Acórdão nº 07A1465 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelJOÃO CAMILO
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA intentou acção especial de prestação de contas contra BB, pedindo que este apresentasse as contas em 30 dias, contas essas referentes ao mandato que a autora lhe conferiu, ou contestar a acção.

Alegou, como fundamento, em síntese, que outorgou ao R., em 6.6.02, uma procuração na qual conferiu poderes para vender a fracção predial, designada pela letra "V", do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial da Amadora, sob o nº ....., seu bem próprio, que o réu vendeu pelo preço de € 132.680,24 que recebeu, e não lhe prestou contas do negócio realizado.

O réu contestou alegando, em resumo, aceitar a passagem da procuração em causa, ter o casal constituído pela autora e seu então marido, a partir de fins do ano de 2001 e começos de 2002, entrado num período de dificuldades económicas, tendo aquele casal contraído junto do réu uma dívida, proveniente da venda por este de um automóvel, acabando todos por acordar na venda do referido imóvel, tendo o réu procedido ao pagamento da importância acordada através do preço do veículo em dívida e da entrega de automóveis e de dinheiro à autora e marido, pelo que na emissão da procuração em causa foi consignado que o réu ficava dispensado de prestar contas.

Conclui não se verificar a existência da obrigação de prestar as contas pedidas, o que requer se conclua.

Respondeu a autora, alegando que a cláusula de dispensa de prestação de contas é nula por indeterminação do objecto e por ser ofensiva dos bons costumes e consubstanciar uma situação de manifesto locupletamento do réu à custa da autora, por aquele ter induzido em erro esta, dolosamente, ao fazer depender a boa execução do mandato de uma minuta que ele próprio redigiu e entregou à autora para copiar dizendo que devia ser assim como fora redigida porque ele trabalhava no ramo da compra e venda de imóveis há muitos anos e tinha experiência no assunto, não se apercebendo a autora, na altura, qual era o alcance de todas as declarações da mesma dado o ambiente ruidoso em que foi redigida, sobre o balcão de um cartório notarial cheio de gente, nem alguma vez receou segundas intenções do réu, porque este era amigo pessoal do seu marido. Se a autora quisesse atribuir à procuração o significado de uma "venda" dos seus direitos ao procurador, então teria declarado que a mesma era passada no interesse do mandatário, o que não aconteceu. Mais acrescentou que agora compreendia que o réu agiu em conluio com o seu marido de forma a locupletarem-se ambos à custa do seu património.

Em seguida a autora impugna o recebimento e a sua intervenção nos negócios do réu e do seu marido, quanto aos veículos e ao dinheiro referido como pago pelo réu.

Para apuramento da verificação da obrigação de prestar as custas, seguiu o processo a forma ordinária, nos termos do art. 1014º-A, nº 3, parte final do Cód. de Proc. Civil, e foi saneado o processo, organizada a matéria assente e a base instrutória, realizando-se audiência de discussão e julgamento, com decisão da matéria de facto, sendo proferida sentença que concluiu existir a obrigação do réu de prestar contas.

Inconformado com esta decisão apelou o réu, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente este recurso.

Mais uma vez inconformado, veio o réu interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes: I: O Douto Acórdão recorrido viola o preceituado no nº 3 do artº 1.014º-A, porquanto, tendo o R. contestado a obrigação de prestar contas, tal matéria tinha que ser apreciada previamente, e, só depois de se decidir da procedência ou improcedência de tal excepção, é que se poderia passar - se tal fosse o caso - à apreciação de contas.

II: As contas já foram apreciadas, conforme consta do Despacho Saneador e da Resposta aos Quesitos (pois apreciando-se a existência ou inexistência dos actos representativos de pagamentos, inerentemente apreciam-se os pagamentos a eles inerentes) pelo que se encontraria desprovida de qualquer nexo a decisão constante da Sentença e que ordena que o R. preste as contas que já foram prestadas e apreciadas pelo Tribunal.

III: Tendo sido elaborado Despacho Saneador, Audiência de Discussão e Julgamento e proferida uma Sentença com o teor de "O R. preste contas", forçosamente seguir-se-ão novo Despacho Saneador, nova Audiência de Julgamento e nova Sentença, o que viola o disposto nos artigos 510º nº 1, 658º e seguintes, e 513º e seguintes, todos do C.P.C.

IV: Só existe o dever de prestar contas quando o mandatário administra bens do mandante, e, no caso em apreço, a procuração destinou-se a consubstanciar um negócio entre mandante e mandatário, autorizando o mandatário a vender a fracção autónoma, a quem, pelo preço, e condições que o mandatário entendesse por convenientes, recebendo o preço, e dele dando quitação, podendo ser ele, mandatário o adquirente, e dispensando-o de prestar contas de tal venda.

V: A prestação de contas não é devida pois a procuração conferida pela mandante ao mandatário não foi considerada nula, nem ferida de vícios de vontade - tanto assim é que não se considerou nula a venda efectuada mediante o uso de tal procuração.

VI: A procuração contém a clausula de "dispensa de prestação de contas", pelo que esta declaração unilateral da mandante tornou-se "perfeita" com a recepção , e uso da mesma, pelo mandatário, e não tendo a mesma sido revogada, tem que ser considerada válida, quer por consubstanciar a formalização de um negócio, quer como uma remissão de dívida, quer por ser uma quitação, quer mesmo por ser uma doação - termos em que o Douto Acórdão recorrido viola o preceituado nos artigos 123º, 217º, artº 219º, 224º nº1, nº 1 do artº 787º, 863º e 940º todos do C.C..

VII: O Douto Acórdão recorrido viola o disposto no artº 262º do C.C., dado que a procuração é um acto unilateral, sendo permitidas todas as estipulações que o mandante entender por convenientes, não se tratando, "in casu" de um mandato, segundo a definição contida no artº 1.157º do C.C., dado que o ora Apelante não se obrigou, perante a mandante, a praticar quaisquer actos.

Nestes termos, e nos demais de Direito, e sempre com o mui Douto Suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, em conformidade com as presentes alegações, decidindo-se que o Recorrente não tem que prestar contas e, bem assim, considerando-se nulo tudo o processado nos autos que correram os seus termos na 1ª Instância, a partir do Despacho Saneador, inclusivé, revogando-se, assim, o Douto Acórdão recorrido. Assim se fazendo, JUSTIÇA ! Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que se referirão todas as disposições a citar sem indicação de origem - , o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Das conclusões do aqui recorrente se vê que este, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões: A) Tendo o réu na sua contestação impugnado a obrigação de prestar as contas pedidas, não podiam estas serem apreciadas como foram, sem que antes se decidisse sobre a verificação da referida obrigação ? B) A decisão da 1ª instância viola o disposto nos arts. 510º, nº 1, 513º e 658º, porque permite dois despachos saneadores, duas audiências de julgamento e duas sentenças num mesmo processo.

C) O réu não tem a obrigação de prestar contas em face da cláusula inserida na procuração passada pela autora em que dispensou o réu de as prestar, cláusula essa que não é nula, nem ferida de vícios de vontade ? D) A procuração em causa, sendo um acto unilateral, não reveste a natureza contratual de um mandato definido no art. 1157º do Cód. Civil? Mas antes vejamos os factos que as instâncias deram como provados e que são os seguintes: 1. Pela apresentação n° ..de 20/04/89 encontrava-se inscrito a favor da AA o direito de propriedade sobre a fracção autónoma "V" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n° .....

  1. A A . casou com CC em 02/05/97, sem convenção antenupcial.

  2. ...

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