Acórdão nº 3000/06.3TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução14 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 31 de Julho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra NAVEGAÇÃO AÉREA DE PORTUGAL – NAV PORTUGAL, E.P.E., actualmente NAV – NAVEGAÇÃO AÉREA DE PORTUGAL, E.P.E., pedindo que fosse anulada a sanção de suspensão do trabalho por trinta dias, com perda de retribuição, que a ré lhe aplicou e que, em consequência, esta fosse condenada a restituir-lhe a quantia de € 5.582,88, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sua retenção até integral pagamento, bem como a pagar-lhe uma indemnização de € 55.828,80, acrescidos de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento, por aplicação de sanção abusiva, e € 25.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.

Alegou, em substância, que exerce funções de técnico de telecomunicações aeronáuticas (TTA) por conta, sob a autoridade e direcção da ré, desde 26 de Maio de 1981, que, em 5 de Dezembro de 2005, a ré tornou pública a Ordem de Serviço n.º 007/05, que nomeou o TTA BB, em regime de comissão de serviço, como MANLIS (Chefe de Divisão de Manutenção de Equipamentos de Telecomunicações Aeronáuticas da Região de Voo de Lisboa) e que, considerando-se discriminado nesta nomeação, entregou, em 27 de Dezembro de 2005, uma exposição/petição, no Conselho de Administração da ré, sendo que, por causa dessa iniciativa, a ré lhe instaurou processo disciplinar, que culminou com a aplicação da sanção de trinta dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição, sanção que é ilícita e abusiva porque não violou qualquer dever laboral e porque foi aplicada apenas pelo facto de pretender exercer os direitos e garantias que lhe assistem e por ter denunciado à IGT, e outras entidades públicas, algumas ilegalidades cometidas pela ré, enquanto foi membro da comissão de trabalhadores.

Mais invocou que a aplicação desta sanção destruiu o seu futuro profissional e provocou-lhe problemas do foro psicológico.

A ré contestou a acção, alegando, em resumo, que foi unicamente com base em critérios de confiança e de qualificação técnica que nomeou BB para o cargo de MANLIS e que a sanção disciplinar aplicada ao autor foi proporcional à gravidade do seu comportamento, tendo concluído pela improcedência da acção.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que, na procedência parcial da acção, julgou ilícita a sanção de suspensão do trabalho por trinta dias, com perda de retribuição, aplicada pela ré ao autor, condenando aquela a restituir-lhe a quantia de € 5.582,88, acrescida de juros de mora, tendo absolvido a ré dos restantes pedidos.

  1. Inconformados, autor e ré apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor e procedente o recurso de apelação interposto pela ré, tendo, em consequência, revogado a sentença recorrida, considerado lícita a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão de trabalho, com perda de retribuição, aplicada ao autor e absolvido a ré dos pedidos deduzidos.

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «a) Vem o presente Recurso interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que considerou lícita a sanção disciplinar aplicada ao A., aqui recorrente.

    b) Para defender a sua tese segundo a qual a sanção que lhe foi aplicada foi ilícita e abusiva, já desenvolveu o A. vasta argumentação nas suas Alegações e Contra--Alegações produzidas em sede de Recurso de Apelação, as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas.

    c) Dispõe o artigo 23.º/3 do Código do Trabalho: “Cabe a quem alegar discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1 (práticas discriminatórias)”.

    d) Isto significa que, se o legislador prevê a hipótese de o empregador fazer prova da não existência de discriminação é porque aceita à partida que o trabalhador que se sente discriminado possa estar enganado. O que faz todo o sentido porque normalmente comportamentos desse tipo são dissimulados apenas sendo perceptíveis através de indícios.

    e) Ora, os indícios, como o próprio nome indica (Indício: facto ou sinal que deixa entrever alguma coisa sem a revelar completamente — in Dicionário da Língua Portuguesa — Academia das Ciências de Lisboa — Editora Verbo) revelam apenas uma pequena parte da realidade a que respeitam, não a permitem conhecer no seu todo, pelo que podem dar dela uma ideia errada. De acordo com o artigo 23.º/3 CT, caso o trabalhador interprete mal os indícios de que tem conhecimento, não está impedido de se manifestar porque é ao empregador que compete fazer prova da não existência de discriminação.

    f) A exposição/petição do A., de 27 de Dezembro de 2005 (doravante apenas Petição), foi elaborada pelo A. em rigoroso cumprimento da lei (art. 23.º/3 CT). Nela, em suma, o A. afirma que se considera discriminado, indica os motivos e o trabalhador relativamente ao qual se sente discriminado e sugere uma forma de o compensar por esse tratamento de que foi alvo.

    g) Competia à R. esclarecer o A., demonstrando não ter existido da sua parte comportamento discriminatório. Ao invés de o fazer (e deveria ter feito até porque, quem está de boa fé — e acreditamos que a R. estava — não deve recear expor as suas razões) limita-se a instaurar um processo disciplinar contra o A., algo que apenas se justificaria se o A., depois de devidamente elucidado, teimasse injustificadamente na sua teoria.

    h) O que acontece é que nunca (até hoje) o A. foi esclarecido sobre determinados comportamentos da R. e, como não o foi, e duvidar é humano e natural, não se pode considerar que agiu com culpa (e, muito menos, com grau elevado de culpa). Se não vejamos: i) Segundo um raciocínio de normalidade, é legítimo ao trabalhador esperar que a sua entidade patronal valorize o seu trabalho, a sua preparação profissional e académica — sobretudo se o mesmo continuou a investir nela —, a sua antiguidade, o seu tempo de serviço num determinado local (cfr. artigos 84.º e 151.º/5 CT).

    j) Segundo um raciocínio de normalidade, é também legítimo que o trabalhador se sinta no direito de ser promovido na carreira, de ser nomeado para cargos de maior responsabilidade (v.g. cargos de chefia), em vez de outros colegas com menos preparação e qualificações, sobretudo quando, como é o caso, já está a desempenhar as mesmas funções há cerca de 10 anos (cfr. art.s 22.º/1, 84.º e 151.º/5, todos do CT).

    k) Segundo um raciocínio de normalidade é, outrossim, legítimo que o trabalhador se sinta merecedor de mais confiança do que outro colega com menos tempo de serviço, menos antiguidade, menos preparação académica, menos qualificações.

    l) Não é, pois, censurável o sentimento de frustração e perplexidade demonstrado pelo A. ao longo da sua Petição, uma vez que é perfeitamente legítimo que não entenda o motivo pelo qual o seu colega TTA BB foi nomeado para exercer um cargo de chefia quando tinha — o que a R. nunca negou — menos antiguidade, menos tempo de serviço em Lisboa, menos preparação académica, menor curriculum que ele próprio.

    m) Acreditamos que a R. tinha fortes motivos para o fazer. Mas nunca os invocou nem explicou ao A. ou aos restantes colegas TTA's, pelo que estes, sem culpa sua, os desconheciam! Se a R., ao nomear o TTA BB, tivesse, à partida, invocado as razões da sua escolha, nunca teriam existido dúvidas do A. sobre os verdadeiros motivos dessa nomeação.

    n) Acresce que não basta uma relação de confiança “pessoal” para alguém ser nomeado em comissão de serviço (semelhante critério seria uma porta aberta para a arbitrariedade e o favoritismo). O conceito de “confiança” é muito mais lato devendo traduzir-se “na lealdade, dedicação e competência” (conceito que embora conste em legislação já revogada — DL 404/91 de 16 de Outubro —, ainda hoje se deve considerar o mais correcto e actual).

    o) Ora, segundo um raciocínio de normalidade, quanto maior for a preparação profissional e académica e a antiguidade de um trabalhador, maior deverá ser a confiança que nele se poderá depositar.

    p) Com a nomeação do TTA BB, o A. viu contrariados todos esses raciocínios de normalidade e sentiu-se prejudicado por ver desprezadas, sem motivo aparente, características suas que deveriam contribuir para a sua valorização profissional. E como não encontrou motivo plausível, procurou uma explicação com os elementos que possuía, tendo apenas descortinado dois motivos possíveis: o seu próprio passado de oposição a comportamentos da R. e razões atinentes à filiação sindical. Poderia estar errado, acreditamos que sim, mas foi um risco que a R. correu ao nomear, sem fundamento, o TTA BB para desempenhar um cargo de chefia em detrimento de outros colegas, todos eles também TTA's.

    q) Daqui resulta que não houve intenção da parte do A. de ofender ou injuriar a R. ou o colega BB. O A. afirma-o...

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