Acórdão nº 4757/05.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | ALVES VELHO |
Data da Resolução | 06 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - “AA Lda." e BB instauraram acção declarativa contra "CC SA.", “DD - Comércio e Reparação de Veículos, Lda." e "EE, Comércio e Reparação de Veículos, Lda.", pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem à A. a quantia de 20.075,13€, a título de indemnização por danos patrimoniais, e 5.000,00€, por danos não patrimoniais, a ambos os AA..
Alegam para tanto, e em síntese, ter a primeira Autora adquirido uma viatura de marca Renault, destinada ao uso do segundo Autor, a qual desde o princípio apresentou defeitos, para cuja reparação a Autora despendeu a quantia de 20.075,13€. Acrescem os transtornos e desgosto por que passou o Autor BB por ter estado privado do uso da viatura, dano não patrimonial que justifica a compensação dos AA. com não menos de 5.000,00€.
As RR. contestaram, por excepção, arguindo a ineptidão da petição, a sua ilegitimidade e a caducidade do direito, e por impugnação, pedindo a improcedência da acção.
No despacho saneador julgou-se válida e regular a instância, desatendendo-se as excepções de ineptidão da p.i. e de ilegitimidade das Rés.
Na indicação dos meios de prova, os AA. requereram a notificação das RR. para juntarem aos autos documentos, a realização de prova pericial, o que em ambos os casos foi deferido apenas em parte (despacho de fls. 660), despacho de que os AA. agravaram.
Os AA. agravaram ainda do despacho que teve por satisfeito o pedido de junção de documentos e agravaram também do despacho que indeferiu o pedido de prorrogação de prazo para exame de documentos apresentados pelas Rés.
A fls. 1299, os AA. apresentaram articulado superveniente, alegando factos de que apenas teriam tido conhecimento depois de realizada a perícia, mais alegando que entretanto tiveram conhecimento da existência de um caso igual ao seu, requerendo o aditamento à base instrutória dos pertinentes factos.
O articulado foi parcialmente deferido, tendo sido aditados à base instrutória mais factos, decisão da qual agravaram a Ré “Renault Portugal SA” e os AA..
Feito o julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente quanto às RR. "DD, Comércio e Reparação de Veículos Automóveis, Lda." e "EE Comércio e Reparação de Veículos Automóveis, Lda.", que absolveu do pedido, mas parcialmente procedente quanto à Ré "CC, SA", que foi condenada a pagar à Autora "AA. Lda.", a quantia de € 10.904,01, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento e ao Autor BB, a quantia de € 500,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento.
Apelaram os AA. e a Ré “Renault Portugal SA”, tendo a Relação decidido: - não tomar conhecimento dos agravos interpostos pelos AA.; - negar provimento ao agravo interposto pela Ré; e, - negar provimento às apelações, confirmando a sentença recorrida.
Interpuseram recurso de revista de ambas as Partes, mas só o da Ré acabou por ser admitido neste Tribunal.
Na alegação que ofereceu, a Recorrente pediu, a final, “a reforma do acórdão”: “ (i) reformando a nulidade resultante da contradição entre a fundamentação e a decisão, absolvendo a Recorrente do pedido; (ii) reformando a nulidade resultante da omissão de pronuncia sobre o agravo da recorrente relativo à não admissão do articulado superveniente das AA, ordenando a pronúncia sobre este Agravo ao tribunal a quo; e (iii) sempre, revogando-se a douta decisão recorrida por erros de julgamento, de lei substantiva e de processo, absolvendo-se a Recorrente da totalidade do pedido”.
Para tanto, argumenta nas “conclusões”, que se transcrevem, argumenta como segue: I. Consideramos que o douto Acórdão recorrido enferma de duas nulidades que se solicita a V. Ex.as que corrijam: (i) A primeira decorrente de contradição entre os fundamentos de facto dados como provados (com as alterações feitas) e a decisão final; (ii) A segunda por omissão de pronuncia, por não ter decidido o Agravo - Ou sejam, as nulidades do artigo 668°, n.º1, alíneas c) e d) CPC, aplicáveis ex vi do artigo 716° CPC.
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Ainda, das alterações e decisões tomadas pelo douto Acórdão recorrido quanto à matéria de facto, parece-nos que, além do mais, sempre teria necessariamente de resultar decisão final diversa.
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Com efeito, da alteração da matéria de facto decorre necessariamente que a decisão devia ter sido a absolvição da Recorrente, não só (i) por ter deixado de ficar provada a origem da avaria, que assim, não tem causa provada, podendo ter sido a centralina a sua origem, ou outra qualquer, como (ii) por ter ficado provada a causa de exclusão da garantia, nunca poderia ter sido condenado ao abrigo do contrato de garantia, ainda (iii) por ter violado regras de processo ao admitir o articulado superveniente sem estar provado o conhecimento superveniente dos factos ai contidos, aditando à Base Instrutória factos que não são supervenientes.
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Pelo que se verificam erros de julgamento.
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A matéria de facto foi alterada pela Relação a favor da Recorrente, não existindo agora qualquer facto que impute à recorrente a responsabilidade por culpa na avaria. Apenas poderia eventualmente discutir-se uma imputação a título de responsabilidade objectiva. Mas não foi dessa forma que a sentença impugnada entendeu condenar a Recorrente (pelo que sempre seria uma alteração da causa de pedir). Mas antes a título de responsabilidade contratual por violação do contrato de garantia.
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Acontece que ficou agora provado, por alteração da matéria de facto, que efectivamente a única razão porque a Recorrente não autorizou a reparação, foi porque uma condição do contrato de garantia não se achava cumprida: ficou provado que a centralina do veículo se encontrava alterada.
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Ora, nos termos do contrato é excluída a responsabilidade - do Recorrente - sempre que se verifique uma alteração não autorizada dos elementos do motor, o que ficou provado que sucedeu com a centralina, ou programador do motor do veículo. Consta como provado que foi essa a exclusiva razão porque a Recorrente não autorizou a reparação em garantia. E sendo a responsabilidade exclusivamente derivada do contrato de garantia, temos de entender que verificada uma das cláusulas de exclusão da garantia contratual a responsabilidade tem de ser considerada excluída.
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E dúvidas agora não podem existir que a responsabilidade foi dos AA. Pois foi também agora dado como provado que o veículo permaneceu nas oficinas do A. entre a avaria e a entrada nas oficinas da concessionária Renault (facto n.º 21-A) e provado que está que a A. é uma oficina especializada em reprogramação de centralinas (facto n.º 58).
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O douto Acórdão recorrido, confirmando nessa parte a sentença da 1ª instância, afirmou que a responsabilidade da Recorrente deriva exclusivamente do contrato de garantia, e provando-se que se encontra verificada uma condição de exclusão da garantia contratual, por ter sido alterada uma componente do motor - o programador ou centralina - tem de se dar por concluído que a Recorrente não pode afinal ser responsabilizada. Tendo afinal de se absolver a Recorrente inteiramente do pedido.
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Pelo que não se entende - com a devida vénia - como a Relação, alterando a matéria de facto como o fez, na forma descrita, conclui depois, na decisão, de forma contraditória com os factos provados, por confirmar a condenação da Recorrente, no que é uma contradição entre os fundamentos e a decisão. O que é uma nulidade a necessitar de correcção.
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A segunda questão prende-se com a relevância do agravo oportunamente interposto pela Recorrente. Na verdade, o douto Acórdão recorrido deu razão à alegação de não poder ser admitido o articulado superveniente da A. por não versar sobre factos supervenientes, mas desconsideraram o agravo por não o entenderem como relevante para a decisão da causa, não o apreciando.
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Com a devida vénia - que é muita - deve ter ocorrido um lapso, que gera nulidade. Com efeito, talvez a Relação não se tenha apercebido que os factos dados como provados com os n.ºs 69° a 75° foram incluídos na Base Instrutória (Quesitos 76° a 82°) apenas em decorrência do articulado superveniente, Por os AA. os terem alegado e o terem requerido apenas nesse articulado! XII. E como se afirmou no douto Acórdão recorrido, os AA. já tinham conhecimento anterior desses factos e apesar disso não o alegaram na PI, nem na Réplica - locais próprios para o efeito. Como também o afirmaram, no douto Acórdão recorrido, que nos termos do artigo 664° CPC, o tribunal só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (cfr. fls. 20 do douto Acórdão recorrido). Ora estes factos só foram alegados pelas AA. no articulado superveniente que o douto Acórdão recorrido considerou que não deve ser admitido.
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Retira-se assim que a decisão sobre o agravo da admissão do articulado superveniente assume toda a importância para a decisão final.
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Se se der provimento ao agravo da Recorrente - como entendemos - e não for admitido o articulado superveniente das AA. esses factos (n.ºs 69° a 75°) não podem ser considerados. O que implica necessariamente que a decisão final tem de ser forçosamente alterada para absolvição! XV. Termos em que nos parece que o douto Acórdão recorrido deve ser revisto também nesta parte, dando-se provimento ao agravo, não se admitindo os articulados supervenientes e não se considerando os factos dados como provados com os n.ºs 69° a 75°.
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Como deixamos dito, as alterações já efectuadas na prova fixada na 1 a Instância pelo douto Acórdão recorrido impõem uma decisão de absolvição da recorrente. Na verdade, deixou de estar provado nos autos a causa da avaria.
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Essa prova encontrava-se nos factos provados n.ºs 65 e 66, que foram eliminados pelo douto Acórdão recorrido e no facto n.º 67 (que o douto Acórdão recorrido por lapso identifica como n.º 76) que sofreu profundas alterações consonantes com a eliminação dos anteriores factos n.ºs 65 e...
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