Acórdão nº 07A2961 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução30 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA e BB instauraram acção declarativa contra "Companhia de Seguros Mundial Confiança, SA" e CC como interveniente principal, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de esc. 31 536 384$50, e bem assim todas as importâncias que eles AA venham a ser obrigados a pagar ao "Banco Pinto & Sotto Mayor", em razão do contrato de mútuo relativamente ao qual o contrato de seguro se encontra dependente, bem como a quantia remanescente, acrescida de juros de mora desde a data em que ocorreu o óbito do pai dos AA. até integral pagamento, ou, subsidiariamente, a condenação do Chamado CC a pagar as AA. as quantias referenciadas.

Para tanto alegaram que o pai dos AA. e a Ré celebraram um contrato de seguro de vida associado o a um contrato de mútuo para crédito à habitação, mediante o qual o "Banco Pinto & Sotto Mayor" lhe emprestou esc. 28 000 000$00.

O pai dos AA foi submetido a um exame médico efectuado pelo Chamado, Dr. CC, em ordem a apurar do seu estado clínico e, efectuados os respectivos exames de acordo com o questionário utilizado fornecido pela Ré ficou a constar expressamente do relatório de exame médico que, no que concerne a patologias respiratórias, o pai dos AA. sofria de "bronquite ex-fumador há mais ou menos 1 ano".

De posse do referido relatório, a Ré não solicitou quaisquer esclarecimentos e consequentemente foi celebrado o respectivo contrato de seguro.

Em virtude da ocorrência do óbito do segurado, a Ré, contactada para liquidar o valor do capital coberto, respondeu não considerar o direito a qualquer indemnização por morte, porquanto a pessoa segura não mencionou que era portador de "asma brônquica", sendo, por isso, nulas e de nenhum efeito as garantias.

Não obstante saber, à data da realização dos exames para efeitos de celebração do contrato de seguro, que a pessoa sofria de asma desde a infância, o Dr. CC omitiu tal facto no seu relatório, alegadamente por o reputar de desnecessário.

O relatório da autópsia não refere a asma brônquica como causa da morte.

O Chamado bem sabia que o exame médico se destinava à celebração dum contrato de seguro e que a sua prestação estaria intimamente ligada ao momento da celebração do contrato de seguro, caso se viesse a verificar qualquer sinistro na sua pendência.

A Ré contestou invocando constar da proposta de seguro de vida que o pai dos AA. preencheu e assinou um "TERMO DE RESPONSABILIDADE", em cima do local onde foi aposta a data e assinatura, em que assumiu declarar-se "em perfeito estado de saúde e ter perfeito conhecimento de que a prestação de falsas declarações e omissões conferem à Seguradora, de acordo com a sua decisão o direito de anular a presente adesão ficando sem efeito as garantias concedidas, qualquer que seja a data em que delas tome conhecimento", e acrescentou que foi o falecido pai dos AA. quem declarou quanto a patologias respiratórias "Bronquite ex-fumador há + 1 ano" e não o médico examinador.

Era portador de asma desde a infância e fazia terapêutica regular, mas respondeu no questionário médico ser saudável, omitindo qualquer resposta quanto ao uso habitual de medicamentos, com a expressa intenção de ocultar a sua patologia asmática, sabendo que sem seguro de vida não obteria o financiamento.

Se a Ré soubesse dessa patologia não teria aceite tal adesão e a consequente assunção do risco "Morte" do falecido pai dos AA.

O Chamado, por sua vez, negou saber que o falecido sofria de asma desde a infância e alegou ter respondido ao questionário com base nos dados transmitidos pelo pai dos Autores, designadamente quanto à asma (negativamente) e à bronquite, e, no tocante aos dados biométricos com base nos exames efectuados.

A final a acção improcedeu na totalidade, decisão que a Relação confirmou.

Os AA. pedem revista, insistindo no provimento das suas pretensões, como formuladas nos pedidos iniciais, a coberto do seguinte quadro conclusivo: 1. a. - O contrato de seguro celebrado entre o pai dos Autores e a Ré não padece da nulidade prevista no artigo 429.º do Código Comercial, porquanto a omissão da menção "asma" na Secção I do "Relatório Médico" (cujo preenchimento a Ré exigiu para celebrar o contrato de seguro) não é imputável ao pai dos Autores a título de dolo ou de negligência, circunstância essencial para proceder à aplicação de tal disposição legal.

  1. b.- Com efeito, para além de não se encontrar, sequer, indiciado que o pai dos Autores teve qualquer intenção de enganar a Ré, da matéria de facto dada como provada resulta, manifestamente, que aquele adoptou um comportamento de maior zelo e diligência que o homem médio, pois dirigiu-se ao Chamado para, atentos os especiais conhecimentos técnicos e relativos ao seu historial clínico que este detinha, assegurar que as suas declarações eram o mais exactas, completas e verdadeiras possível.

  2. c. - Sendo certo que a conduta do pai dos Autores se torna ainda menos merecedora de censura se tivermos em consideração que o seu próprio médico, o Chamado, alega que a "terminologia adoptada pelos médicos pneumologistas para identificar as várias patologias respiratórias está longe de ser unânime", utilizando de forma equivalente as expressões "bronquite" e "asma".

  3. d. - Não se encontra, assim, qualquer fundamento para considerar nulo o contrato celebrado entre o pai dos Autores e a Ré, devendo, atenta a demais matéria dada como provada (em especial relativamente à comunicação das cláusulas desse contrato ao pai dos Autores), o Acórdão sob recurso ser revogado, por violador do disposto no artigo 798.º do Código Civil, e substituído por outro que condene a Ré a cumprir as obrigações decorrentes do contrato celebrado com o pai dos Autores.

  4. a. - Mesmo que assim não se entenda, a verdade é que o Acórdão sob censura sempre deveria ter decidido em sentido diferente, já que a conduta da Ré no que concerne ao contrato celebrado com o pai dos Autores constitui um manifesto abuso de direito.

  5. b. - De facto, no presente processo, a Ré, apesar de ter recebido os prémios de seguro, de saber que o pai dos Autores padecia de uma patologia respiratória de relativa gravidade e de saber que este faleceu de uma causa lateral a essa patologia, pretende servir-se do artigo 429.° do C. Comercial, uma disposição destinada a evitar que as seguradoras possam ser levadas a assumir riscos elevados sem deles terem conhecimento ou contrapartida monetária, para se eximir ao pagamento das quantias reclamadas pelos Autores.

  6. C. - O carácter abusivo desta conduta torna-se ainda mais evidente se tivermos em consideração que o risco do óbito do pai dos Autores - verdadeiro cerne do contrato celebrado - vir a suceder, como efectivamente sucedeu, em nada foi agravado por aquela patologia.

  7. d. - Assim, deve o Acórdão sob recurso ser revogado, por violação do disposto no art. 334. ° do C.C., condenando-se a Ré a pagar as quantias peticionadas pelos Autores.

  8. a. - Ainda que assim não se entenda, sempre terá de ser condenado o Chamado, CC a pagar as importâncias peticionadas pelos Autores.

  9. b. Efectivamente, o Chamado adoptou uma conduta que constitui uma flagrante violação dos deveres de esclarecimento e...

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