Acórdão nº 52/08.5TBCMN.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No âmbito do processo de promoção e protecção relativo à menor AA, iniciado pelo Ministério Público, foi proferido o acórdão de fls. 1118 que decidiu: «– Aplicar à menor AA a medida de apoio junto de outro familiar, mais concretamente, de BB e marido e respectivo agregado familiar, nos termos do disposto nos art.º 35º, nº 1, al. a) e nº 2 e 40º da LPCJP, com direito a visitas por parte da progenitora e avós maternos, em horário e dia a combinar entre os interessados e o casal referido, e sob a supervisão destes; – A integração da menor neste agregado familiar será, contudo, precedida de um regime transitório, fixado pelo período de 60 dias, período durante o qual a menor manter-se-á em acolhimento familiar, passando com o casal BB e marido e respectivo agregado familiar os fins de semana, que a recolherão em local a combinar com a família de acolhimento todas as sextas-feiras às 18h00 e a entregarão todos os domingos, pelas 18h00; – A medida ora aplicada terá a duração de um ano (art.º 60º, nº 1 e 2 LPCJP), com revisões trimestrais (art.º 62º, nº 1 da LPCJP) e a sua execução será acompanhada pelo organismo da Segurança Social da área de residência do agregado familiar de BB que deverá apresentar até 15 dias antes do termo do período de revisão ora fixado relatório social sobre a integração da menor neste agregado; – Independentemente da elaboração dos relatórios necessários para revisão trimestral da medida, o organismo da Segurança Social deverá informar os presentes autos de qualquer circunstância superveniente que imponha a revisão imediata da medida; – Mais, se determina que a família de acolhimento, na pessoa da Drª DD, dê, prontamente, conta nos autos da evolução do relacionamento da menor com o referido casal e de quaisquer circunstâncias que considere dignas de relevo que ocorram no período transitório fixado, para efeitos de reapreciação da situação.

» 2. Esta decisão veio, todavia, a ser revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 1434, que decretou “à menor (…) a medida de «confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou instituição com vista a futura adopção”, requerida pelo Ministério Público.

Recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça BB e CC; mas os recursos não foram admitidos (cfr. despacho de fls. 1607), por se tratar de um processo de jurisdição voluntária (nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil).

  1. Ambas as recorrentes reclamaram.

    Pelo despacho de fls. 1819 foi indeferida a reclamação deduzida por BB, por falta de legitimidade.

    Pelo despacho de fls. 1717, deferiu-se a reclamação de CC. O âmbito da possível intervenção do Supremo Tribunal da Justiça foi delimitado nestes precisos termos: «A verdade, todavia, é que esta limitação {impossibilidade de controlo, pelo Supremo Tribunal da Justiça, das medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410º do Código de Processo Civil, nos processos de jurisdição voluntária] não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

    Ora, também no caso presente se verifica que a recorrente nega que estejam preenchidos os requisitos legalmente exigidos pelo artigo 1978º do Código Civil para que possa ser decretada a medida da “Confiança com vista a futura adopção”.

    Como ali igualmente se escreveu [no acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Abril de 2008, www.dgsi.pt, proc., nº 07B3832) “tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação; é, pois, admissível o recurso, mas com o âmbito assim delimitado» – ou seja, da verificação dos pressupostos da medida, não da sua adequação ou conveniência no caso concreto.» Esclareceu-se ainda que, acessoriamente à violação de lei substantiva, se poderiam suscitar nulidades do acórdão recorrido, cabendo então ao tribunal a quo apreciá-las “anteriormente à intervenção do tribunal ad quem (nºs 1 e 5 do artigo 670º e nºs 1 e 2 do artigo 716º do Código de Processo Civil".

    Assim, a fls. 1835, foi proferido novo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, apreciando as nulidades suscitadas pela recorrente.

  2. Nas alegações que apresentou, a recorrente CC formulou as seguintes conclusões: «I. O Acórdão Recorrido é nulo (nulidade que expressamente se invoca e que deverá ser declarada), por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 668°, nº1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi art. 716° do mesmo diploma legal, porquanto tendo sido pela ora Recorrente oportunamente suscitada na sua Alegação a questão da intempestividade do recurso interposto pelo Apelante Ministério Público, a douta Decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães foi completamente omissa no que respeita a tal questão. - Cf. Conclusão 1. da Alegação apresentada pela ora Recorrente.

    1. É igualmente nula a Douta Decisão recorrida (nulidade que expressamente se invoca e que deverá ser declarada), ao abrigo do preceituado no citado art. 668°, nºl, d), aplicável ex vi art. 716° do mesmo diploma legal, por omissão de pronúncia, em virtude de não se ter pronunciado acerca da ampliação do objecto do recurso requerida pela ora Recorrente (no uso da faculdade concedida pelo art. 684°-A do CPC), e não ter procedido à análise dos meios de prova concretamente indicados pela Recorrente no estrito cumprimento da Lei.

      - Cf Conclusões 10. a 13. da Alegação apresentada pela ora Recorrente.

    2. O Douto Acórdão Recorrido enferma ainda de nulidade (que expressamente se invoca e que deverá ser declarada), nos termos do disposto na alínea b) do art. 668° do CPC, aplicável ex vi art. 716° deste mesmo diploma legal, por falta de fundamentação. No douto Acórdão não vêm indicadas quais as normas de direito nas quais o Venerando Tribunal se baseou para a determinação da medida a aplicar à menor AA, nem mesmo quais os concretos factos considerados provados que sustentam a aplicação dessa medida, consistindo apenas numa compilação de diversas peças processuais constantes dos autos. Inexiste na Decisão recorrida uma única linha acerca dos fundamentos de facto e de direito que determinaram a prolação de uma decisão tão diversa da proferida pela lª instância.

    3. É certo e unânime que os processos de jurisdição voluntária – como é o caso dos presentes autos – assentam em critérios de conveniência ou oportunidade. Contudo, tal não exime o Venerando Tribunal da obrigação legal de fundamentar a sua decisão. Não é possível, mesmo analisando minuciosamente a douta Decisão Recorrida, vislumbrar em que concretos factos e em que disposições legais se sustentou o Tribunal para aplicar a medida de "confiança a pessoa seleccionada para adopção ou instituição com vista à adopção", qual o raciocínio que presidiu a tal decisão, como preterindo a medida aplicada pela la Instância se pretende alcançar o superior interesse da AA. Considerando que o Acórdão recorrido é totalmente omisso no que concerne aos «fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão», verifica-se, pois, a mencionada nulidade.

    4. Em processos de jurisdição voluntária não está vedada a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso, mas, no caso dos presentes autos, restringir-se-á à verificação da existência dos pressupostos de que depende a aplicação da medida de "confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção".

      - Cf os supracitados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

    5. Como resulta da matéria de facto provada, nos presentes autos não se verificam os requisitos consagrados no art. 1978° do CC, pelo que deve ser afastada a medida aplicada no Acórdão Recorrido, por ilegal, desadequada e ofensiva do superior interesse da AA.

    6. Para confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, nos termos do art. 38°-A da LPCJP, é necessário que se verifique algumas das situações previstas no art. 1978° do CC, que preceitua, no seu nº1, que «com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação (…)».

    7. Nas diversas alíneas do seu nº 1, enumera o art. 1978° do CC, as situações objectivas em que se entende que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação. O nº2 desse art. 1978° esclarece que «na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor». Acrescenta o nº3 também desse artigo que se considera que «o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores».

    8. Ao abrigo do disposto no art. 3° da LPCJP, «considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, está ( ... ) a) abandonada ou entregue a si própria; b) sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; ( ... ) e) está sujeita., de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional (...)>>.

    9. «O perigo a que alude o normativo inserto no artigo 1978° n° 1 alínea d) do CCivil, conducente à confiança judicial de menor com vista a futura adopção implica a constatação de situações...

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