Acórdão nº 06S2964 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução18 de Abril de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA", residente na Rua Calouste Gulbenkian, ..., Figueira da Foz, instaurou contra Empresa-A, com sede em Lisboa, na Travessa Teixeira Júnior, ..., a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que seja (i) declarada a nulidade dos contratos com terceiras empresas e consequente vinculação directa, mediante um contrato sem termo, entre o autor e a ré e (ii) declarado que o despedimento do autor é nulo, por inexistir justa causa e por não ter sido precedido de processo disciplinar. Mais pede que a ré seja condenada: (iii) a reintegrar o autor como seu trabalhador, com a categoria e funções de repositor e a remuneração de € 892,02 mensais; (iv) a pagar ao autor todo o trabalho suplementar e em período nocturno prestado e não pago, com os acréscimos percentuais inerentes, num total de € 19.101,67; e, ainda, os seguintes montantes: (v) € 5.352,12, relativo ao triplo da retribuição correspondente aos períodos de férias não gozadas em 2002 e 2003, vi) e a importância correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente acção até à data da sentença. Pede, finalmente, (vii) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta e até efectivo embolso.

Alega, em resumo, que a ré vem recorrendo a complexas e encapotadas formas de recrutamento de pessoal em alguns sectores da sua laboração, mediante o recurso a empresas de cedência de pessoal ou empresas de trabalho temporário, ao serviço das quais os trabalhadores se vinculam formalmente, sendo, porém, a ré a verdadeira utilizadora do trabalho. Foi desta forma que o autor começou a trabalhar para a ré em Março de 2002, o que fez até 15.10.2003, dia em que foi despedido por uma chefe de secção da ré. Nesse período nunca gozou férias, nem recebeu horas extraordinárias, algumas delas em período nocturno. Sustenta que os sucessivos contratos de trabalho temporário e contratos de trabalho a termo certo que foi levado a assinar com "entidades empregadoras fictícias" são nulos, por representarem uma tentativa de defraudar a lei, já que sempre trabalhou sob as ordens, autoridade, direcção e fiscalização da ré, sua verdadeira entidade patronal. Além de não haver justa causa, o despedimento foi sem precedência de processo disciplinar, sendo, por isso, nulo. Tal nulidade confere-lhe não só o direito à reintegração no posto respectivo como a receber as retribuições que reclama e, ainda, a indemnização pelo impedimento do efectivo gozo de férias e o pagamento do trabalho suplementar e nocturno.

Na contestação, a ré defende-se por impugnação e deduz as excepções de ilegitimidade, prescrição, abuso de direito e caducidade.

Houve réplica.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré dos pedidos.

O autor apelou, mas sem sucesso, pois a Relação confirmou a decisão impugnada.

Inconformado de novo, vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª) - A forma como o autor foi mandado embora pela ré e impedido de entrar no seu hipermercado pelos seguranças da ré - e não por qualquer das empresas com quem mantinha contratos de trabalho, ou, sequer, pelas pretensas utilizadoras, designadamente da única cujo produto o autor, alegadamente, tinha deixado passar o prazo de validade - ilustra bem, ou faz luz sobre quem era a verdadeira beneficiária e conformadora da prestação laboral do autor e, portanto, sua entidade patronal; 2ª) - De igual forma o registo, pelos seguranças, das entradas e saídas do autor do hipermercado da ré, com controlo do número de horas de trabalho diariamente efectuadas, evidencia bem que era a ré que controlava a assiduidade e horário de trabalho do autor; 3ª) - Por outro lado, não houve coincidência entre o objecto dos acordos gerais de fornecimento entre a ré e cada uma das suas fornecedoras, por um lado, e as funções reais e efectivas desempenhadas pelo autor, por outro lado; 4ª) - O autor sempre recebeu ordens da ré - e não dessas empresas: era ela que definia as tarefas concretas a realizar em cada momento (designadamente, de como atender os clientes, de fazer desta ou daquela maneira, de desfazer e refazer "topos" ou "ilhas", de ir buscar e colocar cartazes de promoções ou de pôr preços de produtos, de colaborar nos inventários, ao lado dos demais trabalhadores da ré, apurando as existências dos produtos, independentemente da marca e fornecedor, etc.); era ela que fornecia ao autor impressos de formulários das necessidades, que este preenchia e entregava aos chefes de secção da ré; era ela que controlava a sua assiduidade e o número de horas realizadas em cada dia; 5ª) - Há, assim, que concluir que todo o desempenho funcional do autor se processava à margem de qualquer intervenção das ETT e das fornecedoras da ré e, portanto, fora do âmbito de execução dos designados "acordos gerais de fornecimento" que a ré celebrou com essas fornecedoras; 6ª) - Como tal, sempre o autor foi trabalhador da ré, sendo a sua actividade ficticiamente concretizada, ou enquadrada, através de contratos de trabalho temporário com as ETT, para suposta utilização por fornecedores, que, de facto, o cediam à verdadeira utilizadora, a ré; 7ª) - Sendo de natureza excepcional as normas que permitem a intermediação de terceiras empresas entre o trabalhador e o utilizador da prestação, torna-se evidente que ficou indemonstrada qualquer razão válida, legítima e legal para essa interposição; 8ª) - O ónus da alegação e prova de que a intermediação dessas empresas era uma intermediação lícita cabia à ré, ónus que, manifestamente, não cumpriu; da directa subordinação do autor à ré, resulta a sua cedência ilegal à ré e a consequente conversão em contrato de trabalho sem termo, directamente com a mesma, desde 13.03.2002, de todos os contratos-documentos assinados pelo autor com terceiras empresas; 9ª) - Em consequência do exposto, foi ilícito o despedimento do autor, por ser sem justa causa e, além disso, sem precedência de processo disciplinar, nem o mínimo direito de defesa; assim, ao entender de modo diverso, o Tribunal violou, entre outras, as normas do artº 342° do Código Civil, artºs 3°, 12° e 13° do DL nº 64-A/89, de 27.02; artºs. 10º e 26º do DL nº 358/89, de 17/10; 10ª) - E ao admitir a intermediação ou interposição fictícia de terceiras empresas, definindo a natureza dos contratos em função do objecto formal dos acordos da ré com as empresas interpostas e não do seu real conteúdo e objectivo, fez uma interpretação das leis de trabalho, designadamente dos artºs 10º e 26° do DL nº 358/89, de 17.10, que viola o princípio constitucional da segurança no emprego, expressamente consagrado no artº 53° da Constituição.

Termina no sentido de ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que determine a integral procedência da acção, apreciando e condenando, também, a R. nos pedidos prejudicados pela qualificação feita pelas instâncias.

Nas contra-alegações, a ré pugna pela manutenção do julgado.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, pronuncia-se no sentido de ser concedida a revista.

Na resposta, a ré manifesta a sua discordância contra a solução propugnada pelo MP.

II - Questões Saber : A - Se existia entre autor e ré um vínculo de natureza laboral; B - Sendo a resposta afirmativa, se estamos perante um despedimento sem justa causa.

III - Factos Uma vez que não foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados, nas instâncias, ao abrigo do disposto no artº 713º-6 do CPC.

IV - Apreciando 4.1 - Face a estes factos, o Tribunal da Relação concluiu não ter o autor demonstrado, como lhe competia, que a sua prestação no estabelecimento da ré se inseria no âmbito duma relação contratual, de natureza laboral, estabelecida entre ambos.

Não obstante existirem alguns indícios de subordinação jurídica, entendeu, em consonância com a sentença da 1ª instância, que os mesmos eram insuficientes para afirmar a existência daquela relação.

A este propósito, salienta: "… não é de olvidar que o A apenas trabalhava nas instalações do hipermercado da R. na sequência de contratos de trabalho a termo certo que celebrou com empresas de trabalho temporário [pontos nºs 3 a 8 dos factos], as quais, por sua vez, o cediam para ser utilizado por algumas empresas fornecedoras da R., na sequência de contratos celebrados entre estas empresas e a R., denominados de "acordos gerais de fornecimento". Estes acordos implicavam para as empresas fornecedoras da R. o compromisso de terem os seus produtos sempre na quantidade contratada, devidamente expostos nas prateleiras e/ou em outros locais acordados, assegurando o fornecimento de trabalhadores, pagos por cada uma, que garantissem esta tarefa ao longo do período de execução do contrato (pontos nºs 48 a 51 e 53 dos factos).

Nestas circunstâncias, aquelas tarefas levadas a cabo pelo A, fazer expositores no topo dos corredores ou isolados entre corredores, bem como colocar produtos nas prateleiras e trabalhar na inventariação de produtos, não podem deixar de ser vistas como uma forma que as empresas fornecedoras da R. tinham de cumprir com esta os contratos celebrados, denominados "acordos gerais de fornecimento". E não escapa a essa forma de cumprir o contrato, por parte dos fornecedores da R., as indicações que ao A foram dadas pelos chefes da R. sobre a forma de colocar os produtos nas prateleiras e até desfazer o que fizera e dispor de forma diferente. Tudo se enquadra no cumprimento do compromisso referido em 51 dos factos provados: "ter os seus produtos … devidamente expostos nas prateleiras e/ou em outros locais acordados …".

Considera, por isso, que a prestação laboral do autor à ré visava, em última análise, dar cumprimento ou execução aos acordos celebrados entre esta e as empresas fornecedoras, nos moldes...

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