Acórdão nº 07A830 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2007
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 17 de Abril de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I ... - Sociedade Portuguesa de Locação Financeira SA, mais tarde designada por Banco ... SA, intentou, no dia 2 de Novembro de 1995, contra ... - Comércio de Automóveis SA, a Companhia de Seguros ... SA e a Companhia de Seguros ... SA, AA e BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação das seguradoras a pagar-lhe 2 565 420$, ... SA AA e BB a restituir-lhe identificado veículo automóvel e, a título subsidiário, as seguradoras a pagar-lhe 2 104 517$, com fundamento no incumprimento pela ré ... SA de um contrato de locação financeira relativo a dois veículos automóveis, na sua resolução, em contrato de seguro-caução celebrado por esta última e ... SA e ... Seguros SA e na circunstância de aqueles veículos estarem a ser utilizados, um por AA e o outro por BB.
Na contestação, ... SA afirmou que a autora se vinculou a não resolver o contrato e a não exigir a restituição dos veículos locados e, no caso de pagamento das rendas, a executar exclusivamente o contrato de seguro-caução, o abuso do direito e a litigância de má fé ao frustrar as expectativas criadas, serem as seguradoras as únicas devedoras das rendas e, em reconvenção, pediu a condenação da autora a accionar o seguro-caução.
... SA e ... SA, na contestação, afirmaram que o contrato de seguro-caução apenas garantia as prestações dos locatários de longa duração, serem nulos os contratos de locação financeira e, em reconvenção, sob o fundamento de atraso na sua resolução e na comunicação do sinistro, implicantes da não recuperação dos veículos, pediu a condenação da autora a indemnizá-la pelo valor correspondente ao que viesse a pagar em execução dos contratos de seguro.
AA, por seu turno, afirmou a falsidade de alguns documentos, ter assinado documentos após a entrega do veículo automóvel pelo stand, a sua convicção de a operação ser idêntica à venda a prestações, que deixou de cumprir os seus compromissos por lhe não terem sido entregues os documentos do veículo e, em reconvenção, invocando o enriquecimento sem causa equivalente ao que pagou e que lhe deve ser restituído, pediu que fosse declarado legítimo possuidor do veículo e o seu direito de retenção sobre ele.
Na replica, a autora concluiu no sentido da viabilidade da acção e pela inviabilidade dos pedidos reconvencionais, e por despacho proferido no dia 7 de Março de 2007, foi indeferido o pedido de apoio judiciário formulado por ... SA.
Na fase da condensação, por sentença proferida no dia 21 de Fevereiro de 1998, ... SA e ... SA foram condenadas a pagar à autora 1 649 975$ relativos às rendas vencidas, imposto sobre o valor acrescentado até à resolução do contrato, e nos juros, e ... SA e AA a entregarem à autora o veiculo automóvel com a matricula nº ... e ... SA e BB a entregarem à autora o veículo automóvel com a matricula nº ....
Apelaram as rés, e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Maio de 1999, revogou a referida sentença e ordenou o prosseguimento do processo com vista à organização da especificação e do questionário.
Decididas as reclamações sobre a especificação e o questionário e concedido, por despacho proferido no dia 31 de Janeiro de 2001, a ... SA, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de encargos com o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual, no dia 5 de Abril de 2005, foi proferida sentença, por via da qual os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes e ... SA e ... SA condenadas a pagar à autora € 8 925 56 e juros desde 23 de Abril de 1995, e ... SA e AA e BB a entregarem à autora os mencionados veículos automóveis.
Apelaram, por um lado, ... SA, e ... SA e ... SA, por outro, e a Relação, por acórdão proferido no dia 12 de Setembro de 2006, julgou improcedente o recurso da primeira, expressando que se mantinha a sua condenação na entrega dos veículos automóveis, e procedente o recurso das últimas, absolvendo-as do pedido.
Interpuseram recurso de revista o Banco ... SA e ... SA, formulando o primeiro, em síntese, as seguintes conclusões de alegação; - a antecessora do recorrente fez depender a conclusão do contrato de locação financeira da obtenção por ... SA de garantia idónea dada por terceiro; - ... SA adquiria os veículos a sociedades de locação financeira em regime de leasing e celebrava dois contratos, um através do qual, assumindo a posição de locadora, dava de aluguer os veículos aos seus clientes, e outro de promessa de compra e venda; - a antecessora do recorrente só interveio no contrato de locação financeira, onde assumiu a posição de locador, credor da obrigação decorrente de tal contrato, sendo alheio aos contratos de aluguer celebrados por ... SA; - a antecessora do recorrente não celebrou algum contrato de aluguer de longa duração, e os contratos de seguro-caução são celebrados com o devedor da obrigação a garantir ou com o contra-garante, a favor do respectivo credor; - se as apólices visassem garantir o pagamento das rendas do contrato de aluguer de longa duração, ... SA teria de figurar como beneficiária da apólice e o seu cliente como tomador; - a interpretação dada aos textos das apólices é atomística, porque apenas estribada na expressão referentes ao aluguer de longa duração, tendo a Relação omitido o exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer; - um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição do recorrente não concluiria no sentido do acórdão recorrido, pelo que a Relação violou os artigos 236º e 238º do Código Civil e 659º, nº 3, do Código de Processo Civil.
... SA formulou, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o protocolo em vigor à data do contrato de seguro-caução era o de 1 de Novembro de 1992, mas não se pode sobrepor ao contrato de seguro-caução, garantia autónoma, automática e à primeira interpelação; - as condições particulares da apólice não prevalecem sobre as condições gerais, só as seguradoras estão vinculadas a indemnizar o recorrente pelo incumprimento do contrato de locação financeira, porque os contratos de seguro-caução garantem o pagamento das rendas do contrato de locação financeira; - se as seguradoras tivessem cumprido a sua obrigação, os veículos automóveis deveriam ser-lhes entregues, e entregá-los-ia aos locatários de longa duração; - como o seguro caução directa se traduz em garantia autónoma e não em negócio fiduciário, não pode ser condenada solidariamente a pagar seja o que for à recorrida; - a confiança que lhe foi transmitida pela antecessora do recorrente para a celebração do contrato de aluguer de longa duração, não obstante a resolução do contrato de locação financeira, impedia a sua condenação na restituição dos veículos automóveis; - foram violados os artigos 220º, 221º, n.º 1, 224º, 227º, 230º, nº 1, 236º a 239º, 243º, nºs 1 e 2, 244º, 294º, 334º, 342º, 358º, nº 2, 376º, nºs 1 e 2, 398º, 405º. 406º, 802º, 805º, 806º, 810º, nº 1, 811º e 812º do Código Civil, 425º a 427º do Código Comercial, 668º, alíneas b), c), d) e e) do Código de Processo Civil e a alínea a) do nº 2 do artigo 8º, o nº 2 do artigo 9º e o nº 5 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 127/91, de 22 de Março.
- deve ser absolvida do pedido, condenadas apenas as seguradoras, ou, se necessário, ordenar-se a baixa do processo ao tribunal da primeira instância para a repetição do julgamento.
Responderam ... SA e ... SA, em síntese de conclusão de alegação: - a decisão recorrida assenta na análise e ponderação exaustiva dos factos provados e não incorre em erro que afecte o concluído, e o recorrente só atende a parte da matéria de facto; - os veículos objecto do contrato de locação financeira foram cedidos em aluguer de longa duração a clientes da locatária; - à unidade de contrato de locação financeira corresponderam duas diversas apólices cujo objecto são o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração, e se estivesse em causa a prestação de garantia ao contrato de locação financeira teria sido emitida uma única apólice; - na hipótese da procedência do recurso, devia o tribunal pronunciar-se sobre as demais questões suscitadas na contestação e alegações por terem ficado prejudicadas pela decisão recorrida e, por isso, sem resposta.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Em data indeterminada, a ré ... SA foi procurada por mandatários da ... SA que lhe expuseram esta dedicar-se à venda de veículos em regime de aluguer de longa duração, que no exercício desta actividade adquiria os veículos a sociedades de locação financeira em regime de «leasing» e celebrava com os seus clientes dois contratos, um de aluguer, através do qual, assumindo a posição de locadora, dava de aluguer os veículos aos seus clientes, e outro, o de promessa de compra e venda, pelo qual prometia vender ao locatário e este prometia comprar os mesmos veículos, efectivando-se o contrato prometido no termo do contrato de aluguer.
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Em 1 de Novembro de 1992, ...-Comércio de Automóveis SA, a Companhia de Seguros ... SA e a Companhia de Seguros ... SA declararam, por escrito, em documento denominado "protocolo", o seguinte: - o presente protocolo tem por finalidade definir as relações entre as empresas no tocante à emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento à ... SA dos veículos por esta vendidos em aluguer de longa duração; - ... SA compromete-se a colocar na Leader ... SA os seguros caução que exigir aos seus clientes, destinados a garantir o pagamento das prestações de veículos por aqueles adquiridos em aluguer de longa duração; - ... garante, igualmente, à Leader o pagamento dos prémios de seguro, apesar das apólices serem emitidas em nome dos seus clientes; - a Leader compromete-se, no prazo de 48 horas, a dar resposta a ... SA da aceitação das propostas de seguro que lhe sejam apresentadas, devidamente documentadas, e a emitir...
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