Acórdão nº 07S921 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 30 de Outubro de 2000, no Tribunal do Trabalho de Abrantes, Empresa-A, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra AA, pedindo: (a) se declare nulo o contrato de trabalho celebrado pelo réu, por si próprio e em representação da autora, em virtude do seu objecto se revelar legalmente impossível, contrário à lei e constituir uma fraude à lei, de acordo com o disposto nos conjugados artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e 280.º, n.º 1, do Código Civil; (b) caso assim se não entenda, se considere esse contrato de trabalho ineficaz em relação à autora, em virtude do réu não dispor de poderes de representação para a obrigar, nos termos do disposto nos artigos 268.º do Código Civil, 260.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e 8.º dos seus Estatutos; (c) se assim se não entender, se declare o referido contrato de trabalho anulado por configurar uma situação de negócio consigo mesmo, de harmonia com o preceituado no artigo 261.º do Código Civil; (d) em qualquer dos casos, seja o réu condenado a devolver à autora a quantia de 3.524.700$00, acrescida de juros calculados à taxa legal a contar da data da citação, que lhe foi indevidamente paga no pressuposto da validade e eficácia do contrato de trabalho em questão, nos termos dos artigos 289.º do Código Civil e 15.º, a contrario, do Decreto-Lei n.º 49.408.

O réu contestou, alegando que a partir de certa altura passou não só a exercer as funções de gerente, mas também outras, em que esteve numa função de subordinação jurídica face à gerência. Esse novo cargo resultou do contrato de trabalho em causa e veio a acontecer, por indicação expressa do gerente BB, que dirigindo-se-lhe pessoalmente e manifestando algumas dificuldades em determinar a terminologia adequada, frisava claramente que queria dispor do réu para que este exercesse funções executivas que em última instância o próprio gerente BB disse que poderiam ser designadas por presidente.

Nas suas funções de presidente, o réu tinha uma categoria superior em relação a todos os trabalhadores da empresa, enquanto que face ao Conselho de Gerência estava numa situação de subordinação jurídica.

Foi então necessário formalizar a nova situação jurídica do réu face à autora, por imperativos da legislação laboral portuguesa, já que o réu passou a desempenhar uma dupla função na empresa, fazendo parte da gerência e desempenhando também funções executivas, correspondendo a esta dupla função uma dupla retribuição.

O contrato de trabalho foi celebrado por vontade expressa da gerência da autora, tendo o mesmo sido elaborado pela sua mandatária, sendo que a quantia cuja devolução pede corresponde à quantia devida pela indemnização por despedimento sem justa causa e os recibos de salários e de despedimento foram passados de acordo com as regras de cálculo prescritas para um trabalhador por conta de outrem.

Concluiu que o contrato de trabalho em causa era válido e que foi objecto de um despedimento ilícito, já impugnado, pelo que não deduzia pedido reconvencional.

A autora respondeu à contestação, concluindo como na petição inicial.

Entretanto, foi determinada a apensação aos presentes autos da acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, instaurada, em 31 de Outubro de 2000, no Tribunal do Trabalho de Santarém, mas posteriormente remetida ao Tribunal do Trabalho de Abrantes, onde foi registada sob o n.º 60/2001, na qual o aí autor AA pede se declare a nulidade do seu despedimento, por ilícito, dada a ausência de processo disciplinar, «decretando-se que existe vínculo laboral», bem como a condenação da sociedade Empresa-A, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido e a pagar-lhe a quantia de 8.351.966$00 referente a prestações pecuniárias já vencidas, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar em execução desta, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento.

A ré Empresa-A contestou aquela acção, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal do Trabalho de Santarém e alegando que o autor foi apenas seu gerente, nunca tendo celebrado com ele qualquer contrato de trabalho, excepção essa julgada procedente, sendo os autos remetidos ao Tribunal do Trabalho de Abrantes.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que: (i) julgou procedente a acção intentada pela autora Empresa-A, declarando ineficaz em relação à autora o contrato de trabalho escrito celebrado pelo réu AA, por si próprio e em representação da autora, por o réu não dispor de poderes de representação para obrigar a autora, e condenando o réu a devolver à autora a quantia de 3.524.700$00, acrescida de juros calculados à taxa legal a contar da data de citação, quantia que lhe foi indevidamente paga no pressuposto da eficácia do contrato de trabalho escrito; (ii) julgou improcedente a acção apensa, instaurada por AA contra Empresa-A, consignando-se o não reconhecimento da existência de vínculo laboral entre as partes e absolvendo-se a ré dos pedidos.

  1. Inconformado, o réu AA interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que a prova gravada e documental devia ser reapreciada por forma «a ser considerada a ampliação de dois novos factos e a alteração das alíneas I), L) e S) dos factos assentes e, bem assim, a alteração da matéria constante das respostas aos artigos 20.º e 35.º da base instrutória» e, quanto ao mérito, defendeu a existência de um contrato de trabalho válido entre as partes e a ilicitude do seu despedimento, tendo a Relação julgado improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida.

    É contra esta decisão da Relação que o mesmo réu se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo, em substância, das seguintes conclusões: - Existe uma contradição notória nos fundamentos do acórdão recorrido, com violação clara do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, pois a fls. 14 afirma-se a impossibilidade de considerar o Prof. BB como sócio maioritário da autora por inexistência do documento indispensável para a prova desse facto (certidão comercial), para, a fls. 16, se sustentar que o Prof. BB, como sócio da autora, podia dar ordens ao gerente AA para que este as executasse com autonomia; - Não podendo constar nos fundamentos do mesmo acórdão que o Prof. BB era e não era sócio, e uma vez que a Relação entendeu que não podia, por falta de prova, ter-se o Prof. BB como sócio, então todas as provas e todos os pressupostos e respectivas decisões da 1.ª e 2.ª instâncias têm que ser revistos; - Por outro lado, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, pois, à luz dos mesmos e dos documentos de fls. 152, 166, 194, 793 e 797, deverá ter-se como provado que o gerente que definia toda a política da empresa era o gerente BB; - Foram também violados os mesmos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, na medida em que, à luz dos documentos de fls. 256, 793 e 797 e dos factos assentes ou dados como provados, há que concluir que a partir de 2000 o recorrente, por indicações do gerente BB passou a exercer funções sob subordinação jurídica da autora; - Ora, ficou demonstrado, mais uma vez, que todas as decisões relativas às novas funções exercidas pelo recorrente e, nomeadamente salários, foram tomadas sob a dependência inequívoca da vontade do gerente BB, afinal, o gerente principal, tendo ficado provada a subordinação jurídica do recorrente à gerência da autora como resulta da aplicação dos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, uma vez que aquele recebeu ordens desta, como consta nos documentos de fls. 152, 166, 194, 259 e ainda a fls. 294; - As declarações constantes dos documentos acima têm força probatória plena e têm valor de uma confissão judicial, devendo, então, o tribunal a quo ter decretado que, não se podendo dar como certo que o Prof. BB era sócio da autora por falta da certidão comercial, tem que dar--se como certo que ele era o gerente principal; - Tais declarações têm força probatória plena e valem como confissão judicial, sendo, por isso, insusceptíveis da livre apreciação do Tribunal, sendo certo que as instâncias, à revelia dos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, as apreciaram como se o pudessem fazer livremente; - Na verdade, para lá da contradição existe uma conclusão que é frontalmente contra as confissões do gerente BB nos termos sobreditos, a saber: o gerente BB era o gerente principal da autora porque era ele quem definia as políticas da empresa e os demais gerentes, nomeadamente o CC, não tomavam quaisquer decisões sem a sua aprovação; porque se encontrava provado de que foi por vontade do gerente principal, o Prof. BB, que o recorrente passou a exercer novas funções, as do DD, e que, para o exercício das mesmas, houve análise e negociação sobre o salário do recorrente (o qual nada tinha a ver com a renda anual que este recebia no exercício das funções de gerente desde 1991); - Cai, assim, a tese que fundamentou o indeferimento do pedido de ampliação da matéria de facto do recorrente, pois, tendo sido este considerado o gerente principal, foi considerado também a pessoa que não podia estar em simultâneo na dependência funcional da gerência; - Vai também contra o valor confessório das declarações do gerente BB, na medida em que tais declarações foram dirigidas ao declaratário AA e operam a favor deste que as novas funções que este passou a desempenhar a partir de 2000 foram negociadas pela gerência (CC e BB); - Por outro lado, as instâncias presumiram factos a partir de factos que não assentaram na factualidade provada, para, a partir dessas presunções, concluírem que o contrato de trabalho não foi executado nem ratificado pela autora; - A questão do processamento dos salários do recorrente e pagamento dos mesmos à revelia da autora: (i) do facto provado de que foi por ordens do recorrente que lhe foram...

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