Acórdão nº 06S4557 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução18 de Abril de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 11 de Fevereiro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 35.094,77 já vencida, a título de diferenças de retribuição nas férias e subsídios de férias e de Natal no período compreendido entre 1983 a 2003, acrescida de juros à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.

No despacho saneador, com valor de sentença, a ré foi condenada a pagar ao autor: (a) a quantia de € 20.747,87 a título de diferenças de retribuição relativas a subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento à taxa legal, que está fixada em 4%; (b) a quantia que vier a ser liquidada nos termos dos artigos 378.º e seguintes do Código de Processo Civil relativamente às diferenças nas retribuições dos meses de férias em cada um dos anos de 1983 a 2003, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data da sentença em que for efectuada a liquidação até integral pagamento, à taxa legal.

  1. Inconformada, a ré apelou, tendo a Relação julgado a apelação totalmente improcedente, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.

    É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: - O pagamento dos subsídios é feito sempre que casuisticamente se verifiquem os requisitos para a sua atribuição, ou seja, se não efectuar o respectivo serviço, não é efectuado o seu pagamento; - Assim, o pagamento dos subsídios peticionados só são devidos na exacta medida do trabalho prestado e apenas enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, de nada relevando o facto de ter um carácter periódico; - Os subsídios de abono de viagem e de transporte pessoal, só poderão ser pagos quando o trabalhador presta o seu serviço, pois trata-se apenas de uma forma da recorrente compensar os seus trabalhadores pelas deslocações por estes efectuadas; - Ora, não as realizando nas férias, não terá direito a receber as respectivas importâncias; - O prémio de motorista só é devido em circunstâncias especiais, sendo certo que o recorrido só auferiu tal compensação em alguns meses, conforme consta a fls. 390 da sentença de primeira instância; - Na retribuição não está incluído o pagamento dos subsídios peticionados, uma vez que são prestações retributivas que só têm lugar e só são pagas quando se verifica prestação de trabalho nas circunstâncias e verificados os requisitos determinados pelo AE/Empresa-A para o seu pagamento; - O recorrido não poderia assim ter criado em relação aos referidos subsídios qualquer expectativa de que integravam a sua retribuição, porquanto a recorrente nunca os tratou como tal; - O recorrido só poderia ter tido expectativa de receber os montantes dos subsídios quando efectivamente exercia as respectivas tarefas; - Nos termos do disposto no AE/Empresa-A, que se aplica ao contrato de trabalho do recorrido, as prestações referentes aos subsídios apenas são devidas quando se verifique o desempenho de determinadas funções em situações previstas como susceptíveis de gerarem o direito ao seu recebimento; - O recorrido nunca reclamou o pagamento dos referidos montantes, nem manifestou qualquer descontentamento à recorrente, pelo facto de os mesmos nunca lhe terem sido pagos nas férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal; - No caso, verifica-se o carácter irregular das prestações, quer quanto à natureza dos serviços prestados, quer quanto ao montante efectivamente pago a esse título ao recorrido; - Ainda que se prolonguem no tempo e sejam regulares, os referidos subsídios são prestações que dependem para que se verifique o direito ao seu recebimento da prestação de trabalho em condições específicas, além da actividade normal do trabalhador; - A recorrente tem o direito e o dever perante os outros trabalhadores de conceder tais subsídios como de os retirar quando o trabalhador a eles não tiver direito, pois os mesmos são reversíveis, ou seja, são pagos somente quando o trabalhador efectua as respectivas tarefas; - Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou a Lei e, em especial, o disposto nas cláusulas do AE/Empresa-A; - Também não há lugar ao pagamento de juros anteriores à sentença, uma vez que até essa data não existe qualquer obrigação legal de pagar os referidos montantes.

    O recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

  2. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: - Saber se os suplementos remuneratórios pagos pela ré ao autor, no período de 1983 a 2003, a título de remuneração de trabalho suplementar e trabalho nocturno, de subsídio de compensação de horário incómodo, subsídio de abono de viagem, subsídio de abono de carreiras auto, subsídio de compensação por horário descontínuo, subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, subsídio de condução automóvel, prémio de motorista e subsídio de transporte pessoal (o valor do passe) relevam ou não para o cômputo da remuneração de férias e respectivo subsídio e para o subsídio de Natal [conclusões A) a R) da alegação do recurso]; - Saber a partir de que momento se inicia a contagem dos juros de mora em relação à quantia líquida arbitrada [conclusão S) da alegação do recurso].

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil).

    Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do recurso.

  3. A recorrente alega que não há lugar à inclusão dos referidos suplementos na remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal, porquanto se tratam de acréscimos que são atribuídos em função de particularidades específicas da prestação de trabalho e que, como tal, só são devidos quando se verifique a prestação efectiva do serviço.

    As instâncias, por sua vez, decidiram que os mencionados suplementos remuneratórios auferidos pelo autor, por forma regular e periódica, desde 1983 a 2003, deverão integrar a retribuição das férias e os subsídios de férias e de Natal.

    2.1.

    O direito a férias periódicas pagas tem consagração constitucional na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, constando o seu actual regime jurídico, bem como a disciplina da retribuição do período de férias e do respectivo subsídio de férias, dos artigos 211.º a 223.º e 255.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003.

    Em matéria de subsídio de Natal, a norma disciplinadora é agora o artigo 254.º do Código do Trabalho.

    A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

    No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», assim, o Código do Trabalho não se aplica às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos antes da sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 - n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003).

    Assim, em relação às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal que deveriam ter sido pagos entre 1983 e 1 de Dezembro de 2003, há que ter atender ao disposto no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo...

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