Acórdão nº 07S2903 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução14 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 28 de Maio de 2004, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, AA, por si e em representação de suas filhas menores, BB e CC, intentou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra COMPANHIA DE SEGUROS Empresa-A, S. A., que, entretanto, passou a denominar-se ... SEGUROS, S. A., e SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES Empresa-B, L.da, pedindo a condenação das rés, conforme a pertinente responsabilidade, no pagamento das pensões, subsídios e indemnizações devidos pela morte de DD, seu marido e pai das aludidas menores, resultante de acidente de trabalho, ocorrido em 11 de Novembro de 2002, quando aquele prestava a actividade de trolha em favor da segunda ré, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a antedita seguradora.

A empregadora contestou, alegando que o acidente se verificou quando o trabalhador, terminada a laboração, decidiu regressar ao seu local de trabalho, «regresso às instalações não autorizado e não conhecido pela entidade patronal», o que «afasta qualquer responsabilidade desta relativamente ao acidente ocorrido e impede a qualificação da situação como acidente de trabalho», e que, de todo o modo, a sua responsabilidade estava transferida para a ré seguradora.

Por sua vez, a seguradora contestou, sustentando que não é responsável pelas consequências do acidente, porquanto o mesmo ocorreu em data anterior à inclusão do sinistrado no seguro de acidentes de trabalho que tinha celebrado com a empregadora, na modalidade de prémio variável.

Após julgamento, foi proferida sentença que, considerando que o sinistrado não estava coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as rés, pois a empregadora não enviou à seguradora as cópias das folhas de férias relativas ao mês de Novembro de 2002 até 15 de Dezembro seguinte, absolveu do pedido a seguradora e condenou a empregadora a pagar: a) à viúva, a partir de 11 de Abril de 2003, dia seguinte à data da morte, a pensão anual de € 2.214, a actualizar todos os anos e a partir da idade da reforma, bem como a quantia referente às despesas com o funeral e trasladação no montante € 2.784, a quantia de € 2.139,60, a título de subsídio por morte e a quantia que vier a liquidar-se em fase de execução de sentença relativa às despesas com transportes; b) a cada uma das filhas da vítima, a partir de 11 de Abril de 2003, uma pensão anual e [temporária] de € 1.476, a actualizar todos os anos, e a quantia de € 1.069,80, a título de subsídio por morte; c) às autoras, a quantia de € 2.166,85 a título de indemnização por incapacidades temporárias; d) juros de mora, à taxa anual de 7% até 30.04.2003 e de 4% a partir de 01.05.2003, desde as datas em que deveria ter posto à disposição das autoras as referidas quantias até pagamento.

  1. Inconformada, a ré empregadora interpôs recurso de apelação, em que defende que o envio tardio das folhas de férias apenas permite à seguradora resolver o contrato e agravar o prémio, o que a mesma não fez, tendo, aliás, procedido ao pagamento de indemnizações por incapacidades temporárias por cheque emitido em 17 de Março de 2003, e que, por outro lado, o contrato de seguro se configura como um contrato a favor de terceiro, sujeito à disciplina do artigo 449.º do Código Civil, pelo que a entrega fora de prazo das folhas de férias, por respeitar ao incumprimento do contrato de seguro, não poderia ser oposta como meio de defesa ao sinistrado.

    A Relação decidiu que, perante a factualidade apurada, se configurava um caso de não inclusão do sinistrado nas folhas de férias e não de envio tardio daquelas folhas, pelo que o trabalhador sinistrado não beneficiava da cobertura do contrato de seguro, tendo julgado a apelação improcedente e confirmado a sentença recorrida, «embora, em parte, com diversa fundamentação».

    É contra esta decisão da Relação que a ré empregadora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1) O Acórdão da Relação em crise enferma de nulidade, que expressamente se invoca e que, como tal, deve ser declarada, por não se ter pronunciado sobre a questão da inoponibilidade da eventual defesa da Ré seguradora que decorre de o contrato de seguro ser um contrato a favor de terceiro; 2) Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, conclui-se igualmente que as instâncias erraram por terem aplicado o Acórdão Uniformizador 10/2001 à situação de facto dos autos; 3) Na verdade, o referido Acórdão Uniformizador regulou as situações de omissão de folhas de férias; 4) Todavia, a situação dos autos deve ser qualificada como envio tardio da folha de férias, pois que tendo o acidente ocorrido em Novembro de 2002, o sinistrado constava já das folhas de férias relativas ao mês de Setembro desse ano; 5) A fundamentação invocada pelo Acórdão em crise para aplicar à situação dos autos o referido Acórdão Uniformizador - a existência de irregularidades e omissões - não é aceitável; 6) A linha jurisprudencial acolhida no Acórdão Uniformizador consiste precisamente em fazer assentar a solução que preconiza na situação objectiva de ausência de folhas de férias afasta a consideração de circunstâncias subjectivas como aquelas a que o Acórdão em crise recorre; 7) Entretanto, a aplicação do Acórdão Uniformizador a situações de recepção tardia como a dos autos só faria sentido se os interesses e bens jurídicos a proteger nesses casos apresentassem similitude com aqueles que a decisão em causa pretendeu proteger nos casos de omissão; 8) Todavia, as entidades seguradoras encontram um regime de protecção adequado nos termos conjugados das cláusulas 5ª, nº 4, 21ª e 27ª, nº 2, da Apólice Uniforme de que decorrem as faculdade[s] de resolver o contrato ou agravar o prémio, e só essas; 9) Tendo em conta que tais faculdades podem não ser exercidas e que o contrato de seguro constitui a cristalização jurídica de um negócio, decidir nos termos do Acórdão em crise, com base no douto Acórdão Uniformizador citado, significa transpô-lo sem fundamentação para fora das situações que visava regular; 10) Tal aplicação constitui uma violência intolerável pois impõe uma exclusão de responsabilidade que a Ré seguradora teve oportunidade de activar pelos seus próprios meios e prescindiu voluntariamente de efectuar; 11) Aliás, o entendimento que se acaba de explanar segue e adere aos fundamentos, entre outros, dos...

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