Acórdão nº 07S1154 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução21 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 2 de Janeiro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Empresa-A, CÂMARA MUNICIPAL DE SETÚBAL e Empresa-B, pedindo: (a) se declare a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré Empresa-B; (b) se declare a transmissão do estabelecimento entre a ré Câmara Municipal de Setúbal e a ré Empresa-B, entre esta e a ré Câmara Municipal de Setúbal e entre esta e a ré Empresa-A; (c) se considere ilícita a recusa de atribuição de trabalho pela ré Empresa-A ao autor; (d) a condenação solidária das rés a pagarem-lhe as verbas correspondentes às férias e aos subsídios de férias e de Natal, vencidos, no montante de € 31.426,34; (e) a condenação da ré Empresa-A a reintegrá-lo, sem prejuízo da antiguidade e categoria profissional; (f) a condenação da ré Empresa-A a pagar-lhe as retribuições vencidas, no montante de € 7.286,40, acrescidas de todas as que se vieram a vencer; (g) a condenação da ré Empresa-A a pagar juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação.

Todas as rés contestaram.

A Câmara Municipal de Setúbal (melhor, o Município de Setúbal) sustentou ser parte ilegítima, pois não celebrou com o autor qualquer contrato de prestação de serviços ou outro, e negou que o autor tenha mantido com a ré Empresa-B um contrato de trabalho, pedindo, em conformidade, a sua absolvição da instância ou do pedido.

A ré Empresa-A pugna pela absolvição do pedido, já que não ocorreu qualquer transmissão de contratos de trabalho da ré Empresa-B para a Empresa-A, não tendo, por isso, qualquer obrigação de admitir o autor nos seus quadros, nem pode ser considerada solidariamente responsável pelo pagamento das quantias peticionadas.

A ré Empresa-B defende a absolvição do pedido, alegando, que o autor nunca foi seu trabalhador, tendo sido celebrado entre eles um contrato de prestação de serviços que inicialmente se reportava à recolha selectiva de lixos e, depois, por acordo verbal, passou a incluir serviços relativos a outros sectores de actividade da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal, sendo que tal contrato foi transmitido para o Município de Setúbal aquando da entrega do estabelecimento.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente quanto aos réus Empresa-A e Município de Setúbal e parcialmente procedente quanto à ré Empresa-B, sendo esta condenada a pagar ao autor «a quantia global e ilíquida de € 22.613,25 a título de férias e subsídios de férias proporcional a 2003, subsídios de férias de 1998 a 2003 e subsídios de Natal de 1997 a 2002».

  1. Inconformada, a ré Empresa-B apelou, tendo a Relação julgado o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a mesma ré se insurge, mediante recurso de revista, alinhando as seguintes conclusões: a) Dos factos provados resulta evidente que era apenas o resultado da actividade prestada pelo recorrido que delimitava o carácter da sua intervenção profissional, não havendo qualquer dever de obediência às ordens emanadas da recorrente, integração na sua estrutura hierárquica ou sujeição ao respectivo poder disciplinar: o recorrido tinha plena autonomia técnica; b) A exigência de respeito pelas orientações genéricas da recorrente não é mais que uma exigência genérica e apriorística, semelhante ao que sucede, quer no mandato [artigo 1161.º, alínea a), do Código Civil], quer na empreitada (artigos 1208.º e 1216.º, n.º 1, do Código Civil), posto que, desde que o recorrido se não afastasse de tais critérios, o mesmo poderia sempre coordenar os serviços sem qualquer interferência da recorrente; c) Enquanto que o trabalhador tem um horário de trabalho, usualmente fixado pela entidade empregadora, afectando a sua capacidade produtiva, durante esse período de tempo, à entidade empregadora, o prestador de serviço não está na disponibilidade do dono da obra; ora, resulta da matéria de facto provada que, não só não existia disponibilidade da força de trabalho do recorrido, como o recorrido não estava sujeito a qualquer horário de trabalho, maxime a um horário de trabalho que resultasse de qualquer imposição da recorrente; d) Para além da matéria de facto assente nos autos não permitir concluir pela existência de uma pré-determinação do local da prestação das tarefas do recorrido, tal pré-determinação, a existir, é insuficiente para qualificar o contrato como contrato de trabalho, tanto mais que não é específica do contrato de trabalho e que a especificidade própria da actividade desenvolvida pelo recorrido torna perfeitamente aceitável e justificável que essa actividade se desenvolva preferencialmente nas instalações da recorrente, sem que tal impeça, contudo, a qualificação do contrato como sendo um contrato de prestação de serviços; e) Acresce que não se verificava o pagamento de uma quantia certa e regular pela actividade profissional desenvolvida pelo recorrido, o qual era pago pelas horas de trabalho efectivamente prestadas, não se verificando igualmente o pagamento de qualquer quantia a título de subsídio de férias e Natal, prestações estas que tipicamente caracterizam um relação de trabalho subordinado; f) Não só alguns dos instrumentos de trabalho do recorrido pertenciam ao mesmo, como importa ter sempre em atenção que, para a qualificação de um contrato como sendo de prestação de serviços ou de trabalho, é necessário proceder à análise da relação jurídica como um todo e não ao mero somatório dos factos que poderão conduzir a uma ou outra qualificação; g) Ora, da análise conjugada dos factos e do seu confronto com os diversos indícios de cada conceito-tipo, ou seja, com base num juízo de globalidade, impõe-se concluir terem as partes efectivamente celebrado um contrato de prestação de serviços; h) Diga-se, por fim, que sempre que se suscitem dúvidas quanto à real vontade das partes na celebração de um contrato, se deve atender ao sentido normal da declaração negocial, atribuindo-lhe o significado que será razoável presumir em face do comportamento do declarante, e fazendo prevalecer as soluções que melhor salvaguardam os princípios da boa fé: uma vez que as partes denominaram o contrato como «contrato de prestação de serviços»; que a respectiva minuta foi da responsabilidade do próprio recorrido, seguindo, aliás, a forma de contratação que o mesmo não ignorava ser também pretendida pela recorrente; que o recorrido sempre emitiu «recibos verdes» e cobrou IVA, nunca tendo, em contrapartida, reclamado o pagamento de quaisquer subsídios de férias ou de Natal, sempre se terá de concluir, inevitavelmente, pela prestação de serviço, em detrimento do contrato de trabalho; i) Subsidiariamente, dir-se-á ainda que, por força do previsto no contrato de concessão dos autos (transmissão automática para o Município de Setúbal, após transferência para este da Central, de todas as obrigações decorrentes para a recorrente do mencionado contrato e existentes em tal data, incluindo as relativas aos trabalhadores que, nos termos do contrato, se encontrassem afectos em exclusividade à Central) a posição jurídica que a recorrente detinha no contrato de trabalho celebrado com o recorrido se transmitiu para o mencionado Município; j) Donde conclui a recorrente pela necessária improcedência da totalidade dos pedidos contra si deduzidos pelo recorrido nos presentes autos; k) O acórdão recorrido interpretou, incorrectamente, o disposto nos artigos 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil.

    Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que os pedidos contra si deduzidos sejam julgados totalmente improcedentes.

    Os recorridos contra-alegaram, sustentando a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

  2. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: - Se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviços se desenvolveu nesses precisos termos, ou se, pelo contrário, a configuração que realmente assumiu impõe que seja qualificada como contrato de trabalho [conclusões a) a h), j), esta na parte atinente, e k) da alegação do recurso]; - Se as obrigações decorrentes para a recorrente do mencionado contrato, por força do previsto no Contrato de Concessão da Exploração da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos de Setúbal, se transmitiram para o Município de Setúbal [conclusões i) e j), esta na parte atinente, da alegação do recurso].

    Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre 1 de Outubro de 1997 e 31 de Julho de 2003, portanto, em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (1 de Dezembro de 2003) e considerando o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    As instâncias deram como provados os factos seguintes, mencionando-se entre parênteses as alíneas da matéria de facto considerada assente e os números da matéria de facto julgada provada em sede de audiência de discussão e julgamento: 1) A ré Câmara Municipal de Setúbal, adiante designada por CMS, é, por via legislativa, responsável pela recolha, transporte, tratamento e destino final dos resíduos sólidos urbanos na área do município [alínea A)]; 2) Para cumprimento da referida obrigação, a ré CMS, por deliberação camarária de 24.10.1991, criou o estabelecimento denominado Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos [alínea B)]; 3) As rés CMS e Empresa-B, adiante apenas designada por Empresa-B, celebraram, por escritura pública, o «Contrato de Adjudicação d[a] Empreitada de Concepção, Construção e...

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