Acórdão nº 3126/07.6TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA, residente na Rua ......, ........, Braga, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a “Companhia de ........, SA”, com sede na Praça ..............., nº ..., Porto, o Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Rua ..............., nº ......., ...., Porto, e BB então, detido no Estabelecimento Prisional do Norte, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia de 33469,37 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral cumprimento.

Fundamenta o pedido no facto de ter sido vítima de um acidente de viação, a que deu origem o réu BB, condutor do veículo, de matrícula 00-00-00, por si furtado, resultando do mesmo prejuízos para o autor, de carácter patrimonial e não patrimonial, que ascendem ao montante peticionado.

Mais alega que o proprietário do veículo causador do acidente havia transferido a responsabilidade civil pela sua circulação, para a ré “Companhia de ........, SA”, por força do correspondente contrato de seguro automóvel, sendo, assim, esta a responsável pelo pagamento daqueles danos ou, caso não se venha a apurar quem o conduzia, no momento do acidente, o réu Fundo de Garantia Automóvel.

Na contestação, que apenas o réu BB não apresentou, o réu Fundo de Garantia Automóvel arguiu a sua ilegitimidade, em virtude de o proprietário do veículo, na ocasião, ter transferido para a co-ré “Companhia de ........, SA”, a responsabilidade civil proveniente de acidente de viação causado pelo mesmo, impugnando ambos os réus a versão do acidente e o montante dos danos sofridos, concluindo pela total absolvição do pedido.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade passiva invocada pelo réu Fundo de Garantia Automóvel, e o réu BB, parte ilegítima, que, consequentemente, foi absolvido da instância.

O réu Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de agravo desta decisão, propugnando pela sua revogação, mas que o Exº Juiz recorrido sustentou.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, absolveu o réu Fundo de Garantia Automóvel do pedido e condenou a ré “Companhia de ........, SA”, a pagar ao autor AA, a quantia de €24.000,00, sendo €3.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Desta sentença, a ré “Companhia de ........, SA”, interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, totalmente, improcedente e, em consequência, confirmou a decisão impugnada, não tomando conhecimento do agravo, por o considerar prejudicado, nos termos do disposto pelo artigo 710º, nº 1, 2ª parte, do CPC.

Do acórdão da Relação do Porto, a ré “Companhia de ........, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua absolvição, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente: 1ª – Salvo o devido respeito o tribunal recorrido parece confundir a responsabilidade civil e os seus pressupostos com a responsabilidade da seguradora ao abrigo do contrato de seguro referido no ponto 1 dos factos dados como provados. Uma coisa é a responsabilidade civil do condutor do veículo, relativamente ao qual basta a prova dos requisitos previstos no art. 483°ss ou 499° ss, outra é a responsabilidade da seguradora que terá de se basear no contrato celebrado entre as partes.

  1. - O risco, elemento fundamental do contrato de seguro, é tradicionalmente definido como o "evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro - JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, p. 127 - fortuito e não dependente da vontade do homem, sendo o sinistro a concretização do mesmo.

  2. - Ora, o embate em causa nos presentes autos, tendo sido propositado e, como tal, doloso, o que ambas as instâncias recorridas de resto admitem, está em clara contradição com as características de incerteza e fortuitidade exigidas quer pelo risco quer pelo sinistro em si.

  3. - O contrato de seguro em causa pretende cobrir, e cobre, os danos resultantes dos riscos próprios de circulação de veículos automóveis, pelo que de acidentes de viação.

  4. - Por acidente entende-se "o que é casual, fortuito, imprevisto, acontecimento infeliz, desgraça, desastre" - Grande Dicionário de Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, não cabendo nesta definição, porque intencional e propositado, o atropelamento em causa nos presentes autos, e diz-se viação "o modo de andar ou percorrer um caminho ".

  5. - Ora, o contrato de seguro aqui em causa destina-se a cobrir, e cobre, os riscos inerentes à normal circulação do veículo mas não de um acto intencional do condutor do mesmo que o utilizou para cometer um crime, como poderia ter sido utilizado um revólver, uma faca ou qualquer outro objecto.

  6. - A que tudo não obsta o facto de se tratar de um contrato obrigatório pois que o mesmo, sendo, para todos os efeitos, um contrato é sempre celebrado na base da boa fé das partes, ficando cada uma delas sujeita a diversas obrigações, entre as quais de não provocar o sinistro e, enquanto contrato aleatório que é, a seguradora sabe e define os riscos que assume ao segurar um certo e determinado veículo, sendo certo que nenhuma das partes, nem seguradora nem segurado, tiveram em mente, aquando da celebração do mesmo a cobertura de situações como a que está em crise nos presentes autos.

  7. - Ao confirmar a sentença proferida pela primeira instância o tribunal recorrido violou o disposto nos art°s 1° do DL. 522/85, de 31. XII, e no art° 437º do CCom, e fez uma errada interpretação do previsto no art° 8°/2 daquele primeiro diploma legal, pelo que a decisão recorrida deverá ser substituída por uma outra que absolva a recorrente do pedido.

  8. - Tanto mais quanto o art° 8°/2 do DL. 522/85, de 31.12., não prescinde, para a cobertura nele prevista, que os factos integrem um acidente de viação, a definir como atrás referido.

  9. - Se assim se não entender, os factos provados apenas permitem que se impute culpa concorrente, em partes iguais, a ambos os condutores dos veículos intervenientes no embate, pela violação do previsto no art° 13° do Código da Estrada, devendo sempre, ao menos, alterar-se o decidido nesse sentido.

  10. - O tribunal recorrido, ao não decidir como supra defendido, violou o disposto no art° 1° do DL. 522/85, de 31. XII, no art° 437°do C.Com., no art° 13º do C.Est. e nos art°s 406°/1 e 483° do CC.

Nas suas contra-alegações, o autor e o réu Fundo de Garantia Automóvel defendem a improcedência do recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo 00-00-00 encontrava-se, em 19 de Junho de 2006, transferida para a ré “Companhia de ........, SA”, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 000000000000.

  1. O autor nasceu em 1 de Junho de 1974.

  2. Por acórdão já transitado, proferido pela 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, BB foi condenado, entre outros crimes, pela prática, em 18 de Junho de 2006, de um crime de furto, cujo objecto é o veículo 00-00-00, e por condução perigosa, por, em 19 de Junho de 2006, ter causado o acidente, referido em A), conforme documento junto a folhas 116 e...

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