados nos autos, pelo preço de 23.800.000$00; - tal contrato foi reduzido a escrito; - o prazo para outorga da escritura mostra-se largamente excedido.

Concluiu, pedindo que seja proferida sentença que produza os efeitos visados na declaração negocial incumprida de promessa de venda, contida no mencionado contrato-promessa subscrito em 19.06.92 e, assim como se este tivesse sido efectivamente cumprido e a venda realizada e que seja declarada transmitida pelo Réu para a Autora a propriedade dos referidos lotes, descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n°15863 do Livro B-45, pelo preço de 23.800.000$00, já integralmente pago.

Regularmente citado, o Réu contestou e deduziu reconvenção, alegando em resumo, o seguinte: - o negócio dos autos é simulado; - houve um negócio usurário feito com dolo e reserva mental; - o Réu nunca quis vender o que era seu.

Conclui, pedindo a sua absolvição dos dois pedidos e que a reconvenção seja julgada procedente e, em consequência seja declarada a anulação do contrato-promessa com eficácia real, o qual não deverá provocar qualquer efeito.

Caso assim não se entenda, deve declarar-se o enriquecimento sem causa da Autora à custa do Réu no valor correspondente à diferença entre o valor declarado no falso contrato-promessa e o valor real das propriedades a avaliar em execução de sentença, condenando-se a Autora a restituir esse valor ao Réu.

A Autora apresentou réplica, pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente.

*** A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente, por provada e declarou transmitido para a Autora o direito de propriedade sobre os lotes 170 e 171, melhor identificados na al. A) dos factos provados, pelo preço de 23.800.000$00, já integralmente pago.

*** Inconformado o Réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou o recurso improcedente.

*** De novo inconformado, o Réu recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de Revista interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação e que, em consequência, confirmou a sentença de 1ª instância, a qual por sua vez julgou o pedido de execução específica deduzido pela Recorrida nestes autos, com a correspondente transmissão a favor desta dos dois prédios objecto do contrato-promessa, integralmente improcedente a Reconvenção, e com o qual o Recorrente continua a não se poder conformar.

  1. Após a rectificação da omissão de pronúncia sobre a Reconvenção, do deduzido pela Recorrida na petição inicial e na qualidade de credora, resulta o pedido de execução específica dos dois prédios objecto dos autos, requerendo que fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da venda do contrato-promessa que instruía o processo e que declarasse transmitidos os mesmos prédios a seu favor, o que, no entanto, é incompatível pelo facto de no contrato-promessa referido ambas as partes atribuírem no referido contrato a faculdade de o mesmo ser denunciado e resolvido se fosse entregue à promitente-compradora no prazo de seis meses o valor de 23.800.000$00.

  2. Na contestação oportunamente deduzida pelo aqui Recorrente, foi alegado que o referido contrato-promessa não correspondia a uma vontade real de serem transmitidas aquelas propriedades, mas antes traduzia uma efectiva garantia de cumprimento do exacto montante que teria sido posto à disposição do Recorrente pela Recorrida, militando no mesmo sentido o facto de o valor real das propriedades ser sempre significativamente superior ao pretenso preço constante do referido contrato, como comprova o exame pericial de avaliação feito nos autos e quase contemporâneo com o contrato celebrado.

  3. No entanto, o certo é que o valor a devolver não correspondia rigorosamente ao valor dos prédios mas ao montante efectivamente posto à disposição do Recorrente pela Recorrida, resultando da matéria aprovada na acção e do próprio contrato seu objecto que não há nada que possa ser interpretado como algo diferente de uma prometida compra e venda de terrenos e correspondente contrapartida.

  4. Com efeito, encontra-se provado na presente acção que o Recorrente no início de 1992 teve necessidade de recorrer ao crédito, encontrando o acesso a tal muito dificultado, estando igualmente provado que por isso o Recorrente publicou anúncios e estabeleceu contactos pessoais com o fim de encontrar capitalista disposto a fazer o empréstimo hipotecário no valor de 17.500 a 20.000 contos; e sobre esta mesma matéria está provado que o Recorrente nunca mencionou a amigos e conhecidos que queria vender a propriedade, resultando que o contrato-promessa de compra e venda aponta também no sentido de que não se trata de um efectivo contrato-promessa com uma condição resolutiva, mas antes a situação prefigura um efectivo contrato de empréstimo, em que a promessa de compra e venda surge como uma garantia.

  5. Tendo este contrato por objecto um imóvel e sendo celebrado, em geral, com a vontade de um dos contratantes em vender e do outro contratante em comprar, eventuais condições resolutivas com regime semelhante à nulidade, surgem adstritas ao próprio objecto do negócio - os imóveis - ou à eventual qualidade das partes (veja-se, por exemplo, compra e venda de bens futuros), pelo que no caso concreto quando a condição resolutiva aparece em razão da devolução do preço, não é minimamente compatível com a vontade de comprar e vender o facto de a devolução do preço ser condição resolutiva do contrato.

  6. Deste modo e dentro do critério do artigo 236° do Código Civil, o sentido do declaratário normal conduzia a que este contrato fosse um efectivo contrato de empréstimo em que a promessa de compra e venda surgia como garantia e, neste enquadramento, terá de se pôr em crise a chamada à colação do artigo 238° do Código Civil, porquanto a declaração de que o interesse da Recorrida era receber o dinheiro mutuado resulta da condição resolutiva do próprio contrato formal.

  7. Assim, o interesse do credor seria sempre satisfeito pela recepção do montante pecuniário acrescido dos correspondentes juros de mora contados desde o período em que o capital devia ser restituído até o presente, com a correspondente liberação da obrigação mediante o pagamento do capital acrescido de todos os juros até à data da satisfação do crédito, podendo quando muito admitir-se que esse montante pecuniário fosse corrigido pelo valor dos prédios à data do contrato, se se entendesse que a compra e venda constituiria uma cláusula penal.

  8. Não tendo assim entendido as instâncias recorridas, apesar de o contrato-promessa ter mais que um mínimo de correspondência com esta realidade e de a poder admitir, o mesmo contrato não é válido com essa natureza.

  9. No pedido reconvencional o ora Recorrente deduziu um pedido principal e um pedido subsidiário, consistindo o primeiro deles em declarar-se a anulação do contrato-promessa com eficácia real e o segundo, no caso de se entender tal contrato válido, em declarar-se enriquecimento sem causa por força dos prédios objecto do contrato-promessa terem um valor muito superior ao estipulado contratualmente, pelo que, se mesmo no Acórdão da presente Revista fosse julgado, como mera hipótese, o contrato-promessa válido, eficaz e produtor de efeitos, estando prejudicada a declaração de invalidade, o mesmo nunca se passaria quanto ao pedido subsidiário.

  10. Com efeito, transmitidos os terrenos de construção designados por lotes 170 e 171 pelo preço de 23.800.000$00, correspondente a € 118.713,90, da avaliação efectuada nos autos resulta que, mesmo pelos valores mais baixos determinados por dois dos três peritos, o montante atribuído a ambos os lotes foi de 46.600.000$00, a que corresponde o valor de € 232.439,82.

  11. Daqui resulta que, mesmo que a transmissão dos lotes tivesse sido feita em tempo...

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