Acórdão nº 07P3338 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução19 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo de extradição nº 1135/07 em que a República da Guiné Bissau pretende a extradição do cidadão AA, casado, médico anestesista, nascido a 16 de Junho de 1962, natural de Guiné Bissau, de nacionalidade checa, titular de autorização de residência na União Europeia, com o nº 617, filho de B...N... e de N'K...N..., residente na Rua de Angola, nº ..., c/v ..., em Beja, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31 de Julho de 2007- fls. 294 a 321- foi deliberado conceder a requerida extradição do cidadão naturalizado checo, AA, actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Beja, para a República da Guiné-Bissau, a fim de cumprir a pena em que foi condenado por acórdão proferido, em 6 de Abril de 2006, no Processo nº 49/02, da Vara Crime do Tribunal Regional de Bissau.

Deste acórdão interpôs recurso o extraditando, que apresentou a motivação de fls. 329 a 365, que remata com as seguintes conclusões: 1ª - Em sede de oposição ao pedido de extradição deduzido pelas Autoridades Guineenses, o extraditando alegou que o processo judicial (ainda não transitado), que correu termos pelo Tribunal Regional de Bissau foi "montado" para, de forma aparentemente legítima e legal, o perseguirem e punirem em virtude da sua pertença a determinada etnia e partido político, titular do poder à data dos factos, altura em que o extraditando era Director-Geral de Saúde Pública, cargo que desempenhou zelosamente, embora incomodando muita gente influente na Guiné; 2ª - Para tanto, sustentou que as Autoridades Guineenses usaram da faculdade prevista na alínea a) do n° 2 do artigo 46° do Acordo de Cooperação Jurídica entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau, que permite a extradição para sujeição a procedimento criminal e, consequentemente, presença em julgamento; 3ª - E não o fizeram porque o objectivo não era dar ao extraditando, a possibilidade de se defender, mas sim a de condenando-o à revelia, obterem a sua extradição para cumprimento da pena na qual o condenaram; 4ª - Conclui assim o extraditando porque, atenta a previsão da referida alínea a) do nº 2 do artigo 46° do Acordo, sabendo que o extraditando se encontrava fora do país, (autorizado, pelas autoridades guineenses) a única diligência encetada foi a citação edital que sabiam, de nada adiantaria, tanto mais que a audiência de julgamento realizou-se no dia anterior ao último do prazo que lhe foi concedido para se apresentar e ser pessoalmente notificado da data; 5ª - Num processo que já pendia desde o ano de 2002, bastaria que fosse accionado o pedido de cooperação internacional para assegurar a sua presença em Julgamento, três meses antes da realização, para que fosse possível a sua presença (tempo que mediou entre a data do julgamento e a data em que as autoridades guineenses tiveram conhecimento da morada do extraditando em Portugal); 6" - Tudo, para concluir que o extraditando foi impedido de livremente elaborar a sua defesa; 7ª - Isto porque, não se mostra provado nos autos, as diligências efectuadas para os efeitos da alínea a) do n° 2 do artigo 46° do Acordo, necessariamente prévias ao accionamento das necessárias para os efeitos da alínea b) do mesmo normativo; 8ª - Não se entendendo assim, fica-se perante a possibilidade de condenações arbitrárias, como a que nos ocupa, sem que se demonstre que foram accionados os mecanismos com vista ao retorno do arguido para fazer uso dos seus direitos de defesa; 9ª - Não se entendendo assim, estaremos a assumir que, perante uma condenação, e indiferente ao Estado Português, que o Estado Requerente, tenha ou não tentado obter a presença do arguido no Julgamento, o que equivale a dizer que é irrelevante, neste aspecto, o cumprimento do disposto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa; 10ª - Só o entendimento acima vertido é compatível com a interpretação correcta do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa; 11ª - Decidindo como decidiu, o Tribunal da Relação de Évora entende que deve extraditar uma pessoa a quem, deliberadamente, foi impedido o uso de todas as garantias de defesa; 12a - E não se invoque com a possibilidade de repetição do julgamento porque essa é já uma fase posterior, quando se mostrem goradas as tentativas a que nos vimos referindo e, ainda assim, só terá lugar se "se entender que, no caso concreto, a falta do suspeito na audiência de julgamento diminuiu fortemente as garantias de defesa" Se se entender, por quem?? Pelos mesmos que nem sequer se dignaram chama-lo para comparecer no julgamento! 13ª -A interpretar-se desta forma aleatória o artigo 46° do Acordo, e se essa for julgada a interpretação correcta a dar ao normativo, então conclui-se que estamos perante a inconstitucionalidade material desta norma, por violação do artigo 32º e 13º da Constituição da Republica Portuguesa, 14ª - Porquanto, a interpretação adequada, respeitando aqueles nossos normativos constitucionais, implicaria a exigência de prova pelo Estado Requerente, da prática de todos os actos e o desencadear prévio de todos os mecanismos, tendentes à presença do arguido em julgamento, realizando-se este, em última análise e quando mais nenhuma possibilidade restasse para obrigar à sua comparência.

Aí sim, julgado à revelia e removido (ou não) após pedido de extradição, verificando-se, no Estado Requerente que a sua ausência havia diminuído fortemente as garantias de defesa, seria repetido o Julgamento (ou não); 15ª - O facto de a Guiné não se preocupar em demonstrar o cumprimento deste requisito no pedido formal, é bem demonstrativo da intenção prosseguida por este pedido de extradição; 16ª - O Acórdão do Tribunal Regional de Bissau ainda não transitou em julgado e pende recurso para o Supremo Tribunal da Guiné; 17ª - Goza pois, o extraditando, da preciosa presunção de inocência; 18ª - Tentando demonstrar que o processo no âmbito do qual foi condenado teve motivações políticas e de guerrilhas tribais, o extraditando tinha necessariamente que provar a falsidade dos factos que lhe foram imputados, como instrumento para demonstração dos factos reputados essenciais e que eram de difícil ou impossível prova directa; 19ª - Considerando inócuos os factos instrumentais alegados pelo extraditando, o Tribunal a quo, não só lhe reduziu ilegalmente as garantias de defesa, como esvaziou de sentido a prova produzida quanto aos factos essenciais, violando assim, o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa; 20ª - Por outro lado, ao mesmo tempo que considerou inócuos os factos alegados pelo extraditando, o Tribunal a quo eleva à condição de verdade absoluta os factos vertidos no Acórdão do Tribunal Regional de Bissau, transcrevendo-os e servindo-lhes para a fundamentação de facto da decisão que proferiram; 21ª - O que, para além de constituir um atentado ao princípio da presunção de inocência, é também violação flagrante do princípio da relativa igualdade de armas, o que constitui, mais uma vez, violação do disposto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa; 22ª - Integrando também contradição insanável da fundamentação, para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal.

23ª - Enquanto factos instrumentais, indispensáveis à prova dos factos reputados essenciais, mormente nos casos em que o extraditando beneficia da presunção de inocência, há que admitir-se prova sobre eles, interpretando-se desta forma o n.º 3 do artigo 46° do Decreto-Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, sob pena de inconstitucionalidade material desta norma, por violação do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa; 24ª - Sob os artigos 13° e 14°, em sede de enumeração dos factos provados com interesse para a decisão, o Tribunal a quo considerou provado que "nas prisões guineenses alguns dos reclusos são sujeitos a actos de agressões" e que "a situação das prisões na Guiné é extremamente precária, praticamente não existindo condições de higiene e a alimentação é deficiente. "; 25" - Ora, a matéria considerada provada ficou muito aquém da prova realmente produzida nos autos por documento (doc. A, junto às alegações finais) confirmadas pela testemunha A...S....

26ª - Mostra-se efectivamente provado que em 2006, na Guiné, "não existiam prisões formais", sendo as instituições de detenção "improvisadas em bases militares", "não possuíam (em 2006), água corrente nem adequado sistema sanitário. As dietas dos detidos eram más e os cuidados médicos eram virtualmente inexistentes." 27ª - Pelo que, neste aspecto particular, ocorreu deficiência da matéria considerada provada, por erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, porquanto, não fora o erro, a matéria dada como provada, teria certamente contemplado estes factos, tanto mais quanto assumem grande relevância no âmbito dos fundamentos invocados pelo extraditando na oposição que deduziu; 28" - Ainda assim, em sede de fundamentação de Direito, o Tribunal a quo afirma que, apesar do acima aduzido, não pode concluir-se que o extraditando "venha a ser, eventualmente, submetidos a tratamentos desumanos e degradantes"; 29ª - Verifica-se pois, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, porque a constatação das condições de prisão enunciadas acima, levaria, lógica e necessariamente a recusa do pedido de extradição, por violação do disposto no artigo 3° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, segundo o qual, "ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes"; 30ª - Sendo que, em vários casos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou, com base neste dispositivo que ninguém pode ser extraditado para um Estado onde corra o risco de poder vir a ser sujeito a este tipo de tratamento desumano ou degradante; 31ª - Decidindo assim, o Tribunal a quo, violou o artigo 3° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 32ª - Atendendo...

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