Acórdão nº 07S1517 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na presente acção emergente de acidente de trabalho, por morte de AA, que correu termos no Tribunal do Trabalho da Maia, frustada que foi a tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória dos autos, BB, por si e em representação de sua filha menor CC, e DD apresentaram a respectiva petição inicial, nela demandando as rés Montagens EE L.da e Companhia de EE Portugal, S. A.

, pedindo que as mesmas fossem condenadas a pagarem-lhe as pensões e demais prestações especificadas naquele articulado.

Em resumo, alegaram serem, respectivamente, mulher e filhas do sinistrado AA, falecido em 22 de Agosto de 2001, em consequência das lesões sofridas no acidente de trabalho de que foi vítima, nesse mesmo dia, quando procedia à desmontagem de uma grua, sob as ordens e direcção da 1.ª ré que tinha a sua responsabilidade parcialmente transferida para a 2.ª ré.

A ré-seguradora contestou, excepcionando a ilegitimidade da 3.ª autora, por ela ser maior e não estar demonstrado que frequentasse o ensino superior, e alegando que a 2.ª ré só tinha declarado parte do salário auferido e que o acidente tinha ocorrido por falta grave e indesculpável do sinistrado e ainda por falta de condições de segurança.

Por sua vez, a 1.ª ré contestou alegando que não houve violação das regras de segurança.

No saneador, julgou-se improcedente a ilegitimidade da 3.ª autora e foram seleccionados os factos admitidos por acordo e elaborada a base instrutória.

Realizado julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença julgando a acção procedente, tendo as rés sido condenadas a pagarem às autoras as pensões e demais prestações nela referidas.

A ré-Companhia de Seguros recorreu, arguindo a nulidade da sentença, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que o acidente tinha resultado da violação das regras de segurança por parte da sua co-ré e defendendo que a 3.ª autora não tinha direito a pensão.

As autoras também recorreram, mas fizeram-no subordinadamente, por entenderem que a pensão devida aos filhos do sinistrado devia superior à fixada.

O Tribunal da Relação do Porto indeferiu a nulidade da sentença, alterou parcialmente a decisão da matéria de facto, dando como não provado o quesito 21.º, julgou improcedente o recurso da seguradora no que toca à violação das regras de segurança por parte da 2.ª ré e ao direito à reparação por parte da 3.ª autora e julgou procedente o recurso subordinado das autoras.

Mantendo o seu inconformismo, a ré-FF interpôs recurso de revista, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma: 1. - A violação das condições e normas de segurança como causa originadora do acidente em apreço resulta de forma mais que evidente dos autos.

  1. - Da factualidade assente nos autos não pode deixar de concluir-se que o acidente ficou a dever-se à violação de normas atinentes à segurança, o que é determinante da condenação da co-ré Montagens EE L.da, como principal responsável pelas consequências do acidente, contrariamente ao que considerou o Tribunal "a quo".

  2. - Com efeito, o conjunto factual consubstanciado nos autos - a queda da estrutura composta pela contra lança, lança e pivot, por virtude do desprendimento da cremalheira da torre - evidencia, sem mais, que a entidade empregadora não tomou as devidas precauções que aquela operação exigia, nem prescreveu e fez cumprir as normas de segurança que ao mesmo deveriam ser aplicadas.

  3. - Sendo pela prova destas circunstâncias que se demonstra o nexo de causalidade, em obediência à adoptada doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual o dano só não pode ser considerado em sentido jurídico como consequência do facto em questão quando este, dada a sua natureza geral, fosse totalmente indiferente para o nascimento de tal dano e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias.

  4. - Não se questiona nem se põe em dúvida que: (i) a grua caiu quando estava a ser desmontada, por motivo de uma avaria no sistema rotativo; (ii) nenhum factor estranho proveniente das forças da natureza, designadamente abalo sísmico, rajada de vento ou outro, ocorreu antes daquele evento, que, de algum modo, pudesse justificá-lo ou, ao menos, contribuir para sua explicação.

  5. - Para o cidadão comum - cuja veste o julgador tem de assumir - a aquisição de tal facto (queda de parte da grua) implica, irrecusavelmente e com absoluta segurança que o modus operandi da desmontagem da grua não era consentâneo com a avaria na grua, ao nível do sistema rotativo.

  6. - Na ausência de alegação - e, por consequência de prova - por banda da entidade patronal de quaisquer factores exógenos, estranhos ao desenvolvimento da actividade de construção civil, nomeadamente fenómenos naturais ou qualquer deficiência, que lhe não fosse imputável, é irrecusável que as causas do acidente só poderão radicar na falta de implementação de outras e indispensáveis medidas de segurança na operação de desmontagem da grua, como, aliás, decorre das conclusões dos relatórios do CATIM e do IDICT que a decisão impugnada desprezou na totalidade.

  7. - O somatório de provas dos autos (relatórios do IDICT e CATIM, depoimentos testemunhais e ainda a cassete de vídeo da reportagem televisiva) demonstra, de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, que os representantes da 1.ª Ré tinham absoluta consciência da gravidade da avaria da grua.

  8. - A empreiteira da obra não teria solicitado a intervenção da 1.ª Ré, com todos os encargos que implicava, designadamente, a prestação dos serviços desta, para uma simples operação de rotina, de inspecção dos elementos componentes da grua que é feita quando a grua não está em obra, a ser utilizada.

  9. - Bem ao contrário, só uma importante avaria impôs a intervenção da 1.ª Ré, sendo certo que a gravidade e localização da avaria estava perfeitamente identificada - o sistema de rotação da grua deixara de funcionar (ponto 180 da sentença)-.

  10. - A Ré E.P. tinha perfeita consciência da natureza da avaria ao nível do sistema de rotação da grua - cremalheira -, que deixara de funcionar, implicando a paragem da grua e, por consequência, a necessidade da sua desmontagem para reparação.

  11. - A fragilidade desta ligação (cremalheira/estrutura) e a consequente instabilidade do conjunto da lança giratória e contra lança eram por demais evidentes, em razão do que deveriam ter sido adoptadas medidas adicionais de segurança na operação de desmontagem da grua, o que manifestamente não aconteceu.

  12. - No caso concreto, impunha-se a utilização de duas auto-gruas, sustentando uma - como se fez - a lança e a 2.ª grua, para nela se suspender, também por meio de correntes, a contra lança.

  13. - Pois, mesmo que a cremalheira se desprendesse da torre, como sucedeu, todo o sistema rotativo (pivot, lança e contra lança) ficaria suspenso pelas duas auto gruas, facto que é público e notório e, por consequência, de conhecimento oficioso, evitando a queda desamparada do sistema rotativo e, bem assim, a queda dos trabalhadores.

  14. - Perante este condicionalismo, seriam possíveis duas soluções: (i) baixar todo o conjunto giratório até ao solo, para aqui proceder à reparação, pelo movimento combinado das duas auto gruas; (ii) efectuar a desmontagem separada da lança e contra lança para, em seguida, reparar a parte central do sistema giratório - a cremalheira - instalada na zona mais alta, a cerca de 30 m de altura, da torre, isto é, da parte fixa, de sustentação de todo o conjunto, da grua.

  15. - Nenhuma das mencionadas e mais que elementares precauções foi tomada, donde resultou, directa e necessariamente, a morte de duas pessoas.

  16. - Ficou igualmente demonstrado e expressamente provado que a Ré E.P. não cuidou de fiscalizar a utilização de equipamentos de protecção pelos trabalhadores que se encontravam a 30 metros de altura, nomeadamente a sua ligação por cintos de segurança à grua de apoio.

  17. - Assim, dúvidas não podem restar de que o acidente dos autos ficou a dever-se à inequívoca falta de condições de segurança, conforme, de resto, decorre dos já aludidos relatórios do IDICT e do CATIM.

  18. - O que determina a responsabilidade da 1.ª Ré pelas consequências do acidente, porquanto era sobre esta que, na qualidade de entidade empregadora, recaía o dever de implementar e impor as necessárias regras de segurança no trabalho, de fiscalizar a execução e cumprimento das mesmas e, bem assim, de disponibilizar aos seus trabalhadores todos os equipamentos individuais e colectivos de segurança, o que, in casu, não ocorreu.

  19. - Sobre a entidade patronal do sinistrado, a co-Ré "Montagens EE L.da", impendia o dever de efectuar uma rigorosa fiscalização de todos os componentes da grua e estabelecer as elementares das regras de segurança, obrigando cada trabalhador ao seu...

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