Acórdão nº 07S276 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Braga, a presente acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo a condenação desta a, - Contar-lhe, para efeitos de progressão e promoção na carreira profissional (de operador especializado), o tempo de trabalho que prestou à Ré, ao abrigo de contratos de trabalho a termo; - Reconhecer-lhe a categoria profissional de operadora especializada de 2.ª (grau 9) desde 22 de Dezembro de 2000; - Pagar-lhe a importância de € 1.131,86, a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - Trabalhou para a Ré, ao abrigo de contratos de trabalho a termo, nos períodos de 3 de Janeiro de 1994 a 2 de Julho de 1996 e de 4 de Setembro de 1997 a 3 de Dezembro de 1997 e que, em 22 de Março de 1999, foi readmitida ao serviço da ré, agora ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo; - Nos termos do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, o período de trabalho que prestou ao abrigo da contratação a termo deve ser contado para efeitos de promoção e progressão na carreira, o que a Ré se recusa a fazer.

  1. Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, disse, em resumo, que não é aplicável à relação de trabalho o instrumento de regulamentação colectiva invocado pela Autora e, ainda que o mesmo fosse aplicável, dele apenas decorre a contagem, para os efeitos referidos, do tempo de trabalho prestado por contratação a termo quando esta cesse por rescisão, e não por caducidade, como no caso sucedeu.

  2. Na 1.ª instância, a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

    O recurso de apelação, interposto pela Autora, obteve provimento, tendo a Relação do Porto revogado a sentença e condenado a Ré: [...] - A contar o período de trabalho que a autora lhe prestou de 03.01.1994 a 02.07.1996 e de 04.09.1997 a 03.12.1997 para efeitos de progressão e promoção na carreira profissional de operador especializado; - A reconhecer que a autora acedeu à categoria profissional de operadora especializada de 2.ª (grau 9), em 22.12.2000; - A reconhecer que a autora acedeu à categoria profissional de operadora especializada de 1.ª (grau 8), em 22.12.2005 - cf. artigo 74.º do CPT - condenação extra vel ultra petitum - na vigência do contrato de trabalho; - A pagar à autora a importância a liquidar oportunamente, a título de diferenças salariais devidas desde 22.12.2000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.

    [...] 4.

    A Ré veio pedir revista, sustentando que o acórdão recorrido deve ser revogado e repristinada a decisão da 1.ª instância, para o que formulou, na respectiva alegação, as conclusões que se transcrevem: 1.ª Os contratos de trabalho que entre Recorrente e Recorrida foram celebrados a prazo, terminaram por não renovação dos mesmos, como a ora Recorrida muito acertadamente refere nos art.os 7.º e 10.º da sua p.i..

    Findaram, pois, por caducidade.

    1. A eficácia, validade e caducidade desses contratos nunca foi posta em causa pela ora Recorrida.

    2. O contrato de trabalho iniciado em 04.09.1997 com a Empresa-A, foi um contrato a prazo novo, como resulta dos factos provados na douta sentença do Tribunal a quo.

      O mesmo se dirá do contrato de trabalho iniciado em 22.03.1999, esse, sem termo.

    3. É, pois, cristalino que nunca houve qualquer rescisão de um contrato individual de trabalho entre a Recorrida e a Recorrente.

    4. Ora só para as hipóteses da rescisão prevê o n.º 2 da cláusula 5.ª do CCTV em que a ora Recorrida se louva.

    5. E percebe-se bem que para o caso de rescisão por parte da entidade patronal a convenção colectiva em apreço preveja que o trabalho anteriormente prestado seja levado em consideração.

      Assim se põe um travão a eventuais "habilidades" de entidades patronais menos escrupulosas no cumprimento dos seus deveres.

    6. Todavia, esse regime não aproveita para os outros casos, designadamente contratos a termo que findam por caducidade, como é manifestamente o caso dos autos.

    7. É consabido que, ao admitir os contratos de trabalho a prazo, o legislador teve em vista prover a determinadas necessidades das empresas de modo a que estas possam, "inter alia" adaptar-se às flutuações do mercado.

    8. E no sector electrónico, em que se move a ora Recorrente, as inovações tecnológicas são constantes. O que hoje é óptimo, amanhã é obsoleto.

    9. A concorrência da electrónica de consumo - designadamente os auto- -rádios que a ora Recorrente se dedica, é enorme e obriga a qualidade e redução de custos.

      Por outro lado, ao longo do ano há picos de produção, nomeadamente no Natal, e períodos "mortos".

    10. Se a legislação laboral for demasiado rígida, impossibilita a sobrevivência das empresas.

    11. Daí a admissibilidade dos contratos a termo, contanto que do recurso a eles não se abuse.

    12. Os negociadores do CCTV aplicável não desconheciam que o sector para que proviam exigia e reclamava grande dinamismo e inovação.

      E, por isso, não foi por acaso, que na aludida cláusula 5.ª tivessem conscientemente utilizado as expressões "rescindido" e "rescisão".

    13. Nas Convenções Colectivas existem duas categorias de normas: as normas de conteúdo meramente obrigacional (faceta negocial) e as normas de conteúdo regulativo (faceta normativa).

    14. As primeiras produzem efeitos que se restringem às partes que celebraram as convenções colectivas; as segundas, as normas de conteúdo regulativo, têm eficácia geral e, por isso, obrigam todos os que se encontram ou venham a encontrar-se abrangidos pelo seu âmbito de aplicação - cfr. art.os 7.º, 8.º e 9.º do Dec-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12.

    15. Assim, enquanto aquela faceta obrigacional tem características tipicamente negociais e, por isso, se lhe aplicam as regras de interpretação do negócio jurídico - art.º 224.º e segs. do C.C. -, a faceta normativa importa a aplicação dos critérios de interpretação das normas - 9.º, n.º 1 e 11.º do C.C. -.

    16. O texto da aludida cláusula 5.ª não pode compreender, entre os seus possíveis sentidos, uma interpretação, um pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. n.º 2 do art.º 9.º do C.C.).

    17. Por outro lado, na fixação e alcance daquela norma deve presumir-se que as partes outorgantes do CCTV em causa souberam exprimir o seu pensamento correctamente e em termos adequados (cfr. n.º 3 do art.º 9.º do C.C.).

    18. E elas, repete-se, usaram os termos claros e inequívocos de "rescindido" e "rescisão".

    19. Sendo o sentido preconizado pela ora Recorrente o que natural e directamente recorre do texto, é por esse que o intérprete deve optar - cfr. a este propósito Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador.

    20. A dar-se acolhimento à interpretação defendida pela ora Recorrida, ela conduziria até a um resultado perverso: raras empresas - a existir algumas - celebrariam contratos de trabalho, designadamente a termo, com alguém que já para elas tivesse laborado.

    21. Por outro lado, não será despiciendo referir que o CCTV de 96, que a ora Recorrida e o acórdão revidendo entendem não ser de aplicar no caso sub judice, mas de que se socorrem para efeitos salariais, diz expressamente que "a entidade patronal que admitir um trabalhador cujo contrato individual de trabalho por tempo indeterminado tenha sido rescindido anteriormente fica obrigada a contar o período de trabalho anterior à rescisão".

      Só o sublinhado é nosso.

    22. Assim, e ainda que se entenda que o CCTV de 1996 não é aplicável, sempre servirá, pelo menos, para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o sentido que as partes quiseram atribuir à cláusula do CCTV de 77.

    23. De facto, um mero exercício de interpretação bastará para concluir que a cláusula 5.ª do CCTV de 96 não visa senão clarificar/esclarecer o que já constava da cláusula 5.ª da CCTV invocada pela ora Recorrida.

      Ou seja, estamos perante um caso evidente de interpretação autêntica.

    24. Para que se torne possível a condenação extra vel ultra petitum necessário se torna que estejam em causa preceitos inderrogáveis de leis ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

    25. E por preceitos inderrogáveis entendem-se tão só os que constituem direitos irrenunciáveis.

    26. O douto acórdão revidendo não refere que preceito ou preceitos inderrogáveis foram violados pela Recorrente.

    27. A serem devidos juros de mora, e não o são, só o seriam a partir do trânsito em julgado da condenação em quantia certa.

    28. Ao decidir, como decidiu, o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 da Cláusula 5.ª do CCTV publicado no BTE 1.ª Série, n.º 26, de 15.07.1997, bem como os art.os 9.º, 236.º, 238.º e 805.º, n.º 3, todos do Código Civil, e ainda o art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho.

      A Autora contra-alegou para concluir pela improcedência do recurso.

      Neste...

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