Acórdão nº 07P275 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução09 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 12 de Outubro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Gondomar, AA intentou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra COMPANHIA DE SEGUROS ..., S. A., e BB pedindo a condenação dos réus no pagamento das indemnizações e pensão devidas pelas lesões resultantes do acidente de trabalho, ocorrido em 11 de Setembro de 2002, quando prestava a actividade de pedreiro em favor do segundo réu, cuja responsabilidade infortunística estava totalmente transferida para aquela seguradora.

A seguradora contestou, sustentando que o acidente de trabalho se ficou a dever a falta de observância de normas de segurança, nomeadamente por falta dos elementos de protecção colectiva e individual contra os riscos de queda em altura, e, também, a comportamento indesculpável, inútil, temerário e reprovável do sinistrado, o que integra o conceito de negligência grosseira e é conducente à descaracterização do acidente, enquanto sinistro laboral.

Por sua vez, a empregadora contestou, alegando que a sua responsabilidade estava transferida para a ré seguradora e que apenas pagou as quantias referentes a incapacidade temporária absoluta face às dificuldades económicas do autor e não por reconhecer qualquer responsabilidade na reparação do acidente, tendo acrescentado, em resposta à contestação da ré seguradora, que o acidente dos autos não resultou de qualquer inobservância de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho.

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré seguradora a pagar ao sinistrado, desde 11 de Dezembro de 2003, a pensão anual e vitalícia de € 2.356,58, actualizada para € 2.410,78 a partir de 1 de Dezembro de 2004.

  1. Inconformada, a ré seguradora interpôs recurso de apelação, defendendo que, perante a matéria dada como provada sob os n.os15 a 17, não se podia deixar de concluir que se o autor tivesse utilizado cinto ou arnês de segurança ou cabo de amarração sempre evitaria a queda ou pelo menos reduziria o impacto da mesma, por isso, o acidente ocorreu exclusivamente por virtude da inobservância das regras de segurança por parte da entidade patronal do sinistrado.

    Conhecendo do recurso, a Relação entendeu que a questão posta pela ré seguradora estava prejudicada, «na medida em que a mesma não alegou, nem provou, como lhe competia a culpa da entidade patronal na não observância das regras de segurança que no caso se impunham», acrescentando que, «para além da prova da inobservância das regras de segurança deveria a recorrente provar a referida culpa, pelo que, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

    É contra esta decisão que a ré seguradora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: 1) Perante o factualismo apurado, o tribunal a quo acaba por reconhecer que os factos provados demonstram inequivocamente que o acidente dos autos só ocorreu por virtude da inobservância das mais elementares regras de segurança; 2) Pois, o sinistrado só caiu porque não usava cinto de segurança ou cabo de amarração, como impunham os artigos 150.º do Decreto n.º 41.821, de 11.08.58, 9.º, al.

    1. e ponto 5.2 da Secção II, parte B, anexo IV da Directiva n.º 92/57/CEE, de 24.06.92, e 11.º da Portaria n.º 101/96, de 01.04, e também porque não tinham sido instaladas redes de protecção, em obediência ao disposto na Directiva n.º 92/57/CEE, de 24.06.92, Anexo IV, Parte B, Secção II, pontos 5.2 e 6.2, e, bem assim, do disposto nos artigos 40.º, 41.º e 42° do Decreto n.º 41.821, que consubstanciam prescrições legais que consagram regras específicas e concretas que prevêem e impõem a utilização daqueles equipamentos; 3) Todavia, considerou o tribunal a quo que a recorrente não logrou demonstrar a culpa da entidade patronal do sinistrado relativamente à inobservância da falta de condições de segurança, em razão do que se encontrava prejudicada a sua condenação como responsável pelas consequências do acidente, argumentação que falseia e subverte o enfoque correcto da situação: se a queda se deu, se a falta de meios de segurança apropriados a evitar tal queda ficou provada, que outra conclusão se pode extrair das regras da experiência pelas quais o julgador tem de se nortear? 4) Assim, face à matéria de facto apurada, ficou demonstrado que a entidade patronal não exerceu convenientemente o seu indeclinável dever de implementação e fiscalização das condições de segurança, mormente no que se refere ao não uso do cinto de segurança pelo sinistrado e à não instalação das redes de suspensão na obra, em violação do disposto no artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14.11, no artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/95, de 01.07, e n.os 1 e 2, alíneas a) e c), do artigo 6.º da Directiva 89/391/CEE, de 12 de Junho de 1982, 5) Sendo certo que esta omissão de cuidado e diligência foi causa exclusiva, directa e necessária da ocorrência do acidente, em razão do que, face ao que estabelece o artigo 37.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13.09, é a entidade patronal do sinistrado a responsável principal pelas consequências do sinistro, contrariamente ao entendimento perfilhado na decisão sob censura; 6) Isto porque, o conceito de culpa plasmado nas supra referidas disposições contempla uma noção mais ampla, que abrange não só a culpa grave mas também a mera culpa ou negligência, ou seja, a omissão daquele dever de cuidado exigível e esperado de um empregador medianamente diligente e prudente, o que, no mínimo, significa que é exigível que conheça e aplique as normas de segurança inerentes ao ramo de actividade que exerce, o que, como se apurou, não sucedeu; 7) Por outro lado, é igualmente imposta à entidade patronal a obrigação de prever os perigos que a laboração em determinadas condições possa acarretar em termos de normalidade, sendo que, no caso dos autos, o risco de acidente existia e era absolutamente previsível para um ser humano de mediana cautela e daí as elementares medidas protectoras exigidas por lei, as quais, todavia, não foram minimamente implementadas pela entidade patronal, como era sua obrigação; 8) Por isso, não pode deixar de concluir-se que ficou amplamente demonstrado que a entidade patronal não exerceu convenientemente o seu indeclinável dever de implementação e fiscalização das condições de segurança, designadamente no que se refere ao não uso do cinto de segurança pelo sinistrado e à não instalação das redes de suspensão na obra, sendo certo que esta omissão de cuidado e diligência foi causa exclusiva, directa e necessária da ocorrência do acidente; 9) Face ao exposto, e por virtude do que estabelece o artigo 37.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 18.º, n.º l, da Lei n.º 100/97, é a entidade patronal do sinistrado a responsável principal pelas consequências do sinistro; 10) Assim, ao não considerar que o acidente se ficou a dever a violação destas normas e regras de segurança, por culpa da entidade patronal, o tribunal a quo fez errada interpretação do condicionalismo fáctico subjacente ao acidente dos autos e, por isso, realizou uma deficiente interpretação e aplicação do direito, designadamente das supra citadas disposições legais, que violou, devendo, por isso, ser o acórdão...

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