Acórdão nº 07A2727 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução25 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou em 13.11.2002, pela Vara Mista da Comarca de Coimbra - 1ª Secção - acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: Companhia de Seguros BB, S.A., CC.

Pedindo que os RR. sejam condenados a pagarem-lhe a quantia de € 742.767,40 acrescida de juros de mora à taxa legal, a partir da citação, bem como a pagarem-lhe todos os tratamentos, despesas, cirurgias que as lesões provocados pelo acidente exigirem, recomendarem, ou que sejam necessários à qualidade de vida do Autor, e ainda, os danos que decorrerem do agravamento de tais lesões.

Fundamenta este seu pedido num acidente de viação que o vitimou, no dia 30 de Abril de 2000, pelas 12,30 horas, quando seguia ao volante de um automóvel, na E.N. nº1, ao quilómetro 197,750, na área da localidade de Sargento-Mor, tendo sido embatido pelo veículo conduzido pela R. CC que, devido a excesso de velocidade, saiu da faixa de rodagem que lhe estava destinada, entrou na faixa oposta e foi aí embater no veículo por si conduzido, causando-lhe, em consequência, as lesões corporais que indicou.

Pretende ser ressarcido dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.

O pedido foi deduzido também contra a Ré CC porque, na tese do Autora, ultrapassa o máximo de capital relativo ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

A Ré Seguradora contestou, referindo, em síntese, que não impugna as circunstâncias em que o acidente ocorreu, sendo, porém certo que desconhece as causas do despiste.

Aceita que o Autor sofreu lesões físicas e que esteve internado no hospital, mas discorda da incapacidade permanente parcial, admitindo apenas uma incapacidade de 10%.

Não aceita também os critérios e montantes indemnizatórios pedidos.

Termina pedindo que a procedência parcial do pedido, de acordo com os factos que se vierem a apurar e respectivo direito aplicável.

A Ré CC também contestou, aceitando a descrição do acidente feita pelo Autor, mas nega que circulasse a mais de 50 quilómetros por hora e que o despiste se tenha devido a excesso de velocidade, tendo ocorrido antes devido ao facto de chover e o piso estar escorregadio.

Quanto aos danos aceita que o Autor sofreu lesões corporais, mas ignora em concreto que lesões, sua extensão e incapacidade daí resultantes, sustentando que os valores pedidos a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são exagerados.

Concluiu também pela procedência parcial do pedido, de acordo com os factos que se vierem a apurar.

*** O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, e a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se as RR., solidariamente, a pagarem ao Autor: 1 - A quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente às perdas salariais durante o período de incapacidade permanente total, até ao limite de € 39.664,52 (trinta e nove mil seiscentos e sessenta e quatro euros), mais juros de mora.

2 - A quantia de € 90.018,70 (noventa mil e dezoito euros e setenta cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais de mora, desde a citação.

3 - A quantia de € 30,000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescerão juros após cinco dias sobre a notificação desta sentença à seguradora.

A estas quantias de capital são subtraídos € 7.232,6 (sete mil, duzentos e trinta e dois euros), já pagos pela seguradora antes de instaurada a acção.

No mais, foi a acção improcedente e absolvidos as RR. dos pedidos.

*** Inconformados apelaram o Autor, a Ré CC e a Ré Seguradora, esta subordinadamente.

*** O Tribunal da Relação de Coimbra por Acórdão de 23.1.2007 - fls. 590 a 608 decidiu: "

  1. Julgar procedente o recurso interposto pela R. CC, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, declarando-se que a R., Seguradora, deve, em exclusivo, em virtude do contrato de seguro que celebrou, satisfazer os montantes das indemnizações fixadas pelo tribunal, absolvendo-se, consequentemente, a R. do pedido.

  2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo A. AA e, em consequência, fixa-se-lhe as seguintes indemnizações: Pelos danos patrimoniais futuros, o montante de 100.000,00 € e pelos danos não patrimoniais, a quantia de 35.000,00 €.

    Em relação aos danos derivados da impossibilidade de o A. continuar a efectuar trabalhos de pedreiro, nos termos do art. 661° n°1 do C.P.Civil, relega-se o cálculo da indemnização para execução de sentença.

    Pelos danos não patrimoniais serão devidos juros de mora a partir da decisão que os fixou, isto é, a partir desta decisão.

    No mais, mantém-se a douta sentença recorrida.

  3. Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela R. Seguradora".

    *** Inconformado recorreu o Autor que alegando formulou as seguintes conclusões: 1. O douto Acórdão da Relação de Coimbra deve ser revogado.

    1. É por todos consabido que a definição do STJ como "tribunal de revista" implica que o conhecimento da matéria de facto esteja, via de regra, afastado da competência material deste Tribunal Superior em matéria de recursos.

    2. Todavia, casos há, contados, é certo, em que o STJ se pode debruçar sobre a "factualidade" subjacente - cfr. art.722°, n°2, do Código de Processo Civil.

    3. Salvo melhor opinião, este será um daqueles casos em que a intervenção "correctora" do STJ será da maior utilidade, em prol das exigências de justiça do caso concreto.

    4. As instâncias, persistentemente, embora com argumentos diversos, e renovados (no caso da Relação de Coimbra), não deram como provado o quesito 89º.

    5. Ora, salvo o devido respeito, trata-se de um facto ostensivamente provado, prova que se impõe, desde logo, pela lógica natural do homem médio, e da realidade sensorial comum das coisas.

    6. Mas sobretudo, e para os efeitos legais, por presunção natural ou de facto, e em concatenação com os demais factos provados nos autos.

    7. As Instâncias deram como provados os quesitos 33 e 34 da BI, ou seja, que o "Autor irá padecer de aumento progressivo das dificuldades funcionais do joelho lesado e operacionalidade do membro inferior direito".

    8. Tendo ainda dado como provado que os art°s 85° e 86° da BI.

    9. Ora, salvo melhor opinião, insiste-se, tais quesitos mostram-se intimamente conexionados com o quesito 89.

    10. Na verdade, entre eles estabelece-se uma verdadeira relação de causa efeito (em termos de adequação causal): ou seja, provados (todos) aqueles, também terá de dar-se por provado o quesito 89, que é a (mera) consequência lógica daqueloutros! 12. Com efeito, as lesões sofridas pelo A., pelo menos a referida artropatia, não deixarão, por certo, de exigir, no futuro, tratamentos, cirurgias, medicamentos e internamentos que se mostrem necessários e/ou convenientes para o bem-estar e qualidade de vida do A.

    11. Salvo o devido respeito, a posição assumida pela Relação de Coimbra, a esse respeito, parece-nos desrazoável, porque materialmente injusta! 14. Com efeito, entendem os Srs. Juízes Desembargadores que o previsível agravamento das limitações funcionais e do sofrimento do lesado é um fenómeno inelutável e incurável, pelo menos à luz do "estado da técnica" da medicina moderna! 15. Inexistindo, por isso, qualquer obrigação de assistir o lesado quanto a esses danos, que ele deverá aceitar estoicamente! 16. Ora, não é possível concordar com tal perspectiva do Tribunal da Relação de Coimbra.

    12. Desde logo porque, salvo melhor opinião, ela esbarra, evidentemente, quer no teor do petitório, quer no regime geral da obrigação de indemnizar, previsto nos art°s 562°, 564°, no 2 e 566° do Código Civil, que impõe que o lesado seja (re) colocado na situação jurídica em que estaria não fosse a verificação do evento lesivo (i.e., a "teoria da diferença").

    13. Tratam-se de danos de que o A. não padeceria se não fosse o acidente.

    14. Logo, deles tem que ser ressarcido! 20. Atenta a PI de fls., mais concretamente, a sua conclusão, o que se "pede" da R. é que esta suporte, no futuro, os tratamentos, cirurgias, medicamentos e internamentos que se mostrem necessários e/ou convenientes para o bem-estar e qualidade de vida do Autor.

    15. Isto é, os tratamentos e cirurgias que se mostrem necessários, ou pelo menos recomendáveis, à melhoria das condições de vida do lesado, por força e em consequência das lesões sofridas.

    16. Isto porque se provou que as lesões sofridas continuarão a atormentar o A., porque degenerativas (evolutivas), facto que as Instâncias, naturalmente, não "desmentem".

    17. Nesse conspecto, tais tratamentos (‘lato sensu") são, ainda, um dano futuro.

    18. E, manifestamente, um dano futuro previsível, com um grau de certeza manifestamente apreciável, à luz das regras da lógica do homem médio.

    19. São, por isso, danos "prognosticáveis".

    20. E, como tal, ressarcíveis por banda da R., nos termos gerais de direito.

    21. Assim, deve o STJ, no uso das competências que legalmente lhe estão cometidas no que toca à (re)apreciação da matéria de facto, dar por provada a factualidade inscrita no art. 89° da BI de fls., daí retirando as necessárias consequências, em sede de condenação final da R./recorrida a suportar (ainda) os danos futuros resultantes quer do agravamento das lesões, quer da necessidade de mitigar, mediante tratamentos médico-cirúrgicos e medicamentosos, os danos sofridos e a sofrer.

    22. O douto Acórdão da Relação de Coimbra parte, no que respeita ao cálculo da indemnização pelo rendimento perdido, de um erro conceitual fundamental.

    23. Erro esse que motiva que o Tribunal da Relação de Coimbra, a fls. 23 do douto aresto de fls., se pronuncie pela existência de uma "incapacidade permanente parcial para o trabalho" de 25% por parte do Autor.

    24. Salvo o devido respeito, esta afirmação é incorrecta, imprecisa, e está longe, muito longe, de corresponder à realidade factual dos autos.

    25. Com efeito, IPP geral e incapacidade para o trabalho são conceitos e realidades distintas, que não é possível confundir.

    26. Da matéria de facto provada extrai-se a incapacidade absoluta para o trabalho do A., quer como segurança de...

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