Acórdão nº 07B1710 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA, menor, representada pelos seus pais, intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Pombal, em Maio de 2001, acção com processo ordinário contra COMPANHIA DE SEGUROS I..., S.A.
, reclamando desta o pagamento da quantia de 7.583.000$00 - acrescida de juros moratórios legais até efectivo e integral pagamento - como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que diz ter sofrido em consequência do acidente de viação, ocorrido em 30.08.98, na estrada que liga Arnal a Valongo, em que estiveram envolvidos o auto ligeiro de passageiros, de matrícula ...-...GD, segurado na ré, e um velocípede conduzido pela autora.
O acidente, traduzido em colisão frontal entre o veículo automóvel e o velocípede, ter-se-ia devido a culpa exclusiva da condutora daquele veículo, dele tendo resultado para a autora danos patrimoniais e não patrimoniais, quantificáveis no montante peticionado, e por cujo ressarcimento é responsável a ré.
Contestada a acção e prosseguindo esta a sua legal tramitação, veio a ser proferida sentença, que a julgou improcedente, com a consequente absolvição da ré.
Fundou-se a douta decisão na falta de prova de factos susceptíveis de configurarem a culpa da condutora do veículo automóvel, e na impossibilidade de fazer intervir as regras da responsabilidade objectiva, previstas no art. 503º do CC, por ser o acidente imputável à própria autora (art. 505º do mesmo diploma).
A autora apelou, mas sem êxito, pois a Relação de Coimbra, em acórdão oportunamente proferido, negou provimento ao recurso, confirmando, com a mesma fundamentação, a sentença da 1ª instância.
Desse acórdão traz agora a autora a este Supremo Tribunal a presente revista, tendo rematado as suas alegações - nas quais intenta demonstrar que o acidente ocorreu também por culpa da condutora do Renault, ainda que concorrente com a sua própria culpa - com a enunciação das seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Da matéria apurada - embate do veículo automóvel com a parte esquerda (farol, farolim e guarda-lamas esquerdo) na parte frontal da perna, na face e no braço esquerdo da autora, e no quadro e na roda traseira do lado esquerdo do velocípede - terá de concluir-se que o embate ocorreu na faixa esquerda da via, atento o sentido Arnal-Valongo; mas, 2ª - Mesmo a admitir-se provir a autora da Rua do Jamboínho, sempre a condutora do auto - a quem se exige, como a um condutor médio, que seja avisada, prudente e cuidadosa - ao ver uma menor a circular numa bicicleta, para entrar na via, onde já circulava o Renault, podia e devia - querendo - afrouxar e evitar o embate; 3ª - Como é sabido, a regra da prioridade não é absoluta, e a ilicitude não se confunde nem se identifica com a culpa, devendo, em cada caso, ser interpretada e analisada consoante as circunstâncias de tempo, modo, lugar e dinâmica dos veículos, tal como o grau de exigência a cada um dos condutores; 4ª - Por erro de interpretação e/ou aplicação, não foram correctamente observados e aplicados, e mostram-se, por isso, violados, os arts. 70º, 481º, 487º, 494º, 496º, 499º e 562º do Código Civil, e os arts. 13º/1, 24º/1 e 25º/1.a) e f) do Código da Estrada.
Em contra-alegações, a ré pugna pelo não provimento do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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É a seguinte a MATÉRIA DE FACTO que vem fixada das instâncias: 1. No dia 30.08.98, pelas 16.15 horas,, junto á localidade de Vila Verde, S. Simão de Litém, Pombal, ocorreu um acidente de viação; 2. Tal acidente consistiu na colisão frontal do veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo 19, matrícula ...-...-GD, com um velocípede sem motor auxiliar; 3. O veículo automóvel encontrava-se então registado em nome de A...M...S... e de BB; 4. O velocípede pertencia à autora; 5. Nas circunstâncias de tempo e de lugar acima referidas, a BB conduzia o veículo automóvel pela estrada municipal que liga as localidades de Arnal e Valongo, nesse sentido de marcha; 6. No local do acidente existe um entroncamento onde confluía a estrada que liga Valongo a Arnal e uma outra via, à direita, atento o sentido de marcha Arnal-Valongo; 7. Aquando do acidente era de dia, o tempo estava bom e o sol aberto; 8. Em consequência do acidente o velocípede conduzido pela autora ficou com a roda de trás empenada, assim como o quadro; 9. Através do contrato de seguro válido à data do acidente e titulado pela apólice n.º ...-...-43-43755303, o proprietário do veículo automóvel tinha transferido para a ré a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados por esse veículo; 10. A autora nasceu a 04.07.1988; 11. Nos momentos imediatamente anteriores à eclosão do acidente, a autora circulava pela rua do Jamboínho, com direcção à estrada que liga as localidades de Arnal e Valongo, montada no seu velocípede; 12. O veículo Renault ...-...-GD embateu com a sua parte frontal esquerda, junto à zona do farol frontal esquerdo, no velocípede em que a autora se fazia transportar, não tendo sido possível determinar o local exacto em que este foi embatido; 13. O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da estrada que liga as localidades de Arnal a Valongo, considerando o sentido de marcha Arnal-Valongo; 14. Em local exacto que não foi possível determinar, da estrada que liga as localidades de Arnal e Valongo, ficaram estilhaços de vidro do veículo Renault; 15. Com o embate, a autora foi impulsionada e elevada, vindo a embater contra a parte esquerda do pára-brisas do veículo Renault; 16. Após, a autora foi projectada para a estrada, acabando por ficar imobilizada na berma esquerda, considerando o sentido Arnal-Valongo, a distância exacta do local do embate que não foi possível determinar, apresentando a autora ferimentos, traumatismos e hemorragias; 17. Após o embate, o veículo Renault ainda prosseguiu a sua marcha durante alguns metros, acabando por se imobilizar junto ao limite direito da faixa de rodagem por onde seguia, atento o seu sentido de marcha, não tendo sido possível determinar a distância exacta entre o local do embate e o local de imobilização do veículo; 18. O velocípede da autora ficou imobilizado na metade esquerda da faixa de rodagem da estrada que liga as localidades de Arnal a Valongo, considerando o sentido de marcha Arnal-Valongo, não tendo sido possível determinar a distância exacta entre o local do embate e o local de imobilização do velocípede; 19. No local, a via desenvolvia-se em traçado recto, em cerca de 200 metros, era asfaltada, tinha o piso em razoável estado de conservação, tinha 5 metros de largura, nela podendo processar-se trânsito nos dois sentidos; 20. No momento do acidente registava-se pouco tráfego rodoviário na estrada em que ele ocorreu; 21. Em consequência do acidente e das lesões para si resultantes do mesmo, a autora foi transportada, de urgência, numa ambulância dos Bombeiros Voluntários de Pombal, ao H. D. de Pombal; 22. Aqui foi observada e examinada; 23. Do H. D. de Pombal a autora foi transferida e transportada para o Hospital Pediátrico de Coimbra; 24. Neste, foram-lhe diagnosticados esfacelo da perna esquerda, expondo a tíbia sem fractura, a nível do terço médio, ferida em estrela do joelho, ferimento abrasivo da região dos gémeos e feridas inciso-contusas na região malar e palpebral esquerda; 25. No H. P. C. a autora foi sujeita a intervenção cirúrgica sob anestesia geral; 26. A autora ficou internada e sujeita a tratamento médico e medicamentoso, no H. P. C., durante seis dias; 27. A autora teve alta em 04.09.98, regressando ao seu domicílio em Portugal, sito em Vila Verde, S. Simão de Litém, Pombal, sob prescrição médica, com o membro inferior esquerdo imobilizado; 28. Durante o período em que permaneceu no seu domicílio em Portugal, a autora recebeu tratamento no posto médico de S. Simão de Litém; 29. Em data exacta que não foi possível determinar, compreendida entre 07.09.1998 e 11.09.1998, a autora foi transportada de ambulância, da sua residência em Portugal para o aeroporto de Lisboa, de onde embarcou com destino à sua residência sita em França; 30. A autora retirou parte dos fios da sutura a que foi sujeita na clínica "Du Bois de Verrière", em Antony, França; 31. Em França a autora foi sujeita a oito sessões de fisioterapia; 32. Em consequência do acidente e das lesões para si emergentes do mesmo, a autora apresenta as cicatrizes melhor examinadas e descritas no ponto 2º (Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento) do exame objectivo relatado a fls. 93, que, nessa parte, aqui se dá por integralmente reproduzido; 33. Essas cicatrizes causam desgosto e inibição à autora, que se sente triste e diminuída perante os colegas e demais pessoas com quem convive; 34. A autora evita, agora, usar saias; 35. Sofreu perda de afirmação pessoal; 36. As cicatrizes referidas em 32. e 33. permanecerão para toda a vida; 37. Por causa do acidente, os pais da autora tiveram de retardar a viagem de regresso a França, que já tinham programada, o pai em cerca de uma semana e a mãe até à data da partida para França; 38. Em transportes, os pais da autora despenderam quantia exacta que não foi possível determinar; 39. A autora sofreu dores graduáveis no nível 4, numa escala de gravidade crescente em que o nível mínimo é 1 e o máximo é 7; 40. Antes do acidente a autora era uma criança saudável, alegre, desinibida, sem antecedentes médicos e cirúrgicos ou defeitos físicos; 41. À data do acidente a condutora do veículo Renault tinha pouca experiência, pois só estava habilitada a conduzir veículos automóveis dessa categoria desde o dia 03.03.1998; 42. No dia, hora e local do acidente, o dono do veículo Renault seguia neste, como passageiro; 43. A autora vive com os seus pais, sendo que esse agregado sobrevive dos rendimentos do trabalho dos pais da autora; 44. A autora é estudante; 45. O entroncamento referido em 6. era formado pela estrada que liga as localidades de Arnal e Valongo, por um lado, e pela rua do Jamboínho, que conduz a Vila...
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