Acórdão nº 07B2543 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Com fundamento na sua indevida inclusão, em consequência de comportamento culposo das rés, em listagem, elaborada pelo Banco de Portugal, de utilizadores de cheques que oferecem riscos, consequente à injustificada rescisão da convenção que lhes atribuía o direito de emissão de cheques, intentaram AA e as sociedades, de que esta é sócia gerente, Empresa-A, L.DA e Empresa-B, L.DA, em 06.06.2002, contra a Empresa-C, SA e o BANCO Empresa-D, SA (inicialmente Banco ..., SA) acção com processo ordinário em que pedem que as demandadas sejam condenadas a pagar-lhes as seguintes quantias: - a Empresa-C, € 62,25 a Empresa-A, L.da, por danos patrimoniais e € 25.000,00, a AA, por danos não patrimoniais; - ambas as rés, solidariamente, € 78.677,66 à Empresa-B, L.da, por danos patrimoniais, e € 15.000,00 a cada uma das autoras sociedades, por danos não patrimoniais, e tudo com juros de mora a partir da citação.
As ré contestaram, pedindo a Empresa-C que a acção seja julgada improcedente, tal como o fez o Banco réu, tendo este acrescentado que, a existir responsabilidade da sua parte, ela só se verificaria relativamente à Empresa-B, pois que só esta era sua cliente, não o sendo as outras duas autoras.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Empresa-C a pagar, como indemnização por danos não patrimoniais, € 7.500,00 à autora AA e € 5.000,00 à Empresa-B, com juros à taxa de 4% desde a data da sentença até efectivo pagamento, tendo absolvido a Empresa-C do mais pedido e o Banco de todo o pedido.
Da sentença foi interposto recurso de apelação, quer pelas autoras quer pela ré Empresa-C.
Porém, o recurso da Empresa-C foi julgado deserto, por decisão de que esta agravou.
A Relação de Coimbra conheceu da apelação das autoras, julgando-a parcialmente procedente, condenando a Empresa-C a pagar também à Empresa-A, L.da as quantias de € 62,25 e de € 5.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, confirmando tudo o mais sentenciado.
As autoras, intentando lograr a procedência total da acção, e a ré Empresa-C, almejando a absolvição do pedido, recorreram para o STJ, pedindo revista.
O Supremo, começando pelo conhecimento do recurso de agravo, interposto pela Empresa-C, negou-lhe provimento, confirmando a decisão agravada.
E, entrando na apreciação dos recursos de revista, considerou que a decisão do acórdão recorrido sobre a matéria de facto evidenciava contradição entre alguns dos factos dados como provados, verificando-se ainda omissão de pronúncia, por parte da Relação, sobre um requerimento em que era pedida a rectificação de erros de escrita e correcção de inexactidão e lapso manifesto, constantes do dito acórdão na parte respeitante à mesma decisão sobre a matéria de facto.
Daí que tenha ordenado a baixa do processo à Relação para que, se possível com os mesmos Desembargadores, fosse julgada novamente a causa, depois de sanada a decisão da matéria de facto quanto à apontada contradição e às alegadas incorrecções.
Retornado o processo à Relação, aí foi proferido novo acórdão que, anulando o julgamento da 1ª instância e termos subsequentes, determinou a sua repetição, a incidir sobre os números da base instrutória de cujas respostas constavam os factos em contradição e, eventualmente, sobre outros números já elaborados ou a elaborar, de modo a evitar possíveis contradições.
Repetido o julgamento, na 1ª instância, foi proferida nova sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, absolveu do pedido o Banco réu e condenou a ré Empresa-C a pagar - à autora AA a quantia de € 8.000,00; - à autora Empresa-B, L.da o montante de € 5.500,00; e - à autora Empresa-A, as quantias de € 5.500,00 e de € 62,25, sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da sentença até efectivo pagamento.
Desta sentença apelaram a Empresa-C e os autores, mas o recurso destes foi julgado deserto, por falta de alegações.
Quanto ao recurso da Empresa-C, a Relação julgou-o improcedente, confirmando a sentença recorrida.
De novo inconformada, a Empresa-C traz agora a este Supremo Tribunal recurso de revista, devidamente minutado e com um leque de conclusões sintetizável do modo seguinte: 1ª - A ora recorrente agiu sempre, no decurso de toda a ocorrência reportada nos autos, em estrita obediência às normas prescritas no Dec-lei 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec-lei 316/97, de 19 de Novembro, que cumpriu, como se lhe impunha. Assim, 2ª - Ao entender, como se depreende da decisão recorrida, - que a autora AA no decorrer do prazo que para o efeito lhe foi concedido regularizou a situação criada pelo cheque sem cobertura, com a emissão de um outro em substituição daquele, cujo valor foi debitado pela Caixa na conta da A. Empresa-A - o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação das normas dos arts. 1º, n.os 1 e 2 e 1º-A, n.os 1 e 3, do citado Dec-lei 454/91, que violou, dado que expressamente prescrevem que a regularização apenas se faz «...mediante consignação em depósito ou pagamento directamente ao portador do cheque ...» - o que não foi feito - e que tal pagamento deve ser «...comprovado perante a instituição de crédito sacada...» - o que apenas ocorreu em 27/06/00, muito após o «prazo de 30 dias consecutivos», que expirara em 04/06/00; - que a Empresa-C devia ter considerado sanada a situação, o que não fez, dado que rescindiu a convenção de cheque que havia celebrado com a autora AA e comunicou a situação ao Banco de Portugal, implicando que esta fosse incluída na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco - o Tribunal a quo violou lei substantiva, por erro na interpretação e aplicação das normas do mesmo diploma, contidas no art. 1º, n.º 1, em conjugação com a do n.º 2 e as dos n.os 1 e 3 do art. 1º-A - que impõem o dever de rescindir qualquer convenção que atribua o direito de emissão de cheques em situações como a do caso sub judice, a do art. 2º, a) - que obriga à comunicação ao Banco de Portugal de todos os casos de rescisão da convenção de cheque e ainda a do n.º 1 do art. 3º, conjugada com a do n.º 4 do art. 1º - que prescreve a inclusão na dita listagem em situações como a os autos; 3ª - Carece, portanto, de qualquer fundamento factual ou jurídico pertinente(s) a imputada actuação ilícita e culposa da ora recorrente feita pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, não podendo, assim, ser a ora recorrente a qualquer título responsabilizada por qualquer dos danos alegadamente verificados; isto, 4ª - Ainda porque, além de não concorrerem no caso sub judice dois dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos - a ilicitude e a culpa - relativamente a qualquer das autoras, não se verifica a ocorrência de qualquer dano não patrimonial relativamente às duas sociedades autoras e, no que respeita à autora AA, inexiste qualquer nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Com efeito, 5ª - Pelas razões aduzidas no corpo das alegações, impõe-se concluir também, além do mais já exposto, a não ocorrência de qualquer dano para as sociedades autoras, imputável ou não à actuação da ora recorrente, 6ª - E a inexistência de qualquer nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, relativamente à autora AA, nexo esse, aliás, explicitamente afastado pelo tribunal a quo - que constitui pressuposto que, cumulativamente com os restantes, sempre teria de verificar-se para justificar a condenação da ora recorrente no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos; 7ª - De igual modo, relativamente à verba que o Tribunal a quo condena a ora recorrente a pagar à autora Empresa-A, por despesas decorrentes do processo desencadeado para celebração de novas convenções de cheque, carece de qualquer fundamento factual ou jurídico pertinente, dado que a rescisão que lhe está na origem, como procurou demonstrar-se, foi perfeitamente lícita e ficou exclusivamente a dever-se à actuação dessa sociedade e da sua única sócia e gerente, a autora AA; 8ª - Assim, quando, ao invés, o Tribunal a quo condenou a ora recorrente no âmbito dessa responsabilidade, não só tomou uma decisão que está em oposição com a factualidade material da causa efectivamente apurada que lhe está subjacente - art. 668º, n.º 1 c) do C.P.C. - como errou ainda na interpretação e aplicação da norma do art. 483º do Cód. Civil, que igualmente violou.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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As instâncias deram como provados os factos seguintes: 1) A autora AA é sócia-gerente das autoras Empresa-A, L.da e Empresa-B, L.da, sendo a única sócia daquela; 2) A autora Empresa-A, L.da é uma sociedade unipessoal por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra sob o n.º 6.695, que tem por objecto o comércio de mobiliário, artigos decorativos e de lar, importação e exportação, e é titular da conta de depósitos à ordem n.º 2513209637530, na agência Central de Coimbra da ré Empresa-C; 3) A autora Empresa-B, L.da é uma sociedade comercial, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra sob o n.º 1260, que tem por objecto o comércio de artigos decorativos e de iluminação, e é titular da conta de depósitos à ordem aberta na agência da Rua da Sofia, em Coimbra, do réu Banco Empresa-D, com o n.º ...., sendo que, no período que mediou entre Maio e Novembro de 2000, esta sociedade obrigava-se perante o Banco com a assinatura da AA; 4) Na qualidade de gerente daquelas sociedades a autora AA convencionou com os réus (Empresa-C e Empresa-D) a possibilidade de movimentar as referidas contas através de cheques fornecidos por eles; 5) A autora AA, em nome individual, é titular, na agência de Espinho da ré Empresa-C, da conta de depósitos à ordem n.º ...., tendo convencionado a possibilidade de a movimentar através de cheques; 6) Ao abrigo da convenção mencionada em 4), a...
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