Acórdão nº 07S2716 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução14 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na presente acção emergente de acidente de trabalho, que correu termos na 1.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, frustrada que foi a tentativa de acordo realizada na fase conciliatória dos autos, o sinistrado AA apresentou a respectiva petição inicial, demandando as rés C. P. - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P.

e Companhia de Seguros Empresa-A, delas reclamando o pagamento: (i) da pensão anual e vitalícia de € 12.365,81, com início em 1.10.2004; (ii) da quantia de € 12.365,81 a título de subsídio por elevada incapacidade; (iii) da quantia de € 2.280,00 referente à assistência prestada por terceira pessoa no período de 1.10.2004 até 1.4.2005; (iv) da quantia mensal de € 380,00, a título de prestação suplementar por necessitar da assistência constante de terceira pessoa, a partir de 1.4.2005; (v) da quantia de € 514,75 de deslocações feitas por sua mãe ao Hospital; (vi) da quantia de € 12.365,81 a título de subsídio para readaptação da sua habitação; (vii) da quantia de € 30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Em resumo, o autor alegou que foi vítima de um acidente de trabalho, no dia 13 de Maio de 2004, quando se encontrava a trabalhar por conta da 1.ª ré, na estação ferroviária do Entroncamento; que o acidente ocorreu por culpa da entidade empregadora; e que, em consequência das lesões então sofridas, ficou com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual e com incapacidade permanente de 85% para as restantes profissões, ficando ainda a necessitar de assistência constante de terceira pessoa.

A ré seguradora contestou, alegando que o acidente tinha ocorrido por ter havido violação das regras sobre segurança, por parte da C.

  1. - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P.; que o direito à prestação suplementar e ao subsídio para readaptação da habitação estava dependente da incapacidade que, após a junta médica, por si requerida, viesse a ser fixada ao sinistrado; e que o contrato de seguro celebrado com a C. P. não cobria a indemnização por danos não patrimoniais, cuja existência impugnou, por não serem do seu conhecimento.

    A ré C. P. - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P. também contestou, limitando-se praticamente a alegar que o acidente não tinha ocorrido por culpa sua, mas sim por culpa dos colegas de trabalho do sinistrado.

    Fixado, no respectivo apenso, o grau de incapacidade do autor, realizado o julgamento, com gravação da prova, e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, tendo a ré C. P. - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. sido absolvida do pedido e a ré seguradora condenada a pagar ao sinistrado: (i) a pensão anual e vitalícia de € 8.594,16, a partir de 11.1.2006; (ii) a quantia de € 4.387,20, a título de subsídio de elevada incapacidade, acrescida de juros de mora a contar da data da citação; (iii) a prestação suplementar mensal prevista no art.º 19.º da LAT, com efeitos desde 1.10.2004, de valor igual ao salário mínimo nacional dos trabalhadores do serviço doméstico, acrescida de juros de mora desde a citação; (iv) a quantia de € 4.387,20 a título de subsídio para readaptação da habitação, acrescida de juros de mora desde a citação.

    O autor e a ré companhia de seguros recorreram da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente o recurso do autor e parcialmente procedente o da seguradora, no que toca ao valor da prestação complementar prevista no art.º 19.º da LAT (assistência de terceira pessoa) que fixou em 75% do salário mínimo nacional para os trabalhadores do serviço doméstico, em vez dos 100% em que havia sido fixado na sentença.

    Mantendo o seu inconformismo, a Companhia de Seguros interpôs o presente recurso de revista, concluindo as suas alegações da seguinte forma: 1. O acidente de trabalho dos presentes autos resultou da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 18.º da Lei 100/97, de 13 Setembro.

    1. No dia do acidente, o sinistrado encontrava-se a proceder ao engate de vagões na linha 17, inserido na equipa do lado norte, sob ordens, direcção e fiscalização da co-ré, no exercício de uma actividade que pela sua natureza só se pode concluir como perigosa.

    2. É lícito concluir, recorrendo a juízos de previsibilidade e de experiência comum, que se não tivesse sido efectuado o lançamento de vagões, o acidente de trabalho não teria ocorrido.

    3. A culpa da entidade empregadora resultou da sua conduta omissiva, considerada como omissão censurável de um dever de diligência, exigível a qualquer cidadão ou entidade de mediana prudência, ao permitir e regulamentar manobras de lançamento.

    4. A entidade empregadora do sinistrado não providenciou para que fossem ministrados aos seus trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o seu trabalho, nos termos e para efeitos do art.º 8.º do DL 441/91, de 14 Novembro.

    5. Impendia sobre a entidade empregadora do sinistrado, nos termos do art.º 8.º do Dec.-Lei n.º 155/95, de 01/06 e art.os 4.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 441/91, de 14/11, garantir as condições de acesso, deslocação e circulação necessárias à segurança de todos os postos de trabalho no estaleiro, determinar e adaptar, em função da evolução do estaleiro, o tempo efectivo a consagrar aos diferentes tipos de trabalho ou fases do trabalho, proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção e, principalmente, promover e vigiar a saúde dos seus trabalhadores.

    6. A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde tem dignidade constitucional, cfr. Art.º 59, n.º 1, alínea c), da C.R.P..

    7. A ora recorrente responderá apenas subsidiariamente pelas prestações normais previstas na lei, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.º 37.º da Lei 100/97.

    8. Existe um erro de cálculo na pensão fixada ao sinistrado nos termos do art.º 17.º, n.º 1, alínea b), da Lei 100/97, de 13/09.

    9. A pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado é de 8.225,82 euros, correspondente a 8.594,16 euros - 6.138,68 euros = 2.455,47 euros x 85% = 2.087,14 euros + 6.138,68 euros = 8.225,82 euros.

    10. Tendo ficado o sinistrado afectado de uma IPP de 85%, o subsídio por situações de elevada incapacidade deverá ser calculado em atenção à referida incapacidade, ou seja, 365,60 euros x 12 x 85% = 3.729,12 euros.

    11. Aplicar o cálculo com base em 100%, para uma situação de IPATH, seria desvirtuar o alcance do art.º 17.º, n° 1, alíneas a), b) e c), da Lei 100/97.

    12. O sinistrado necessita da ajuda de terceira pessoa durante 6 horas diárias.

    13. A prestação complementar para assistência de terceira pessoa devida ao sinistrado é de 3.477,60 euros ano, correspondente a 385,90 euros : 30 = 12,87 euros : 8 = 1,61 euros x 6 = 9,66 euros x 30 = 289,90 euros x 12 = 3.477,60 euros, devida desde a data da alta, ou seja, desde o dia 11/01/2006.

    14. Dispõe o art.º 24.º da Lei 100/97, de 13/09 que "A incapacidade permanente absoluta confere direito ao pagamento das despesas suportadas com a readaptação de habitação, até ao limite de 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data do acidente".

    15. O artigo é completamente omisso como se determina a necessidade de obras de readaptação.

    16. O sinistrado não necessita obrigatoriamente de se fazer deslocar por cadeiras de rodas, podendo fazer uso de próteses.

      Apenas a C. P. contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela não concessão da revista, em "parecer" a que as partes não responderam.

      Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

    17. Os factos Os factos dados como provados na 1.ª instância e que a Relação manteve inalterados são os seguintes: Factos admitidos por acordo: A) O autor celebrou com a 1.ª Ré um contrato de trabalho, em 15 de Fevereiro de 1996, por tempo indeterminado.

  2. Foi admitido para exercer as funções de Operador de Manobras, na UTML -Entroncamento (Estação de Caminhos de Ferro do Entroncamento).

  3. Sob as ordens, direcção e fiscalização da 1.ª ré, inserido na respectiva estrutura organizativa, exercendo a actividade nas suas instalações.

  4. Mediante o cumprimento de um horário previamente estabelecido pela 1.ª ré.

  5. O autor auferia a retribuição anual ilíquida de € 12.277,37 (doze mil duzentos e setenta e sete euros e trinta e sete cêntimos) (€561,94x14= salário + €6,12x22x11= subsídio de alimentação + €4,02x22x11= prémio de produtividade + €20,71x14= diuturnidade + €99,74x11= subsídio de escala + €51,75x11= trabalho extraordinário).

  6. No dia 13 de Maio de 2004, às 8h40, o autor foi vítima de um acidente, ocorrido na linha 17, da triagem da Estação dos Caminhos de Ferro do Entroncamento.

  7. Na triagem do Entroncamento, operam em simultâneo duas equipas de trabalhadores: uma do lado Norte e outra do Lado Sul.

  8. A chefia da 1.ª R. ordenou ao autor que incorporasse a equipa do lado norte.

  9. Esta equipa do lado norte constituiu-se com: um maquinista, e dois operadores de manobras, sendo um deles o autor.

  10. O autor foi colhido pelas rodas de um vagão, sendo arrastado pelas pernas, até total imobilização do comboio.

  11. Do acidente resultaram, para o autor lesões nos membros inferiores e superiores.

  12. O autor foi de imediato transportado pelos Bombeiros do Entroncamento, para o Hospital de Torres Novas, local onde recebeu os primeiros socorros.

  13. O autor foi transferido para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde foi sujeito a uma primeira intervenção cirúrgica.

  14. A intervenção cirúrgica prolongou-se por catorze horas.

  15. Foi amputada ao autor a perna esquerda, acima do joelho.

  16. Foi ainda operado à mão esquerda, devido a lesões nos terceiro e quarto dedos dessa mão.

  17. A...

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