Acórdão nº 07B1452 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 1 de Abril de 1998, contra BB, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedindo a declaração da resolução da sua aceitação do contrato-promessa unilateral de trespasse e da justificação do não pagamento à ré de dois milhões de escudos, a sua condenação a pagar-lhe 12 000 000$ relativos ao dobro do sinal passado e a indemnizá-la no montante de 4 692 353$ e no que se liquidasse em execução de sentença em termos correspondentes à diferença entre o rendimento mensal contratualmente garantido e o obtido com a exploração do estabelecimento de cabeleireiro.
Fundamentou a sua pretensão na entrega à ré de 6 000 000$ referentes ao trespasse do estabelecimento de cabeleireiro e no acordo de os restantes 2 000 000$ serem pagos aquando do cumprimento das condições de venda e de que tal valor seria proporcionalmente reduzido se o rendimento não fosse o anunciado de 350 000$ e na recusa da ré do apuramento do resultado da exploração durante os três meses de garantia.
Na contestação, a ré, por um lado, arguiu a sua ilegitimidade, por não ter sido accionado o cônjuge, negou haver celebrado com a autora contrato de trespasse do estabelecimento, afirmou ter-se limitado a acordar na resolução de um contrato de arrendamento prévia à celebração de um outro contrato da mesma espécie e à venda de equipamento e de mercadora existente no seu estabelecimento.
E, por outro, que a negociação foi conduzida pelo pai da autora, que a garantia por si assumida pressupunha a exploração e acompanhamento do negócio por aquela, que tal não veio a acontecer, mas que ela se limitou a transferir para as duas empregadas do estabelecimento a sua gestão, sem supervisão, e a receber delas a quantia mensal acordada de 300 000$.
Ademais, em reconvenção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe o remanescente do preço do negócio acordado no montante de 2 000 000$ e juros vencidos de 850 000$ e os vincendos à taxa legal.
Replicou a autora e, na audiência preliminar, no dia 22 de Maio de 2000, foi a ré absolvida da instância por não ter sido accionado CC, cônjuge da ré.
A autora requereu a intervenção principal de CC, que foi admitida, o qual apresentou contestação, aderindo ao articulado apresentado pela ré.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 12 de Agosto de 2005, por via da qual foi declarada a nulidade do trespasse, a improcedência do pedido de resolução do contrato e de indemnização e considerado prejudicado o conhecimento do pedido de declaração de justificação do não pagamento da quantia de 2 000 000$.
Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 26 de Outubro de 2006, negou provimento ao recurso.
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os anúncios, as duas declarações da recorrida e a anuência da recorrente configuram um contrato-promessa unilateral de trespasse, devendo o contrato definitivo ser formalizado, assumindo as entregas de dinheiro por conta do preço o carácter de sinal; - a traditio é compatível com a existência do contrato-promessa, que não é descaracterizado pela diligência da recorrida junto do senhorio para transferir para a recorrente o contrato de arrendamento do local e por ter resolvido o contrato que a vinculava; - não há contrato de trespasse, porque a sua formalização ficou sujeita à condição suspensiva da verificação da garantias acordadas, só havendo alguns actos negociais preparatórios, o que caracteriza o contrato-promessa; - a recorrida incumpriu as condições a que se vinculara de transferência da titularidade do alvará para a recorrente e de fazer o apuramento das contas com vista à comprovação do rendimento do que dependia o trespasse e porque abriu em nome da mãe um novo salão; - deve a recorrida ser condenada a restituir-lhe o dobro do sinal passado e a indemnizá-la pela perda da expectativa que nela criara; - a interpretar-se a declaração da recorrida como trespasse, tem de ser qualificada de nula e ineficaz, salvando-se os actos negociais praticados e que visavam a sua formalização; - haveria de respeitar os efeitos por eles produzidos, operando-se a conversão do trespasse nulo por falta de forma em contrato-promessa de trespasse, nos termos do artigo 293º do Código Civil, por ser razoável supor que as partes assim o teriam querido expressar se tivessem previsto a nulidade daquela declaração; - a declaração da nulidade não pode levar à repristinação das coisas ao estado anterior porque houve traditio e satisfação dos encargos correlativos de exploração irrepetíveis, e por virtude de a recorrida ter feito cessar o contrato de arrendamento, ter outorgado novo contrato-promessa de arrendamento entre si e o senhorio que denunciou quando após o incumprimento definitivo; - nada há que restituir à recorrida, foi espoliada do que despendeu a título de sinal e de encargos com o estabelecimento, privada dos lucros que aspirava realizar, sofreu prejuízos por ter confiado nas enganadoras garantias que a recorrida lhe havia oferecido; - não pode aspirar ao valor correspondente pois não o há quanto ao contrato de arrendamento que a recorrida resolveu por sua iniciativa nem ao valor do recheio do salão que foi consumido; - provado que o incumprimento definitivo se ficou a dever exclusivamente à actuação da recorrida, a considerar-se contrato-promessa de trespasse, deve ser condenada a restituir à recorrente o dobro do sinal; - a entender-se tratar-se de trespasse nulo, deve a recorrida restituir-lhe as prestações recebidas e a indemnização por incumprimento e declarar-se que nada tem a recorrente restituir-lhe; - ao ter decidido como o fez, o acórdão violou os artigos 220º, 236º ,238º, nº1, 289º, nº 1, 293º, 410º, nº 1, 441º, 442º, nº 2, do Código Civil e 115º, nº 2, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A ré fez publicar, em finais de Novembro de 1995, anúncios no Jornal "Correio da Manhã", com a declaração "Bom Negócio, trespassa-se cabeleireiro, Linha de Sintra, muito bem situado, rendimento líquido mensal 350 cts. Preço 10 000 cts. (facilita-se). Responder só quem esteja interessado. Trespassa-se, Cabeleireiro, urgente na Linha de Sintra, muito bem situado, não precisa de estar à testa. Rendimento mensal líquido 350 000$00".
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Nas negociações que precederam o acordo com a autora através do pai desta, a ré reafirmou que o rendimento líquido mensal do estabelecimento era superior a 350 000$ e que quem o explorasse não precisava de estar à frente do mesmo ou de conhecer o ramo, já que as duas empregadas eram excelentes profissionais, pessoas sérias e respeitáveis, que assumiam o seu funcionamento e exploração, e que apenas pretendia desvincular-se do negócio para regressar à Suiça, onde estivera e o seu cônjuge explorava um restaurante.
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Após as referidas negociações, no dia 30 de Dezembro de 1995, a ré declarou por escrito simples, o seguinte: "Eu BB, declaro que trespassei o Salão de Cabeleireiro, situado na Rua dos ..... nº ....., Loja ......, Mem Martins, à senhora AA, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1996 e a venda fica sujeita às seguintes condições: - o trespasse é feito livre de todos os encargos e inclui todo o mobiliário constante da lista na posse do contabilista e inclui quanto está na loja, exceptuando-se a TV. Comprometo-me ainda a instalar o armário em...
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