Acórdão nº 06S4717 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | SOUSA PEIXOTO |
Data da Resolução | 02 de Maio de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA" propôs no tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra o Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado, pedindo que o réu fosse condenado: a) a reconhecer a ilicitude do seu despedimento; b) a pagar-lhe as retribuições que teria auferido até ao trânsito em julgado da decisão final; c) a pagar-lhe a indemnização de antiguidade pelo valor máximo; d) a reconhecer que a sua retribuição incluía o valor de utilização de viatura, no valor mínimo de 1.000 euros mensais, que deve ser atendida para todos os efeitos remuneratórios; e) a pagar-lhe a indemnização correspondente ao capital necessário à formação da renda anual e vitalícia que lhe competiria até aos 75 anos de idade a uma taxa de juro de 3% ou a renda anual vitalícia a que teria direito ou ao valor de resgate do seguro de complemento de reforma, à data da decisão, ou a pagar-lhe os prémios de seguro até à formação da renda; f) a pagar-lhe uma compensação por danos não patrimoniais no valor de 50.000 euros; g) a pagar-lhe os juros de mora a partir da data do vencimento das respectivas obrigações.
Em resumo, ao autor alegou que foi despedido sem justa causa, em 21.1.2004 e, invocando o disposto no art.º 415.º do Código do Trabalho, alegou que o direito de punir tinha caducado pelo facto da decisão de despedimento não ter sido proferida no prazo de 30 dias depois das diligências probatórias terem sido concluídas.
A ré contestou, alegando que os factos praticados pelo autor constituíam justa causa de despedimento e que o disposto no art.º 415.º do CT não era aplicável ao caso.
Realizado o julgamento, com gravação da prova e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente.
O autor apelou da sentença, mas o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão recorrida.
Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: 1.ª - O procedimento disciplinar do A. caducou, provocando a extinção do direito de punir e tornando nulo todo o processo, por ultrapassagem do prazo de trinta dias para proferir decisão, nos termos do art.° 12.°, n.° 3, al. c), da LCCT (ora art.° 415.°, n.° 1, do CT), após a recepção da resposta à nota de culpa e por ausência de mais instrução; 2.ª - Não existia justa causa para o despedimento do A., pelo que o seu despedimento deve julgar-se ilícito, com as consequências legais; 3.ª - A permanência de uma viatura de reserva, desacompanhada de quaisquer outras circunstâncias (posto que a utilização pessoal da viatura era permitida), não é de modo algum desajustada e desproporcionada, se se tiver em consideração, como o A. alegou na p.i., que a viatura que habitualmente utilizada, a VW Passat (alínea I), tinha mais de treze anos e cerca de 280.000 kms (art.° 10.° da p.i. - facto concreto não impugnado pelo R), com o consequente risco acrescido de avarias; 4.ª - A utilização que a Eng.ª BB fazia da viatura do R. era abusiva (não foi autorizada) e disso veio a ser acusada (alínea XX), como infracção própria; 5.ª - Tal utilização decorria da falta de observância de procedimentos formais de autorização de deslocações, por força de práticas instaladas durante muitos anos (a delegação de competências para o A. foi publicada a 17.1.2002) e da dificuldade em fazer actuar as novas exigências regulamentares, própria das instituições públicas, que constitui infracção e culpa leve; 6.ª - O A. prestou sempre contas das despesas dos almoços, com todo o cuidado e discriminação, tendo o CA rubricado os comprovativos, como acto de rotina, baseado na confiança, e sendo as contas sempre aprovadas, sem que o CA e a fiscalização tenham suscitado dúvidas ou reservas; 7.ª - O A. passou a encarar o reembolso da despesa do almoço, mesmo não sendo em serviço, como uma regalia, dado o conhecimento das despesas e a aprovação do reembolso ao longo dos anos, que desresponsabiliza o seu procedimento; 8.ª - Não existe qualquer infracção quanto ao despacho do A. de 18.3.2002 (alínea X), maxime a violação do art.° 44.°, b), do Cód. Proc. Administrativo, como se imputa na sentença, porque o impedimento não era seu, mas de outrem, que não o arguiu, nem foi invocado por qualquer interessado (art.º 45.° do CPA), pelo que o vício sanou-se e o acto convalidou-se; 9.ª - A manutenção da aprovação do reembolso da despesa do telefone do A., pelo CA, a despeito da Resolução do Conselho de Ministros n° 112/02, publicada no DR 1-B de 24.8.2002, não constitui infracção disciplinar e desresponsabiliza o A.; 10.ª - Não existe também qualquer infracção funcional, que sempre seria de forma que não de conteúdo, relacionada com o contrato de formação externa da Engª BB, em vez de passar por um complemento de vencimento, porque o A. aconselhou-se tecnicamente na questão jurídica, colocou o problema ao CA, não lhe foram levantadas questões pela fiscalização e as contas foram aprovadas, nada mais lhe sendo exigível; 11.ª - O A. foi erigido em bode expiatório pelo CA, como forma de se desculpar perante a tutela, não havendo justa causa para o seu despedimento; 12.ª - Em consequência, assiste ao A. o direito de receber, nos termos peticionados: as retribuições (alínea PP) perdidas desde os 30 dias anteriores à data da entrada da acção até à data da sentença, incluindo o valor de uso mensal da viatura de 1.000 € (quesito 49.°) e o prémio de pontualidade (quesito 63.°), a indemnização de antiguidade, a compensação dos danos não patrimoniais, o valor de resgate (24.972,51 €) do seguro de complemento de reforma, titulado pela apólice n.° 0425998 da Empresa-A, tudo com juros de mora desde a data do vencimento das obrigações respectivas.
13.ª - Violou, pois, a decisão recorrida, os art.os 9.°, 12.° e 13.°, da LCCT.
O réu contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso e, para a hipótese de se entender que os factos que a decisão recorrida considerou relevantes para a justa causa não eram suficientes para justificar o despedimento, requereu a ampliação do objecto do recurso relativamente aos factos relativos às dívidas da Empresa-C e Empresa-D e às aquisições de material corrente (higiene, limpeza e escritório) sem observância do procedimento legal, factos esses que, em sua opinião e ao contrário do que foi decidido, também constituem violação grave dos deveres de lealdade e obediência, para além de terem lesado interesse patrimoniais sérios do réu, sendo, por isso, relevantes, em conjunto com os demais, para a apreciação da justa causa, Neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela não concessão da revista, em "parecer" que mereceu resposta por parte do autor.
Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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Os factos Os factos que, sem qualquer impugnação, foram dados como provados nas instâncias são os seguintes (2) : 1. O autor foi admitido pelo réu em 1.1.71, para lhe prestar serviço, sob a sua autoridade e direcção, como director do Centro. (A) 2. O autor exercia as funções decorrentes das suas competências legais. (B)) 3. O autor tem uma viatura afecta ao seu serviço, utilizando regularmente uma Volkswagen Passat. (I)) 4. Essa viatura é utilizada não só para deslocações em serviço como para deslocações pessoais no dia a dia, beneficiando de gasolina e portagens também nessas deslocações pessoais. (J)) 5. Essa prática manteve-se regularmente, mesmo após o autor ter conhecimento da Recomendação n.° 3 do Departamento de Formação Profissional de 2 de Novembro de 1999 que proibia a distribuição e utilização, para o futuro, de viaturas para uso pessoal, extensível aos Directores do Centro, conforme documento de fls. 24 a 26 que aqui se dá por reproduzido. (L)) 6. Há mais de vinte e cinco anos que o autor usufruía da regalia pessoal de utilização de viatura, em serviço e para fins particulares, facto que era do conhecimento dos sucessivos Conselhos de Administração que se sucederam no tempo. (9°) 7. O Conselho de Administração autorizou o autor a sair com a viatura do Centro para o estrangeiro, conforme documento de fls. 22 que aqui se dá por reproduzido. (TT)) 8. A autorização de deslocação ao estrangeiro foi a título pontual, por motivo de viagem de serviço. (59°) 9. O autor tem outra viatura afecta ao seu serviço, que se encontra de reserva para a eventualidade do Passat se avariar. (1º) 10. Pelo menos a partir de 2.11.1999, a utilização de viatura era permitida em regra para as deslocações de serviço e só excepcionalmente as deslocações pessoais estavam autorizadas, conforme o documento referido em 5., não sendo admitido que o autor mantivesse outra viatura de reserva para a eventualidade de avaria da normalmente afecta a essa utilização. (58°) 11. O autor permitiu que a Chefe de Departamento Eng.ª BB utilizasse viatura do Centro para se deslocar para a sua residência no Porto, o que aconteceu quase diariamente pelo menos nos anos de 2001 e 2002, saindo do Centro pelas 17h45m e regressando no dia seguinte pelas 11 h. (2°) 12. Em 29.4.2003, o autor procedeu à elaboração da Nota de Serviço de fls. 27, que aqui se dá por reproduzida, pondo termo à utilização da viatura do réu pela chefe de departamento Eng.ª BB nas deslocações para a sua residência, exigindo que as saídas das viaturas, em serviço, dos chefes de departamento, fossem por si expressamente autorizadas por escrito. (10°) 13. O autor estava autorizado a almoçar a expensas do Centro quando razões de serviço o justificavam. (60°) 14. O autor almoçava quase todos os dias em restaurante de S. João da Madeira, acompanhado de colaboradores directos (Eng.ª BB e Eng. CC), sendo o almoço pago pelo Centro através das contas de despesas de representação ou artigos para o snackbar. (M)) 15. Essas contas em geral não indicavam nem o número de acompanhantes, nem os identificava, assim como não esclareciam o fundamento desses almoços, salvo os casos de almoços de reuniões do Conselho Consultivo ou do...
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Acórdão nº 1154/09.6TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2013
...caducidade do procedimento disciplinar nem a nulidade do processo disciplinar – ver a jurisprudência citada no Ac. do STJ de 2/5/2007, proc. 06S4717, disponível em Todavia, havendo corrente jurisprudencial uniforme, no sentido de que da inobservância do referido prazo, na vigência da lei an......
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