Acórdão nº 509/08.8TBSCB-K.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório.

    Em contramão com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra [[1]], que na procedência da apelação impulsada pela “AA. Lda.” revogou a decisão do Tribunal de Santa Comba Dão que tinha julgado improcedente a acção de impugnação de resolução impelida pelo administrador da recorrida “AA. Lda.”, recorre a demandada “BB, Lda.”, tendo rematado o acervo recursivo com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. “I – Surgem as presentes alegações na sequência do recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou procedente o recurso de apelação interposto por AA, Lda.” e, consequentemente, revogou a sentença proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância que havia julgado totalmente procedente a Acção de Impugnação da Resolução do Contrato de Penhor de Depósito a Prazo instaurada pela aqui Recorrente contra a agora Recorrida AA, Lda..

    II – Com relevância para o objecto do presente recurso foram apreciadas pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra as seguintes questões: a) saber se a sentença proferida pelo Colendo Tribunal de Primeira Instância era nula por violação da al. b) do n.º 1 do art. 668.º do Código do Processo Cível; b) saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 120.º e 123.º do CIRE.

  2. - O Colendo Tribunal de Relação de Coimbra entendeu não assistir razão à Apelante “AA, Lda.”, na questão de nulidade invocada tendo concluído que a decisão recorrida não era nula porquanto não padecia do vício a que alude a al. b) do n.º 1 do art. 668.º do Código do Processo Civil, sustentando de modo claro e inequívoco que a sentença proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância continha a especificação dos fundamentos de facto e de direito que a haviam justificado, mais concluindo que esta não era omissa na sua fundamentação quer de facto quer de direito.

    IV – Entendeu no entanto o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra assistir razão à agora Recorrida na invocação que formulou de a sentença proferida pelo douto Tribunal de primeira instância ter violado o disposto nos artigos 120.º e 123.º do CIRE V – Entende a ora Recorrente, nesta questão, ter existido manifesto erro de julgamento nos fundamentos e no enquadramento jurídico na análise que é feita da questão apreciada tendo o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra actuado com erro quer na análise e interpretação da matéria de facto quer no enquadramento e interpretação jurídica a dar à questão em apreço.

    VI – Pelo Tribunal de Primeira Instância foi julgada a Matéria de Facto constante da base instrutória donde resulta e se afere ter sido dada como provada toda a factualidade alegada pela Autora, aqui Recorrente, na Acção de Impugnação de Resolução por esta instaurada contra a agora Recorrida AA, Lda. ao abrigo do estatuído no art. 125.

    0 do CIRE.

    VII – Não se verificou reclamação alguma por qualquer das partes à resposta à Matéria de Facto constante da Base Instrutória fixada.

    VIII – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra expressamente refere que a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância continha a especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificavam e não era omissa na sua fundamentação quer de facto quer de direito, sendo esta inequívoca quanto à inexistência de prejudicialidade no acto praticado.

    IX – Não tendo a CC, S.A. participado no acto resolvido pelo Senhor Administrador da Insolvência (nem tal é alegado na carta de resolução por ele dirigida à ora Recorrente com esse fim) nem aproveitado do respectivo acto, de igual modo, foi produzida prova suficiente, no entendimento do Colendo Tribunal de Primeira Instância, para ilidir a presunção de má fé que se retira do n.º 4 do art. 120.º do CIRE.

    X – Tanto mais que é a agora Recorrida, na pessoa do seu legal representante, que expressamente assume nos autos de Insolvência que a Insolvente, "até finais de 2007, apresentava viabilidade económica e financeira", sendo que o penhor foi constituído aos 23 de Novembro de 2006, muito antes de existirem sinais que pudessem sugerir a insolvência que muito mais tarde veio a ocorrer.

    XI – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, ignorando a prova produzida, concluiu pela existência da prejudicialidade do acto em razão do estatuído na al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE por remissão do n.º 3 do art. 120.º do CIRE e concluiu de igual modo pela existência de má fé de terceiro simplesmente por esta se presumir com base no disposto no n.º 4 do art. 120.º do CIRE.

    XII – Ignorando o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra que havia sido produzida prova de que não existiu aproveitamento do acto/penhor por pessoa especialmente relacionada com a Insolvente e de que não se verificou má fé de terceiro em quaisquer dos actos praticados.

    XIII – Corno provado ficou em sede de Primeira Instância (e confirmado pela sentença que qualificou a insolvência corno culposa, nunca posta em causa pela ora Requerida) que se o acto da constituição do penhor não tivesse sido praticado não teria sido concedido o empréstimo à CC, S.A. e esta não disporia dos fundos para transferir para as suas participadas, ficando a Insolvente privada dos fundos necessários à constituição do Depósito a Prazo dado em penhor.

    XIV – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra analisa a questão em discussão única e exclusivamente em face da resolução operada ao contrato de penhor, ignorando e desvalorizando a questão de o contrato de penhor em discussão ter sido celebrado corno consequência e garantia da celebração de um mútuo com sociedade em relação de grupo com a Insolvente, ou seja, ignora o circunstancialismo de se tratar de um contrato coligado.

    XV – De facto, o Tribunal da Relação de Coimbra ao perfilhar o entendimento (ao contrário do entendimento tido pelo Tribunal de Primeira Instância) de que o acto resolvido e impugnado se circunscreve ao acto da Insolvente de dar em penhor à agora Recorrente, ignora, mal no entendimento da Recorrente, questão essencial na constituição do penhor em apreço, designadamente, a relação jurídica subjacente à sua constituição.

    XVI – Entende a Recorrente, com todo o devido respeito, que, nesta interpretação distinta, a razão encontra-se do lado do Tribunal de Primeira Instância, tendo o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra feito urna errada interpretação jurídica dos factos dados corno provados.

    XVII – A agora Recorrente discorda óbvia e veementemente do entendimento perfilhado pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, urna vez que é evidente que a dependência da celebração de um contrato (mútuo) em relação a outro (penhor) os toma necessária e objectivamente obrigados a serem apreciados à luz da coligação que os caracteriza.

    XVIII – Estamos pois no domínio dos contratos coligados – coligação essa manifestamente ignorada pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra – e que no entendimento da aqui Recorrente, com o devido respeito, constitui evidente erro jurídico na interpretação dos factos.

    XIX – A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-09-2008 proferido por unanimidade donde se retira de modo claro e inequívoco que "uma das manifestações da coligação recíproca de contratos na sua disciplina que mais frequentemente é apontada é a da aplicação do principio expresso no brocardo “simul stabunt, simul cedent”, segundo o qual a extinção de um dos contratos coligados afectará o outro".

    XX – É precisamente a situação do caso em discussão e ignorada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, mas bem assente pelo Tribunal de Primeira Instância, onde se demonstrou ter ficado provado que o empréstimo de € 2.500.000,00 concedido pela Autora à sociedade CC, S.A. foi efectuado sob condição sine qua non de ser constituído pela Insolvente AA Lda. a favor da Mutuante o Penhor de Depósito a Prazo no valor de € 2.500.000,00 constituído pelos fundos provenientes do empréstimo, ignorando e desvalorizando a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que a existência do Depósito a Prazo dado em Penhor "se deve, apenas e tão só, à constituição do mútuo à CC" (sublinhado nosso).

    XXI – Neste domínio de contratos coligados é inequívoco que o penhor só foi celebrado por causa do contrato de mútuo, sendo que, sem mútuo não haveria penhor e para haver mútuo era necessário que houvesse penhor.

    XXII – Entendimento este que, necessariamente, colide com a natureza jurídica e razão de ser do próprio penhor, que, como garantia real que é, visa conferir "ao credor o direito à satisfação de seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de Hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro" (sublinhado nosso) – art. 666.º do Código Civil.

    XXIII – Sendo inequívoco que, nos termos do estatuído no art. 677.º do Código Civil, a extinção do penhor em apreço apenas poderia verificar-se pelo pagamento à agora Recorrente do financiamento que concedeu e que lhe deu causa.

    XXIV – Analisar-se a questão em apreço única e exclusivamente pela apreciação da resolução do contrato e ignorar a relação que lhe deu causa é manifestamente subverter a razão de ser da existência do instituto do Penhor em si mesmo considerado.

    XXV – Desconsiderar a natureza da operação verificada é ignorar a sua natureza de contratos coligados que se trata., sendo que, entre ambos terá sempre de existir uma dependência funcional recíproca vital – o de penhor e o de mútuo que lhe deu causa e que permitiu a sua constituição, pois os dois contratos (mútuo/penhor) encontram-se coligados por um nexo funcional recíproco.

    XXVI – A garantia (penhor) prestada foi constituída de acordo com a Lei e obedeceu a todos os formalismos legais exigíveis, sendo certo e inequívoco que, e apesar das duvidas suscitadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a prestação de garantias reais por uma sociedade a outra sociedade em relação de domínio ou de grupo não é contrária ao fim da...

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