Acórdão nº 07A1274 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução26 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA BB e CC intentaram acção declarativa, de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra DD - Organizações Hoteleiras, S.A.

, com sede na Rua Castilho, nº ..., em Lisboa, pedindo seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da Ré a despejar imediatamente o prédio pertencente aos AA. e dado em arrendamento à Ré.

Alegaram para tanto - em resumo - que EE, já falecido, marido da autora, e os demais autores, deram de arrendamento à sociedade ré, o prédio urbano sito na Rua Castilho, ..., em Lisboa, para nele funcionar um hotel.

Porém, em Fevereiro de 2002, os accionistas da ré venderam as suas participações sociais (acções), representativas da totalidade do respectivo capital social, passando a ser accionista única a Sociedade Hoteleira do C... P..., Lda., consubstanciando a alienação nos termos efectuados um trespasse do estabelecimento comercial que, não tendo sido comunicada aos autores, confere a estes o direito de resolver o contrato.

Citada, a Ré contestou, referindo a inexistência de trespasse, impugnando a factualidade articulada e pedindo a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Entende a Ré que, apesar de ter havido transmissão de acções, a persona-lidade jurídica da Ré não se modificou. Pelo que é a Ré que mantém a titularidade do estabelecimento "Hotel D..." e continua a ser a arrendatária.

Realizou-se audiência preliminar com saneador, selecção da matéria de facto relevante para a apreciação do pedido e decisão que julgou a acção impro-cedente.

Teve-se por assente, sem reparos, a seguinte factualidade: 1 - Por escritura pública de 12 de Março de 1969, exarada no 19º cartório Notarial de Lisboa, de folhas 8 a folhas 14 do livro n.º 62-B, EE que também usava o nome de EE, casado, natural da Moita e residente em Lisboa, e os seus filhos e ora Autores neste processo, acima identificados, BB e CC, declararam dar de arrendamento à sociedade Ré, o prédio urbano, situado em Lisboa, na Rua Castilho, n.º ..., implantado no terreno em que existira outro prédio urbano demolido, com os números de polícia 80 a 84, inscrito na matriz urbana da freguesia de São Mamede, sob o artigo 483, e descrito na 6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 923, a folhas 118 do livro B-3; 2 - Convencionou-se ser o prazo do arrendamento de um ano, com início em 1 de Fevereiro de 1969, passando a renovar-se, findo tal prazo inicial, por sucessivos períodos de um ano, nos termos da lei; 3 - A renda mensal então estipulada foi de Esc. 210.000$00, sendo, actualmente, de seis mil e quinhentos e um Euros e quarenta cêntimos; 4 - Foi convencionado destinar-se o prédio arrendado a nele ser explorado um hotel, podendo ser exercidas, dentro deste, quaisquer das actividades normal-mente tidas como complementares da indústria hoteleira; 5 - Os senhorios asseguram à inquilina estar o prédio identificado em A) construído de modo a poder funcionar nele um hotel considerado de utilidade turística prévia com classificação de primeira; 6 - Relativamente ao prédio dito em A), já então identificado por Hotel D..., foi declarada e concedida a título prévio a utilidade turística, de hotel de 1.ª A, mediante despacho do Secretário de Estado da Informação e Turismo de 15 de Abril de 1967, publicado no Diário do Governo n.º 112, 2.ª Série de 11 de Maio de 1967; 7 - A utilidade turística foi posteriormente confirmada por despacho do referido Secretário de Estado de 9 de Março de 1970, publicado no Diário do Governo n.º 73, 2.ª Série, de 27 de Março de 1970; 8 - Do anexo à escritura de arrendamento, como documento complementar da mesma, ficou a constar a relação de todas as coisas que, não constituindo parte integrante do imóvel, são seus acessórios ou pertenças e passavam a ser utilizadas pela inquilina, para a referida finalidade de indústria hoteleira; 9 - Da relação agora aludida constam, fundamentalmente, equipamentos associados às necessidades de um hotel, tendo em consideração a dimensão e características daquele que está em causa: - a) torre de refrigeração da marca Baltimore Aircoil; - b) motor eléctrico de 15 cavalos e 1450 rpm (rotações por minuto); - c) um permutador; - d) duas bombas de circulação marca Allweiller AG e respectivos motores eléctricos; - e) central de ar primário marca Clipper e respectivo motor de accionamento marca Crompton Parkinson, e respectivas condutas de ligação; - f) aparelho de tratamento contra incrustações marca Aquastat; - g) duas caldeiras de 450 mil calorias cada marca Cerac em chapa de aço; - h) dois queimadores marca Thermex para as caldeiras; - i) dois depósitos de água quente; - j) aparelhos Aquastat, um para circuito do aquecimento de água, outro para o condicionamento de ar (refrigeração); - l) um permutador; - m) cinco motores eléctricos da marca Rabor para bombas de circulação nos circuitos de águas quentes e frias; - n) um quadro eléctrico para a sala das caldeiras; - o) dois depósitos de combustível cada um com cerca de 4.000 litros, e respectivos acessórios; - p) transformador de 250 quilovátios, sistema de contactos e acessórios; - q) quadro geral em blocos destinados a iluminação, aquecimento e força matriz; - r) condicionadores de ar para zonas públicas, com dois motores eléctricos para bombas de circuito de refrigeração, e acessórios; - s) motor eléctrico com bomba de elevador; - t) grupo de extracção de ar das casas de banho, com motor eléctrico e extractor; - u) no estacionamento, três extractores, servindo, respectivamente, sala de restaurante, sala de banquetes e zonas de serviços; - v) sistema electrónico nas copas para automatização do ar condicionado dos quentes; 10 - A Ré ficou obrigada a manter em bom estado de funcionamento todas as coisas e sistemas referidos no anexo mencionado; 11 - A Ré ficou igualmente obrigada a instalar e manter, no prédio arrendado, os seus serviços por forma a que foi confirmada a utilidade turística e a categoria do hotel como primeira A, já previamente reconhecidas; 12 - No dia 2 de Agosto de 1974, faleceu o senhorio EE, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como herdeiros os seus dois filhos, e ora Autores BB e CC; 13 - Por força da escritura pública outorgada em de 13 de Agosto de 1979, foi adjudicado, à Autora viúva AA o usufruto de uma quarta parte do prédio referido em A) e a respectiva nua propriedade adjudicada aos ora Autores BB e CC; 14 - Na sequência do contrato de arrendamento referido em A) a M), passou a funcionar no prédio dado de arrendamento o "Hotel D...", cuja exploração tem constituído desde então até ao presente o objecto da actividade da sociedade Ré, que foi constituída em 1969; 15 - O Hotel D... está apetrechado com todos os equipamentos e meios, eficazes, para o exercício da sua actividade hoteleira; 16 - Está mobilado, em todas as suas componentes, com mobiliário de qualidade, decoração e motivos decorativos adequados a cada uma dessas componentes; 17 - Trata-se de um estabelecimento comercial com larga clientela, fornece-dores qualificados e pessoal bem preparado para as funções que exerce; 18 - Em 11 de Fevereiro de 2002, os accionistas da Ré venderam as suas participações sociais - acções - representativas da totalidade do respectivo capital social; 19 - Eram, então, accionistas da Ré, FF e familiares deste, incluindo filhos e filha e GG e familiares da mesma; 20 - Em 11 de Fevereiro de 2002 realizou-se uma Assembleia Geral da Ré; 21 - De harmonia com a respectiva acta, na Assembleia encontrava-se "a accionista única "Sociedade Hoteleira do C...P..., Ldª.", devidamente representada pelos Senhores HH, Dr. II e JJ ..."; 22 - Nessa Assembleia, foram tidas em consideração "as cartas de renúncia dos membros da Assembleia Geral, Senhores Eng.º. LL e MM e dos membros do Conselho de Administração, Senhores FF, NN e OO" cujos mandatos terminariam em 31 de Dezembro de 2002; 23 - E foi aprovada pela accionista única a designação dos novos membros dos referidos órgãos sociais para o triénio em curso, que terminava em 31 de Dezembro de 2002, nos seguintes termos: a) Mesa da Assembleia Geral: - Presidente-PP, Secretária QQ b) Conselho de Administração: - Presidente - HH, sendo vogais II e JJ.

Elegeu-se como questão a decidir a de saber, em primeiro lugar se, dos factos apurados resulta ter existido o trespasse invocado pelos autores e, só verificado este é que se passará à análise da falta de comunicação, como fundamento da resolução peticionada.

Entrando na apreciação do pedido, disse o Ex.mo Juiz: Vêm os autores pedir a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da ré a despejar o prédio arrendado, com fundamento no facto dos accionistas da ré terem vendido as suas participações sociais (acções), represen-tativas da totalidade do respectivo capital social, passando a ser accionista única a "Sociedade Hoteleira do C...P..., Lda.", consubstanciando a alienação nos termos efectuados, um trespasse do estabelecimento comercial, pelo que, não tendo sido comunicado o referido trespasse aos autores, confere aos autores o direito de resolver o contrato, nos termos do artº. 1038º alíneas f) e g) do Código Civil e do artº 64º nº 1, alínea f), do R.A.U.

… Serve de fundamento à acção, o facto dos accionistas da ré terem vendido a totalidade das suas participações sociais, representativas da totalidade do capital social à "Sociedade Hoteleira do C...P..., Lda.", passando todo o capital social da ré "DD - Organizações Hoteleiras, S.A." a ser detido por aquela sociedade.

Dispõe o artº 115º do R.A.U. que é permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial.

O trespasse não foi durante muito tempo definido em termos uniformes, nem na legislação nem na doutrina comercialista. Hoje, porém, a doutrina dominante, mais esclarecida, identifica o trespasse como a transmissão...

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