Acórdão nº 899/04.1TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e BB intentaram acção de reivindicação, na forma ordinária, contra CC e DD, pedindo que fosse reconhecido o direito de propriedade dos autores e os réus condenados a restituir-lhes o imóvel que identificam.

Alegaram para tanto - e em síntese - que são proprietários de determinado prédio urbano, que teriam adquirido por usucapião , - o qual, com base em escritura notarial de justificação, está registado em seu nome - e que os réus, desde há algum tempo, têm vindo a ocupar, sem qualquer título ou contrato que justifique a sua utilização.

Citados, os réus contestaram e reconviram, alegando em resumo que são eles os proprietários do imóvel que têm vindo a ocupar, primeiro na qualidade de arrendatários e, depois, como promitentes compradores, na convicção de que são proprietários do mesmo, dele retirando todos os benefícios, mantendo ali a sua habitação, realizando obras, pagando as respectivas contribuições e impostos, agindo e sendo tratados como proprietários por todos, à vista e com o conhecimento de toda a gente, incluindo os anteriores proprietários – pelo que impugnam a escritura de justificação com base na qual foi lavrado o registo e pedem o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade.

Foi designada e teve lugar uma audiência preliminar, no âmbito da qual foram especificados os factos assentes e elaborada base instrutória, após o que, instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento.

Finda esta, foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada improcedente, sendo os réus absolvidos do pedido, e a reconvenção foi julgada procedente, julgando-se constituído por usucapião o direito de propriedade dos réus sobre o rés-do-chão, composto por dois quartos, sala comum, casa de banho, despensa e quintal, correspondente ao nº .. do prédio urbano sito na Rua ................, freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº 0000, a fls. 18 vº do Livro B-22 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 999º, absolvendo-se ainda os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Inconformados, interpuseram os autores recurso de apelação a que foi concedido provimento, tendo a Relação julgado improcedente o pedido reconvencional e procedente a acção de reivindicação, inflectindo, desta forma, o sentido decisório adoptado na 1ª instância, com a seguinte linha argumentativa: Conforme tem sido igualmente entendido na jurisprudência, por regra, o contrato-promessa de compra e venda, mesmo nos casos em que houve lugar à sinalização da promessa e à tradição da coisa objecto do contrato, não confere ao promitente comprador uma verdadeira posse mas sim uma mera posse precária.

Com efeito, tendo a entrega da coisa por base uma mera promessa de venda, o promitente comprador apenas passa a fruir a coisa, em nome do promitente vendedor e por mera tolerância deste (uma vez que a promessa, enquanto tal, não implica a transferência do direito de propriedade), não se verificando assim o elemento da posse referente ao animus possidendi.

E, desta forma, estando em causa o exercício material da posse em nome alheio, o promitente comprador apenas adquire o animus possidendi a partir do momento em que passa a exercer o domínio sobre a coisa, de forma inequívoca, como titular do direito de propriedade, contra quem actuava como dono, oposição esta que se deve traduzir em actos inequívocos praticados na presença ou com o conhecimento daquele a que se opõe (vide entre outros os acórdãos do STJ de 05.11.92, em que é relator Silva Cancela, de 09.09.2008, em que é relator Azevedo Ramos, de 12.03.2009 e de 16.06.2009, em que é relator Fonseca Ramos, todos in www.dgsi.pt).

E, conforme tem vindo ainda a ser entendido na jurisprudência, haverá inversão do título de posse, passando então a existir verdadeira posse (corpus e animus) quando, havendo tradição da coisa, ocorrer o pagamento da totalidade do preço, acompanhada da intenção de ambos os contraentes de efectivarem em definitivo a transmissão do direito de propriedade da coisa objecto da tradição (vide, para além do acórdão de 11.12.2008 supra referido, o acórdão do STJ de 11.05.2006, em que é relator Ferreira da Silva, igualmente in www.dgsi.pt).

Estando fora de causa o período que decorreu entre Janeiro de 1976 e Maio de 1982 em que os réus ocuparam a casa na qualidade de arrendatários (sendo evidente a ausência de posse), considerou-se na sentença recorrida que “no caso em apreço os réus provaram que possuem o prédio desde 1982, momento em que celebraram um contrato promessa de compra e venda com o anterior proprietário, tendo então deixado de pagar as rendas, passando a comportar-se como proprietários do imóvel”.

Em suma, o tribunal “a quo”, não tendo esclarecido tal aspecto, ou considerou pura e simplesmente que a posse dos réus resultou e se iniciou com a celebração do contrato-promessa ou considerou que a inversão do título de posse coincidiu com esse mesmo momento.

E, após passar em revista a matéria de facto apurada, considerou a Relação: Assente, como vimos, que o contrato-promessa não confere ao promitente-comprador (ou, como no caso dos autos, ao beneficiário da promessa – já que aquilo que está em causa nos autos não passa de uma mera promessa de venda) uma verdadeira posse mas sim uma mera posse precária, importa verificar se existe inversão do título de posse e em que momento.

Da matéria de facto dada como provada, ficamos a saber que os réus, que nem sequer passaram a ocupar a casa como consequência da celebração da promessa de venda, em 18.05.1982 (conforme documento junto a fls. 49 dos autos), uma vez que já a utilizavam desde 1976 na qualidade de arrendatários.

Para além disso, não se provou que os réus tivessem pago, na altura da celebração da promessa de venda ou em momento posterior (e em que data) a totalidade do preço indicado na promessa.

A única coisa que sabemos é que, nos termos da dita promessa (conforme se alcança do documento de fls. 49) a prometida venda seria feita pelo preço de 300.000$00 (trezentos mil escudos), por conta do qual o promitente vendedor recebeu a quantia de 200.000$00 (duzentos mil escudos), sendo os restantes 100.000$00 pagos no acto da escritura, que seria a realizar no prazo de um ano, mas que se não chegou a realizar.

Desta forma, e neste contexto, afigura-se-nos que o simples facto de se ter dado como provado que “desde 18.05.1982 os réus passaram a ocupar a mesma casa na convicção de que são proprietários da mesma, retirando todos os benefícios que o prédio proporciona, nomeadamente nele mantendo a sua habitação, onde confeccionam e tomam as suas refeições, dormem, recebem o correio e a visita de amigos e familiares, fazendo as obras que o mesmo necessitava, reparação de canos, pavimento, telhado, remodelação das divisões interiores e janelas e fazendo as benfeitorias que entenderam necessárias, tais como pintar o interior e exterior do prédio, picar e rebocar as paredes que se vão degradando ao longo dos anos” não pode ser entendido e aceite como verdadeira inversão do título de posse.

Com efeito, para além da mera celebração da promessa unilateral de venda (com recebimento apenas parcial do preço) não sabemos quais os eventuais factos ou circunstâncias, se é que os houve, em que se terá baseado essa convicção.

É certo que ainda se deu como provado que “os réus não pagam aos autores qualquer valor pela utilização do prédio”, que “ocupam a casa à vista e com o conhecimento de toda a gente, incluindo os anteriores proprietários, seus sucessores, os autores e seus vizinhos” e que “são considerados e tratados por toda a gente como os verdadeiros proprietários da casa”.

Todavia, o certo é que não sabemos desde quando ou a partir de que momento é que tal passou a acontecer (e porque razão).

Ainda se deu como provado que “pagaram no ano de 1991 a contribuição autárquica relativa ao prédio”.

Todavia, o certo é que o fizeram “em nome de EE” – o que aponta no sentido do exercício da posse em nome de outrem.

Em suma, não conferindo a mera promessa de venda em causa uma verdadeira posse (enquanto requisito da usucapião), mas sim uma mera posse precária, e não tendo os réus feito prova da inversão do título de posse, não se pode considerar como verificada (conforme se entendeu na sentença recorrida) a invocada aquisição por usucapião, pelos réus, do direito de propriedade sobre a casa que ocupam.

E assim sendo, impunha-se (e impõe-se) a improcedência da reconvenção.

Por outro lado, tendo os autores, face ao registo do prédio em seu nome, feito prova (presuntiva, nos termos do art. 7º do Código de Registo Predial) da propriedade do prédio urbano, sito na Rua ................, freguesia de Pinhal Novo, concelho ele Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº 0000, a fls. 18 vº do livro B-22 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 999º, encontra-se registado a favor dos autores, pela inscrição nº 0000, AP 00 de 17.10.2003 – e não tendo os réus feito prova de título que legitimasse a ocupação da casa (integrada naquele prédio) que têm vindo a ocupar, impõe-se ainda julgar procedente a acção.

Com efeito, “cabendo aos réus elidir tal presunção” resultante do registo “sob pena de serem condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores sob a coisa em litígio, e a entregá-la dos mesmos” – conforme bem se considerou na sentença, e não tendo os mesmos, como vimos, face á falta prova da sua aquisição por usucapião, elidido tal presunção, a outra conclusão se não poderia chegar.

2 É desta decisão que vem interposta a presente revista, que os recorrentes encerram com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem o objecto: Deve ser concedida a revista revogando-se o acórdão recorrido e...

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