Acórdão nº 07S2885 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 6 de Dezembro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB & COMPANHIA, L.da, pedindo que fosse declarado ilícito o respectivo despedimento e se condenasse a ré a: (i) reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (ii) pagar-lhe todas as prestações pecuniárias que este deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença final que vier a ser proferida; (iii) pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da ilicitude do despedimento, em montante não inferior a € 10.000,00; (iv) pagar-lhe, bem como ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe fossem impostas pela sentença, a partir da data em que a mesma pudesse ser executada.

Alegou, para tanto e em síntese, que, em 11 de Dezembro de 2003, a ré o despediu ilicitamente, porque sem justa causa, para além de que a sanção sempre seria desadequada e abusiva, e que tal despedimento lhe provocou danos de natureza não patrimonial, que especifica.

A ré contestou, alegando que o autor foi despedido com justa causa em consequência das faltas injustificadas ao trabalho dadas nos dias 9, 10, 11, 12, 15, 16 e 17 de Setembro de 2003, tendo concluído pela total improcedência da acção.

Realizado julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) declarou a ilicitude do despedimento do autor; b) condenou a ré a (i) reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, (ii) pagar ao autor a quantia total de € 10.304,75, acrescida do valor das retribuições vincendas após esta data e até o trânsito em julgado da decisão, (iii) pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 40,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, a partir da data em que a sentença puder ser executada; e c) absolveu a ré do demais peticionado pelo autor.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, «ainda que parcialmente com fundamentação diversa», sendo contra o acórdão proferido pela Relação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões: «1. É aplicável ao caso sub judice o regime estabelecido no DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro por força do disposto nos arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, in fine, e 9.º, alínea c), da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho [;] 2. Tendo a Recorrente informado, expressamente, o Recorrido de que deveria comparecer ao trabalho no dia 09 de Setembro de 2003, este, por sua livre e espontânea iniciativa, bem sabendo que contrariava o que então tinha sido, legalmente, estipulado, apenas compareceu ao serviço no dia 18 de Setembro de 2003, cumprindo o que "ameaçara" fazer e faltando injustificadamente, ao trabalho, desde o dia 9 de Setembro de 2003 até ao dia 17 de Setembro, inclusive, o que consubstancia 7 faltas injustificadas [;] 3. Ao desobedecer às ordens que, legitimamente, lhe haviam sido dadas, o Recorrido violou não só o dever de obedecer à sua entidade patronal, como violou o dever de assiduidade e de realização zelosa e diligente das tarefas que lhe haviam sido confiadas (cfr. art. 20.º, n.º 1, alíneas b), c), f) e g), do DL 49 408, de 24 de Novembro de 1969) [;] 4. De facto, a atitude do Recorrido apenas pode classificar-se, para utilizar as palavras de Quintela Proença, de "indisciplina despoticamente assumida" (sublinhado nosso) (cfr. voto de vencido ao Ac. da Rel. de Coimbra, de 10/04/1997, publicado na Col. Jur., XXII, 11, 67) [;] 5. No plano jurídico-laboral, uma situação decorrente de faltas injustificadas ao trabalho traduz o incumprimento de uma obrigação contratual, donde resulta a presunção de culpa do trabalhador, atento o disposto no art. 799.º, n.º 1, do Código Civil ([v]ejam-se, neste sentido, os Acs. da Rel. do Porto de 29/01/1988, publicado na Col. Jur., 1988, I, 247, e de 10/10/1988, publicado na Col. Jur., 1988, IV, 237) [;] 6. Por se tratar de um trabalhador que era dirigente sindical, impendia sobre o Recorrido um dever acrescido de respeito e obediência à sua entidade patronal, derivado do facto de ser visto pelos demais trabalhadores da empresa como o exemplo máximo a seguir, ou seja, o facto de o trabalhador em causa ser dirigente sindical apenas fez elevar o seu grau de culpa (elevadíssimo, uma vez que tinha conhecimento da ilicitude da sua conduta), fazendo aumentar, igualmente, as necessidades de prevenção geral [;] 7. As ausências do Recorrido do seu local de trabalho, durante sete dias seguidos, não foram previamente autorizadas - muito pelo contrário, foram proibidas, pela entidade patronal - nem foram posteriormente "relevadas ou autorizadas", como resulta do facto de elas serem uma das bases do processo disciplinar [;] 8. O Recorrido nem sequer procurou averiguar, junto da Recorrente, findo o período de férias, se havia ocorrido uma qualquer mudança de posição relativamente ao retomar da sua actividade na empresa - mudança essa que, efectivamente, não ocorreu, mostrando assim, o Recorrido, um desinteresse total por tal autorização, pois continuou a gozar as férias sem se preocupar com o facto destas lhe terem sido negadas, e sem se preocupar, ao menos, em saber se elas tinham sido posteriormente autorizadas, até porque a esposa do Recorrido compareceu ao trabalho no dia que lhe havia sido indicado [;] 9. Como ensina Menezes Cordeiro, "a falta injustificada faz esboroar a confiança merecida pelo trabalhador. Provadas as faltas injustificadas - logo ilícitas e culposas - no máximo legal, está praticamente preenchido o tipo de justa causa. Os seus reflexos na relação de trabalho advêm agora de juízos de experiência e de razoabilidade. Admite-se que, por essa via, se salve o contrato do trabalhador que não logrou justificar a falta em tempo útil, por mera falha documental, mas que, objectivamente, possa convencer que isso nunca mais se repetirá. Mas não parece adequado, por essa via, deixa [sic] penetrar um tipo de benevolência que a lei expressamente vedou e que tem imensas custas para o País"[;] 10. Um número de sete faltas injustificadas, dadas por um trabalhador dirigente sindical e com cerca de 18 anos de serviço (e, nessa medida, com deveres acrescidos perante a entidade patronal), após férias, contra as determinações da entidade patronal, consubstancia, nas mencionadas circunstâncias, a justa causa a que se reportam os n.os 1 e 2, al.

    g), da LCCT, o que equivale a dizer que o despedimento se mostra lícito [;] 11. Com a sua atitude extremada de desrespeito, desobediência e falta de assiduidade pré--determinada e arrogante, o Recorrido destruiu as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, a qual implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos, tanto mais que o Recorrido era dirigente sindical e dispunha de um estatuto que lhe permitia um fácil acesso à entidade patronal [;] 12. No caso em apreço, verifica-se impossibilidade da manutenção da relação de trabalho, pois tal manutenção, face ao comportamento do trabalhador e as circunstâncias concretas do caso, fere de modo desmesurado e violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado. Esta impossibilidade de subsistência do vínculo laboral foi imediata e foi uma consequência directa e igualmente imediata do comportamento ilícito e culposo do trabalhador [;] 13. Assim, e tendo em conta todos estes elementos, temos de concluir que o comportamento do Recorrido tem a virtualidade suficiente para destruir ou abalar a confiança da Recorrente e de criar no seu espírito a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador, o que fundamenta a justa causa do despedimento do Recorrido [;] 14. Deixou de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, tendo havido uma absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, não sendo de descurar que se trata de um contrato de cariz duradouro e pessoal no que tange às relações dele emergentes (cfr. art. 762.º do Código Civil) [;] 15. No presente caso a ruptura da relação laboral tomou-se irremediável na medida em que nenhuma outra sanção era susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo do Recorrido [;] 16. Concluindo, tendo o Recorrido faltado injustificadamente sete dias úteis seguidos, foi despedido com justa causa por se ter tornado prática e imediatamente impossível a manutenção do seu contrato de trabalho.» Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

  2. A única questão suscitada no recurso cinge-se a saber se os factos pelos quais o autor foi despedido integram o conceito de justa causa de despedimento.

    Considerando que os factos imputados ao autor e o início do procedimento disciplinar ocorreram em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 - n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, e 9.º, alínea c), da Lei n.º 99/2003, aplica-se, no caso, o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT, bem como o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, doravante LCCT.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto: 1) A ré...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT