Acórdão nº 07A1364 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução05 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher BB, intentaram, em 4.5.2004, pela Vara Mista da Comarca de Braga, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: CC e mulherDD Pedindo que se declare a nulidade relativa, por simulação de preço, de um contrato de cessão de quotas e se condenem os réus a pagarem-lhes a quantia de € 34.915,84 correspondentes ao remanescente em dívida do preço relativo ao preço do negócio dissimulado (causa de pedir e pedido deduzidos na réplica alteraram os da petição).

Contestaram os Réus para dizer, em síntese, que entre o contrato-promessa que precedeu a cessão e a escritura através da qual esta foi consumada "ocorreu uma alteração substancial da realidade financeira, contabilística (...) e, por isso é que o negócio projectado foi revisto, tendo, consequentemente, sido alteradas as suas condições e contrapartidas que, afinal, são as que se mostram traduzidas para a competente escritura" (artigo 18° da contestação, reiterado no 12° da tréplica) Pugnam assim pela improcedência da acção e, em reconvenção, pedem que se condenem os autores a pagarem-lhes a quantia de € 60.706,96 e juros desde a notificação aos reconvindos da dedução deste pedido.

*** A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarou a nulidade da cessão de quotas [exarada na escritura pública certificada a fls. 9 a 13], e a validade da cessão subjacente, correspondente ao negócio delineado no contrato-promessa constante de fls. 6 a 8, e, em consequência, condenou os RR. a pagarem aos AA. a quantia de € 29.927,87 (vinte e nove mil, novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Foi julgado improcedente o pedido reconvencional, com a inerente absolvição dos AA.

*** Inconformados apelaram os RR, para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de fls. 221 a 229, de 7.12.2006, negou provimento ao recurso e condenou cada um dos RR. como litigantes e má-fé na multa de 10 Uc`s.

*** De novo inconformados recorreram os RR. para Supremo Tribunal e, alegando, formularam as seguintes conclusões: I - Na douta sentença de 1ª instância - que o douto acórdão recorrido, além do mais, confirmou na íntegra - foi exarado que, no caso sujeito, teria havido "simulação do preço" (referência à cessão de quota titulada pela escritura de 01.10.2002), sendo que, por isso, os AA. e ora Recorridos, pediram, oportunamente, a nulidade relativa do competente contrato.

II - Os sujeitos do contrato de cessão de quota titulado pela referida escritura foram os Autor marido e Ré mulher.

III - Para além dos três requisitos cumulativos da simulação - divergência entre a vontade real e a vontade declarada, intuito de enganar terceiros e acordo simulatório - a simulação relativa exige ainda a verificação de um quarto requisito, também cumulativo: a exigência de negócio dissimulado formalmente válido.

IV - A cessão de quotas era, à data dos factos, um negócio formal, o que significará que o contrato dissimulado (se, na verdade, tivesse havido simulação) sempre teria de ter sido reduzido a escrito.

V - Os autos contêm um documento escrito que foi apelidado de "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", sendo que os únicos subscritores de tal documento foram os Autor marido e Réu marido.

VI - A Ré mulher - que é a cessionária da quota - não subscreveu o predito documento escrito, nem interveio em qualquer outro acordo que não seja aquele a que se refere a escritura de 01.10.2002.

VII - A existência, no caso sujeito, de um documento escrito formalmente válido para titular o negócio dissimulado, é a regra.

É necessário que tal documento exista e seja oponível à declaratária.

A sua não existência, salvo o devido respeito, não é irrelevante.

VIII - Réu marido e Ré mulher, são pessoas físicas e jurídicas diferentes, sendo que a última, no tocante ao documento escrito que os autos contêm, é terceira.

Não o subscreveu (nem interveio na discussão do seu conteúdo) pelo que, relativamente a si, é nulo.

Mas se é nulo, não pode ser tido em conta, pelo que - já que é necessário - no caso, não poderá falar-se em simulação.

Muito menos em simulação de preço.

IX - Ainda que simulação houvesse - admita-se como hipótese e sem conceder - no caso sujeito a simulação estará a ser arguida pelo Autor marido, que seria o simulador que lhe deu causa "com o intuito de se furtar ao cumprimento dos deveres fiscais".

Todavia, o (s) simulador (es) só pode (m) arguir a simulação se existir já um princípio de prova escrita, o que não será, por aquilo que se disse, o caso.

Na verdade, quanto à cessionária não haverá nos autos - além da escritura de cessão de quota - qualquer prova escrita, formal e/ou substancialmente válida, que lhe seja oponível. Quer para demonstrar o acordo simulatório, quer para demonstrar a - no caso - simulação relativa.

X - A invocação que, no douto acórdão recorrido, se faz do art. 349°, Código Civil - Presunções - face à ausência de provas escritas oponíveis à cessionária que tornem verosímil o facto alegado, salvo o devido respeito, não será legítima.

XI - A inexistência do contrato-promessa (ou documento escrito equivalente) a anteceder a celebração do contrato de cessão não é irrelevante, sendo que não será legítimo inferir-se a prova da simulação relativa de outras provas que não seja a documental.

Mesmo que seja a confissão do R. marido que, pelas razões supra, não podem impor-se ou vincular a R. mulher, a cessionária, em suma.

Por isso, as respostas pertinentes terão que ser dadas como não escritas, nos termos do art. 646°, nº4, Código de Processo Civil.

XII - Face ao alegado nos n°s 15 a 21 das alegações supra, os RR. - com especial ênfase quanto à R. mulher - não litigam de má fé.

Nem a título de dolo, nem sequer de negligência.

XIII - Decidindo como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o preceito acabado de citar (art. 646°, n°4, Código de Processo Civil), assim como violou, além de outros, os arts. 240º, 241°, nºs 1 e 2, 349°, 351°, 362°, 364º, n°1, 394°, n°s 1 e 2, 410º, n°s 1 e 2, todos do Código Civil.

Violou ainda o disposto no art. 456° do Código de Processo Civil.

As citadas normas legais (substantivas), ainda que aplicáveis ao caso, deveriam ser interpretadas no sentido de ser dado provimento ao recurso interposto pelos ora Recorrentes, ou seja, no sentido da improcedência da acção.

As normas adjectivas consideradas violadas deveriam ser aplicadas e interpretadas no sentido de considerar não escritas as respostas dadas à matéria de facto em desarmonia com a prova documental que os autos contêm.

Termos em que, deve o presente recurso merecer inteiro provimento e, consequentemente, ser revogado o douto acórdão recorrido, substituindo-se este por Acórdão que julgue a acção improcedente, e absolvendo-se, por isso, os RR. do pedido, Como é de Justiça.

Os AA. contra-alegaram, batendo-se pela confirmação do Acórdão sob censura.

*** Colhidos os visto legais cumpre decidir, tendo em conta que na instância recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1) - Por escrito datado de 26 de Setembro de 2002, apelidado de "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", o Autor marido prometeu ceder ao Réu marido, ou à pessoa por ele indicada, a quota que detinha na firma "EE-Construção Civil e Imobiliária, Limitada", mediante uma contrapartida pecuniária de € 89.783,62, a liquidar nos seguintes termos: - a quantia de € 9.975,96 de imediato; - a quantia de € 49.879,79 no acto da escritura definitiva de cessão de quotas; - a quantia de € 29.927,87 até ao final de Julho de 2003 - alínea A) da matéria de facto assente; 2) - Ainda nos termos desse escrito o Autor marido declarou renunciar à gerência da sociedade e o Réu marido declarou assumir as dívidas contraídas em nome dela a partir de então - alínea B) da matéria de facto assente; 3) - Mais ficou estabelecido que a escritura definitiva seria celebrada até ao final do mês de Setembro de 2002 e que o "contrato promessa" se manteria em vigor após a sua outorga, na parte que dele faltava cumprir - alínea C) da matéria de facto assente; 4) - Finalmente, ficou acordado que o crédito, no montante de € 9.975,96, que a sociedade detinha sobre Isidro Manuel Pereira de Carvalho, emergente de uma obra que para ele realizara, seria repartido equitativamente entre "cedente" e "cessionário" logo que fosse recebido - alínea D) da mat. facto assente; 5) - Por escritura pública outorgada no dia 1 de Outubro de 2002, o Autor declarou ceder a quota, no valor nominal de €...

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