Acórdão nº 07A1279 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução05 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - Por sentença de 21-12-05, foi declarada a falência de "Á.. P... R... & F..., Lda." e abriu-se concurso de credores.

Fixou-se a data de falência em 26-09-05.

O processo deu entrada no Tribunal Judicial da Covilhã, como processo especial de recuperação de empresa no dia 19 de Dezembro de 2003.

Reclamaram créditos, entre outros, o Centro Distrital de Segurança Social, a Fazenda Nacional, o banco "B..., S.A." e, por dívidas laborais, cinquenta e quatro trabalhadores.

O crédito reclamado pela "B..., S.A.", no montante de € 35 039,14, foi garantido por hipoteca voluntária registada na Conservatória do Registo Predial da Covilhã na ficha n.º 01360, pela apresentação 13/15122000.

Os contratos de trabalho cessaram em Setembro de 2005, por decisão do liquidatário judicial.

Todos os créditos reclamados foram reconhecidos, gozando o do Banco "B..." da referida garantia hipotecária e os dos trabalhadores de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis da falida em que prestaram a sua actividade.

Foram, então, graduados para serem pagos pelo produto da venda dos bens imóveis, nos termos seguintes: 1. o crédito destinado ao pagamento ao gestor judicial; 2. os créditos dos trabalhadores; 3. os créditos hipotecários de acordo com a prioridade do registo; 4. os restantes créditos, como comuns.

Apelaram os credores CDSS e "B..., S.A.", mas a Relação manteve a graduação efectuada na sentença.

A "B..., S.A." pede ainda revista para insistir na graduação do seu crédito hipotecário com preferência sobre os créditos reclamados pelos trabalhadores da falida que hajam de ser pagos pelo produto do mesmo imóvel.

Para tanto, vêm formuladas as seguintes conclusões: 1. A constituição e registo da garantia hipotecária de que goza o crédito do recorrente datam do início de 2001 - muito antes da entrada em vigor do actual Código do Trabalho, da constituição dos actuais créditos salariais dos trabalhadores da Falida, e mesmo dos demais créditos hipotecários, constituídos ou concedidos com referência ao mesmo bem imóvel.

  1. O actual Código do Trabalho, ao atribuir o privilégio imobiliário especial a que alude a al. b) do n° 1 do seu art. 377°, visou expressamente por cobro, de alguma forma, à vasta polémica doutrinária e jurisprudencial que se vinha arrastando a propósito da prevalência relativa, da eficácia perante terceiros com direitos reais de garantia conflituantes, e da própria licitude constitucional, do privilégio creditório imobiliário, geral, que era atribuído aos créditos dos trabalhadores, nos anteriores quadros legais (Leis n° 17/86 e n° 96/2001).

  2. Trata-se de uma alteração/clarificação legal - que origina uma fase transitória entre dois quadros legais - o que obriga a que os concretos interesses conflituantes das partes directamente afectadas pelas normas jurídicas pertinentes sejam necessariamente acautelados pela fonte de Direito que é a jurisprudência, ou seja, por via da interpretação e da integração da Lei que terá de ser feita pelos Tribunais .

  3. O entendimento das instâncias sobre a aplicação, ao caso concreto, das regras ínsitas no art. 12° do Código Civil, não é o correcto, porque contraria - em prejuízo e ofensa da certeza e da segurança jurídicas, subjacentes ao principio da confiança, que merece consagração constitucional, e é defendido na lei civil, como um dos pilares essenciais do nosso ordenamento jurídico - os interesses de terceiros, necessariamente conflituantes com os dos titulares do dito privilégio creditório imobiliário.

  4. Cumprindo chamar aqui à colação os princípios gerais contidos nos artigos 12°, nos. 1 e 2, l.ª parte, 9°, n° 1, e 10°, n° 3, do Código Civil, para fazer a melhor justiça ao caso concreto - em salvaguarda das regras essenciais da não retroactividade das leis, da ponderação e salvaguarda da unidade do sistema jurídico, e da análise das circunstâncias em que a lei a aplicar foi elaborada e das condições específicas do tempo em que é aplicada.

  5. Vinha sendo entendimento da nossa jurisprudência dominante dos últimos anos que a hipoteca prevalece, em sede de graduação de créditos, sobre os vários privilégios creditórios imobiliários gerais, estatuídos em legislação avulsa.

  6. E isto quer por via do disposto no art. 749° do Código Civil, como em função de um juízo de inconstitucionalidade sobre a interpretação contrária das várias normas avulsas instituidoras dos privilégios creditórios de que beneficiam, nomeadamente, créditos da Segurança Social, e da Fazenda Nacional, assente na constatação da violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no art. 2° da CR..

  7. Tais juízos de inconstitucionalidade assentam na justa consideração, aqui também aplicável, de que entendimento contrário constituiria inadmissível lesão da certeza e segurança jurídicas com que o credor hipotecário deverá legitimamente contar para a concessão de crédito que faça a terceiros - em função dos princípios gerais de direito e das regras do registo.

  8. A não ser assim, o apoio creditício de médio-longo prazo, associado à constituição de garantias hipotecárias, geralmente concedido por instituições bancárias a particulares e empresas - no exercício de uma actividade própria lucrativa, mas socialmente útil, estruturante da economia, e potenciadora da criação de postos de trabalho - passaria a contar com uma álea de risco, e potencial sacrifício pecuniário, que é incompatível com a certeza do direito, e com o princípio da confiança que deve tutelar as relações jurídicas estabelecidas entre credor e devedor .

  9. É esse mesmo princípio da confiança que, no caso "sub judice", resulta ainda mais ostensivamente ofendido, em fazendo carreira o entendimento que está subjacente às decisões das instâncias.

  10. Deve aplicar-se à situação dos autos o n° 1 e a primeira parte do n° 2 do art. 12° do Código Civil - pois a instituição do novo privilégio creditório imobiliário especial (o instituído pelo art. 377° do Código do Trabalho) só vale para o futuro, 12. Pois estamos perante um caso em que a lei nova "dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos" - motivo pelo qual, se dúvidas houvesse, sempre se terá de entender que a norma "só visa os factos novos".

    I 13. Se é certo que o art. 377° do Código do Trabalho tem aplicação imediata - a interpretação e integração daquela norma terá que fazer-se, relativamente ao caso concreto, por forma a que fiquem "ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular", o que se presume como vontade do legislador (art. 12º, n.° 1, do Código Civil).

  11. Neste caso concreto, esses efeitos a ressalvar são a confiança, a certeza e segurança jurídicas - materializadas na estabilidade do quadro normativo existente - com que contava o credor hipotecário no momento...

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