Acórdão nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB, divorciados, residentes na Rua da ........, nº ...., V....., Buarcos, Figueira da Foz, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “CC, Lda”., com sede na Rua Dr. ......., ......., Buarcos, Figueira da Foz, e DD, casado, residente na .........., Lote ..., .., Leiria, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar aos autores a quantia de €20.980,23, referente ao pagamento da dívida à GE C..........r, no valor de €15.761,95, acrescida dos juros vencidos [a], a quantia em que os autores foram executados, na qualidade de avalistas da 1ª ré, na execução ordinária nº 1347/2001, da 3ª Secção, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Porto, que, à data, tinha o valor de €5.260,35 [b], a quantia em que os autores foram executados, na qualidade de avalistas da 1ª ré, na execução ordinária nº 1669/2001, da 2ª Secção, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Porto, que, à data, tinha o valor de €4.995,98 [c], a prestarem contas referentes ao pagamento das dívidas existentes na sociedade, à data da cessão de quotas, nos termos da cláusula sexta do contrato-promessa, em 26 de Maio de 2000 [d] e, após a prestação de contas, a pagarem a quantia que se apurar de saldo, até perfazer € 573.617,58 [e].

Alegam os autores, para o efeito, que eram os únicos donos e legítimos proprietários da sociedade por quotas, denominada "Laboratório de Análises Clínicas Dr. AA, Lda.", e que, por contrato-promessa de cessão de quotas, celebrado a 26 de Maio de 2000, prometeram ceder ao segundo réu, ou a quem este indicasse, as quotas de que eram titulares, pelo seu valor nominal.

Estabeleceu-se ainda no contrato que as dívidas da sociedade perante terceiros, contabilizadas e exigíveis nessa data, atingiam o montante de 115.000.000$00, responsabilizando-se o autor, pessoal e solidariamente, com a sociedade pelos débitos que ultrapassassem esse quantitativo, e reconhecendo-se à sociedade o direito de lhe exigir apenas o que esta tiver pago, para além do referido valor, por dívidas não contabilizadas ou contabilizadas por defeito.

A escritura foi efectuada, em 6 de Outubro de 2000, sendo que o segundo réu era detentor de procuração que lhe permitia representar os autores. Sucede, porém, que, depois da celebração da escritura, os autores foram demandados, judicialmente, como avalistas da ré sociedade, por falta de pagamento de dívidas que integravam o montante da cláusula sexta do referido contrato-promessa, nas quantias que peticionam, tendo pago, também, extrajudicialmente, uma outra dívida, a fim de evitarem futuros constrangimentos como os anteriores.

Por outro lado, referem que, pela observação e interpretação da vontade das partes, plasmada no contrato-promessa, é incontestável que o preço real do negócio englobou o valor nominal das quotas, mais o montante das dívidas existentes aquela data, estimado em 115.000.000$00 (€ 573.617,58), que era o valor do negócio, sendo, pois, este o preço a pagar, e foi com este espírito que concluíram o negócio, tendo ainda especificado que se fosse apurado que o valor das dívidas era inferior ao estimado, seria pago o remanescente aos autores, invocando o estabelecido no artigo 236º, do Código Civil, quanto ao sentido que um declaratário normal conferiria a tais declarações.

Alegam, igualmente, que, em todas as reuniões preparatórias do negócio definitivo, o pagamento do remanescente resultante do cumprimento das dívidas foi ponto discutido e aceite e condição para que os autores concluíssem o negócio.

No entanto, até ao presente, e, apesar de já interpelados, diversas vezes, para o efeito, nunca os réus prestaram contas das dívidas já pagas e do saldo existente, a favor dos réus, já que as dívidas, à data da venda, eram muito inferiores a 115.000.000$00 (€ 573.617,58).

Na contestação, os réus invocam a ilegitimidade do réu, pessoa singular, e da autora esposa, dizendo que foi o autor quem procedeu aos pagamentos alegados e não a autora, e que aquele réu não era parte nos contratos de financiamento descritos na petição inicial e exigidos ao autor.

Por seu turno, alegam que, no último balanço aprovado, reportado a 31 de Dezembro de 1999, a ré sociedade apresentava um capital próprio negativo de 114.946.076$40 (€573.348,61), tendo as quotas cedidas valores negativos, na proporção de cada uma, pelo que, para além do valor nominal pelo qual as quotas foram cedidas, os verdadeiros valores do negócio são os valores negativos que indica.

Alegam ainda que, na mesma ocasião, foi outorgado um contrato-promessa de compra e venda do prédio, onde se situava a sede da ré sociedade, pelo preço de 100.000.000$00 (€ 498.797,90), a celebrar com quem o segundo réu indicasse, que veio a ser o “BPI Leasing”, para locação a uma sociedade de que este réu, pessoa singular, é gerente, demonstrando a grande capacidade de crédito do mesmo.

Assim, o valor fixado de 115.000.000$00 (€ 573.617,58) tinha relação com o valor apurado de capital negativo de 114.946.076$40 (€ 573.348,61), sendo certo que, no balancete do mês de Maio de 2000, o passivo se cifrava em 115.346.076$40 (€575.343,80), pelo que aquele valor representava um arredondamento das contas do passivo, apresentadas durante as negociações, pelo autor, em documento manuscrito.

Referem ainda que apenas se fez constar tal cláusula no contrato porque os técnicos que prestaram assistência ao segundo réu tinham a percepção de que o passivo real e efectivo da ré sociedade seria mais elevado do que aquele que era exibido pela contabilidade e pelas contas do próprio autor, acrescentando que o sentido dado pelos autores a tal cláusula, na petição inicial, está pervertido, porquanto o mesmo nunca correspondeu à vontade das partes, nem nunca foi abordado por elas nas negociações.

Alegam, também, que a ré sociedade estava, tecnicamente, falida, explorava um laboratório de análises, mal e antiquadamente, equipado, sem clientela e desacreditado, negando ainda que fossem interpelados para qualquer prestação de contas, o que nunca ocorreu, até à data da citação.

Confirmam a citação da ré, no âmbito das execuções, mas referem que as mesmas diziam respeito a contratos para aquisição de veículos, cuja responsabilidade pelo pagamento o autor assumiu, visto que pretendia fazer suas tais viaturas, estando as mesmas parqueadas, na garagem dos autores, não existindo na sede da sociedade qualquer chave das mesmas, ficando a ré a aguardar, após a escritura da cessão de quotas, a apresentação da documentação, de forma a transmitir a posição contratual ao autor.

Na ausência de contactos pelo autor, a ré sociedade indagou o estado da cessão, junto da entidade financeira “..........”, tendo deixado de pagar as prestações, bem como os seguros, que anulou.

Como o autor deixou, também, de proceder ao pagamento, a financeira preencheu as livranças e deu-as à execução, invocando ainda que aquele não demonstrou ter pago tais valores.

Em reconvenção, alegam que o autor tinha perfeita noção da contabilidade irregular da sociedade, ascendendo as dívidas, em 31 de Maio de 2000, a 130.595.910$00 (€651.409,65), surgindo, posteriormente, outros credores, não mencionados no balancete, a reclamarem o pagamento de dívidas, tudo no montante global de 133.744.501$00 (€ 667.114,76), para além de que os credores, aí mencionados, reclamaram valores superiores, totalizando 145.677.215$00 (€726.634,88), o que resultou de existirem dívidas dadas como saldadas, mas que se mantinham em aberto ou com diferenças de valores.

Concluem no sentido de serem devidos €134.004,18, resultantes da diferença entre os 141.865.428$00 (€707.621,77) já pagos e os 115.000.000$00 (€573.617,58) estabelecidos no contrato, pedindo a condenação no pagamento de todos os valores que a ré venha a satisfazer, para além dos €707.621,77, até ao montante máximo de €742.340,00, quantias estas a liquidar, em execução de sentença.

Na réplica, os autores mantêm que o preço acordado era de 115.000.000$00 (€ 573.617,58), sendo esse o valor a pagar, após o desconto de todas as dívidas que os autores tinham perfeita noção de serem menores, pelo que, após tais pagamentos, deveriam os réus prestar contas aos autores.

As contas nunca foram prestadas e o autor pagou dívidas da ré sociedade como avalista, pelo que sempre teria direito de regresso, negando, igualmente, os pagamentos alegados na reconvenção, concluindo pela improcedência da reconvenção.

A sentença julgou a acção e a reconvenção, totalmente, improcedentes e, em consequência, absolveu os réus do pedido e os autores do pedido reconvencional.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Do acórdão da Relação de Coimbra, os autores interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente: 1ª – Entendem os recorrentes, haver sido incorrectamente julgada factualidade face à prova testemunhal carreada aos autos, bem como pela factualidade subjacente ao negócio e sequente interpretação, errando, por conseguinte, na sua decisão.

  1. - Com todo o devido e firme respeito pelos Meritíssimos Magistrados que subscreveram o acórdão recorrido, afigura-se que foram sobrevalorizados os depoimentos prestados pelas testemunhas dos recorridos, que dependiam e dependem financeiramente dos recorridos e aos mesmos têm há anos uma ligação profissional, abalando fortemente a credibilidade, quer pela ausência física e directa das negociações do contrato, expressando tão somente o que lhes foi transmitido pelo recorridos e valorados sem as cautelas devidas, sonegando-lhes a obrigação do pagamento aos recorrentes do montante sobrante após pagamento das dívidas até um limite de 115.000 contos, 3ª - Contém os autos o depoimento efectivamente vincado pela testemunha EE, a única pessoa a quem os...

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