Acórdão nº 190/2001.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelSAMPAIO GOMES
Data da Resolução13 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I ) 1. AA deduziu acção declarativa, com processo especial, emergente de doença profissional, contra “BB”, com sede em França, pedindo que se condene a R. a pagar-lhe a quantia de PTE 28.766.334$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação.

Alegou, para tanto e em síntese, que: - celebrou com a R. um contrato de trabalho para prestar serviço como encarregado geral da construção civil e estradas, na República do Iraque, para onde se deslocou em Fevereiro de 1981; - que em Abril de 1982 desenvolveu tuberculose pulmonar, a qual resultou da exposição às poeiras e condições envolventes em que se processava o seu trabalho; - que desenvolveu forte alergia a todo o tipo de poeiras, nomeadamente, provocadas por cimento, levantamento de areias e deslocação de terras e que em consequência ficou totalmente incapacitado para o exercício da sua profissão.

Mais alega que a R. lhe pagou os primeiros três meses de baixa e depois até Fevereiro de 1984 quem procedeu ao pagamento foi a Companhia de Seguros CC, o que deixou de fazer alegando que o A. se encontrava curado, sendo certo que a R. alegava que havia transferido para a seguradora a sua responsabilidade infortunística.

Alega, por último, que à data em que contraiu a doença auferia PTE 200.000$00 por mês.

A R. não apresentou contestação.

Na fase de saneador, o Tribunal Judicial de Monção, onde a acção havia sido proposta, julgou-se materialmente incompetente, ordenando a remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, onde foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.

Inconformado com o decidido, o A. interpôs recurso sendo aquela decisão objecto do Acórdão da Relação do Porto, de 2002-04-15, que anulou o julgamento, para ampliação da matéria de facto, nos termos que se transcrevem na parte pertinente: “Daí que seja indispensáve a ampliação da matéria de facto, para que os autos sejam instruídos com o direito estrangeiro aplicável, sendo, como é, internacionalmente competente o tribunal do trabalho português para conhecer da acção – arts. 11º e 16º nº 3, ambos do CPT de 1982.

Assim, nos termos do nº 4 do art. 712º do CPC., decide-se anular a decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, isto é, “para instruir os autos com o direito estrangeiro aplicável”, e para, depois, se fazer a sua subsunção aos factos provados.” Entretanto, foi junta a pertinente legislação da República Francesa.

Apesar de inúmeras tentativas, não se logrou obter a legislação da República do Iraque referente a doenças profissionais.

Perante esta impossibilidade e após notificação, o A. veio declarar que deverá ser aplicada a lei portuguesa, nos termos do Art.º 23.º, n.º 2, do Cód. Civil.

Proferida sentença foi a R., de novo, absolvida do pedido.

Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto declarado os tribunais portugueses incompetentes em razão da nacionalidade e decidido absolver a R. da instância ficando, assim, prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.

  1. De novo inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo havia declarado a Lei portuguesa competente em razão da nacionalidade, ao abrigo do artigo 23°, n°2 do Código Civil, dela não foi apresentado qualquer recurso ou reclamação, tendo a mesma transitado em julgado.

  2. O Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferiu acórdão de apelação de 17/04/02 tendo considerado a Lei do País onde ocorreu o facto danoso como lei aplicável, e confirmado a decisão processual do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, que declarou competente, in casu, internacionalmente o Tribunal Português, e desta decisão, também, não foi apresentado qualquer recurso ou reclamação, tendo a mesma transitado em julgado.

  3. A decisão judicial considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, o que aconteceu em ambos os casos.

  4. O caso julgado garante, pois, a impossibilidade de o tribunal decidir a mesma questão por mais do que uma vez, seja de forma diversa, seja da mesma forma - Vide Miguel Teixeira de Sousa, BMJ 325, páginas 49 e seguintes, isto é, a mesma questão não pode voltar a ser apreciada nos autos, por se ter formado sobre ela caso julgado - Ac. Relação do Porto, de 26/10/2009, Processo n° 1208/07.3TTPRT.1.P1.

  5. Estamos in casu, perante um caso flagrante de caso julgado, isto porque no campo processual, a decisão da competência não foi alvo de qualquer recurso ou reclamação, tendo transitado já em julgado.

  6. O Venerando Tribunal da Relação do Porto, agora, não podia ter voltado a apreciar a questão da competência, visto que a mesma já foi decidida, com trânsito em julgado, pelo Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo e pela própria Relação.

  7. Por outro lado, a regra geral da competência, disposta no artigo 2º da Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial diz: "sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse estado." 8. Tal, tem aplicabilidade, sem prejuízo do disposto na convenção que por sua vez no artigo 3º refere que contra as pessoas domiciliadas no território de um estado contratante, não podem ser invocadas, nomeadamente, em Portugal, as regras constantes dos seguintes artigos: artigo 65°, n°l c) e n°2, artigo 65°-A, alínea c), ambos do CPC e artigo 11° do Código de Processo de Trabalho.

  8. A mesma convenção, nada proíbe, porém, em relação ao artigo 16° do Código de Processo de Trabalho, que é uma norma especial relativa às acções emergentes de doenças profissionais.

  9. Esta norma, diz ser competente o Tribunal do lugar onde o doente trabalhou pela última vez em serviço susceptível de originar a doença.

  10. Perante tal norma, é competente, in casu, o Tribunal Iraquiano.

  11. Não se logrou obter a legislação da República do Iraque referente a doenças profissionais.

  12. "Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira, recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente competente" - artigo 23°, n°2 do Código Civil.

  13. 0 n°3 do referido artigo 16° do Código de Processo de Trabalho acrescenta ser também competente o Tribunal do domicilio do doente se a participação aí for apresentada ou se ele o requerer até à fase contenciosa do processo.

  14. Prevalecendo a convenção, que nada diz em relação a tal matéria, sempre seria de aplicar o artigo 5º, n°3, que também se trata de uma norma especial, em detrimento da regra geral.

  15. O supra citado artigo refere que "em matéria extracontratual, (...) perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso".

  16. Voltando, novamente, ao disposto no já referido artigo 23°, n°2 do Código Civil.

  17. Não há qualquer conflito entre as normas do Código de Processo de Trabalho (Decreto-lei n°272-A/81 de 30 de Setembro) e as normas da Convenção Internacional.

  18. A convenção nada refere, no caso concreto das acções emergentes de doenças profissionais, e, apenas, proíbe a aplicação da regra geral da competência internacional porque esta sim entraria em conflito com a regra geral disposta na Convenção.

  19. Na falta de disposição internacional, aplica-se a lei portuguesa, ou seja, in casu, a regra constante do artigo 16° do Código de Processo de Trabalho.

  20. Se as normas internacionais prevalecem em qualquer situação sobre a Lei interna do Pais, então, sempre se dirá que a Lei especial internacional prevalecerá sobre a Lei Geral internacional.

  21. Ou seja, a serem aplicadas normas internacionais, não será com certeza a Convenção de Bruxelas de 1968 que nada refere, como já foi dito, em relação às acções emergentes de doenças profissionais e é aplicável a matéria civil e comercial.

  22. Mas sim, e isto porque existe regulamentação internacional nesta área específica do direito: a Convenção n°18 da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T), ratificada por Portugal no Decreto 16 587 de 9/3/29, publicado no Diário da Republica D.G. I Serie n°57 de 12/3/29 e registado no B.I.T em 27/3/29.

  23. A mesma convenção refere que "qualquer membro da organização internacional do trabalho que ratificar a presente convenção compromete-se a assegurar às vítimas de doenças profissionais ou aos seus sucessores no direito, uma reparação baseada nos princípios gerais da sua legislação nacional sobre a reparação de acidentes de trabalho".

  24. Tendo Portugal ratificado a supra referida convenção da O.I.T. específica desta área do direito, dela se infere que os Tribunais de Trabalho Portugueses têm competência internacional para julgarem o pleito.

  25. 0 aqui recorrente, quando assinou o contrato conexo com o presente litígio vivia em Portugal. 27. É, ainda, neste País que mantém a sua residência habitual, sendo também o País da sua nacionalidade.

  26. 0 autor, aqui recorrente, ficou incapacitado para o trabalho desde o ano de 1982.

  27. A doença de que é vítima manifestou-se já em Portugal, quando se encontrava de férias.

  28. Tem vivido, desde então, em Portugal em condições precárias à espera que lhe seja feita justiça.

  29. Tem sobrevivido graças à ajuda de familiares, pois a sua incapacidade é manifesta, o que o impede de poder angariar o seu sustento, não tem qualquer possibilidade quer económica quer física para se deslocar a França, ou qualquer outro Estado e, aí, pagar os custos do processo.

  30. Aliás, a insuficiência económica do Autor...

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