Acórdão nº 07P652 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução11 de Abril de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O Ministério Público recorre do acórdão de 21.12.06, do Tribunal da Comarca de Faro (proc. n.º 225/05), que, em síntese, decidiu : julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação e, em consequência: a) condenar os arguidos AA, BB e CC como co-autores de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 3, corpo e alínea A, e 11, n° 5, da Opiumwet (Lei da Droga Holandesa) e 6°, nº 2, do Código Penal, aplicando-lhes as seguintes penas: - ao arguido AA: 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva; - ao arguido BB: 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva; - ao arguido CC: 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva; b) absolver o arguido BB da prática do crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359°, n° 1, do Código Penal, de que estava acusado, mas condená-lo como autor material de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n° 1, aI. b), do Código Penal, aplicando-lhe a pena de 3 (três) meses de prisão; c) operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido BB e, em consequência, condená-lo na pena única de três anos e sete meses de prisão; d) não aplicar aos arguidos AA, BB e CC a pena acessória de expulsão do território nacional; e) condenar cada um dos arguidos no pagamento de taxa de justiça cujo montante se fixa em 10 UCs, acrescida de 1 % a que alude o artigo 13°, n° 3 do Dec.-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, e de procuradoria fixada em 5 (cinco) Ucs., e todos, solidariamente, no pagamento das demais custas do processo; f) determinar a destruição dos produtos estupefacientes apreendidos, nos termos do disposto no artigo 62° do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; g) declarar, nos termos do artigo 35° do Dec. Lei n° 15/93, de 22.01., perdidos a favor do Estado todos os bens ainda apreendidos nos autos; (…) 1.

1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões : I.

Integrados e a servir grupo que se dedicava ao tráfico internacional de haxixe, durante mais de um mês, entre o sul da Península Ibérica e o Norte de África, os arguidos navegaram para concretizar a aquisição de uma tonelada de haxixe, que tinham na sua posse, quando interceptados, com o único desejo de receberem avultada maquia em dinheiro 30.000 euros, no mínimo.

II.

Com extenso passado criminal na Holanda e Alemanha, em parte ligado ao tráfico internacional de produtos estupefacientes ou a actividade com ele conexa, não mostraram qualquer arrependimento e não contribuíram para a descoberta da verdade.

III.

Da benevolência das anteriores condenações, aproveitaram as oportunidades de se manterem livres não para se reinserirem de forma escorreita e normal societariamente mas, pelo contrário, para repetirem e aprimorarem a prática de novos crimes, com total desrespeito e indiferença pelas regras da sã convivência social, dessas condenações retirando a convicção de que das futuras condenações penais a que fossem sujeitos, apenas tinham de esperar e recear ainda mais benevolência, que no seu caso seria simples e inteiramente gratuita.

IV.

O dolo intenso, porque programado, mantido durante meses, pressupondo qualificações, vontade e competências acima da média.

V.

O grau de ilicitude e o nível de alarme social que lhe está associado é elevadíssimo, sabendo-se como se sabe o flagelo que a droga, para os indivíduos, famílias e sociedades, hoje representa.

VI.

As necessidades de prevenção geral (está-se perante tráfico internacional de produtos estupefacientes, que escolhe Portugal como base e plataforma de trânsito) e especial (basta atender ao passado criminal dos arguidos) são superlativas.

VII.

O fim ressocializador da pena só tem viabilidade, se a mesma for interiorizada pelo agente de forma séria e como motivação para se regenerar e passar a partilhar da vida societária em que se deve inserir de forma normal e pertinente à defesa, preservação e afirmação dos valores próprios e imprescindíveis da vida em comunidade.

VIII.

"In casu" o aspecto retributivo das penas ganha acuidade, ainda e também no plano ressocializador.

IX.

De uma pena abstracta até seis anos de prisão imposta pela legislação holandesa (que em pouco ultrapassa o mínimo aplicável previsto na legislação portuguesa para crime idêntico), todos os arguidos deveriam ser condenados em penas fixáveis no terço superior da penalidade aplicável.

X.

De uma pena abstracta até seis anos de prisão imposta pela legislação holandesa (que em pouco ultrapassa o mínimo aplicável previsto na legislação portuguesa para crime idêntico), todos os arguidos deveriam ser condenados em penas fixáveis no terço superior da penalidade aplicável.

XI.

Apresentam os seguintes antecedentes criminais: - BB, foi condenado por três vezes, só no que se refere a crimes de roubo, e uma por posse de droga, tendo cumprido pena de prisão, várias vezes; - CC, foi condenado por sete vezes, só no que se refere a crimes de roubo, tendo cumprido pena de prisão, várias vezes; - AA, foi já condenado por crime de associação criminosa e tráfico de estupefacientes (Setembro de 1998, em pena de 30 meses prisão, e plúrimas outras condenações por delitos estradais e uma outra por fraude fiscal.

XII.

As penas de 4 anos e 6 meses de prisão para os arguidos e de cinco anos de prisão para o arguido, são face aos factos dados como provados e à gravidade dos mesmos, as penas justas e adequadas à responsabilidade penal da cada um.

Termos em que, deve o acórdão posto em crise ser sindicado no sentido de aos arguidos BB, CC e ao arguido AA, serem aplicadas as penas de, e respectivamente, 4 anos e 6 meses e 5 anos de prisão reformulando-se o cúmulo em relação ao arguido BB. (fim de transcrição) 1.

2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls. 1287) 1.

3 Em resposta, os arguidos BB e CC, concluíram do seguinte modo : (fls. 1308 a 1313) 1. Os arguidos sempre entenderam que deviam ter sido julgados e condenados na Holanda. São de nacionalidade holandesa, encontravam-se em águas internacionais e a embarcação tinha pavilhão holandês.

  1. É entendimento dos arguidos que, a competência para julgar e condenar não se encontra no âmbito das medidas previstas no artigo 17° da Convenção das Nações Unidas (1988). Mas, 3. Tendo optado, o tribunal a quo, por julgar e condenar os arguidos, o signatário louva o douto acórdão livre de qualquer reparo.

  2. Salvo o devido respeito, que é muito e bem devido, o distinto Mº Pº involuntariamente desvirtua (vd. 2.1 do recurso interposto) a matéria considerada como provada no douto acórdão.

  3. Os arguidos BB e CC foram contratados para auxiliar na recolha e transbordo do produto estupefaciente Cannabis apreendido, em aguas internacionais. O primeiro para ajudar na carga e descarga, o segundo para auxiliar também na carga e descarga e na navegação da embarcação.

  4. Os arguidos CC e BB, chegaram a Lanzarote (Espanha) em 23 e 25 de Junho de 2005 respectivamente. Foram detidos, em aguas internacionais, em 13 de Julho de 2005.

  5. Os arguidos nunca estiveram em território português e quando aceitaram praticar o crime, jamais representaram como possível vir a estar em Portugal ou serem sujeitos à legislação portuguesa. Ou seja, 8. Só aceitaram praticar o crime em aguas internacionais, sob jurisdição do Estado do pavilhão da embarcação.

  6. Os arguidos praticaram o crime aos olhos da legislação holandesa. Com base nessa legislação foram julgados e condenados.

  7. A aplicação da lei holandesa, não permite a equivalência à tradição punitiva portuguesa.

    Aplicar a legislação holandesa à realidade portuguesa não faz sentido.

  8. Os arguidos foram presos no dia 13 de Julho de 2005. Atenta a legislação holandesa, já estariam em liberdade caso fossem ali julgados e condenados. Os arguidos foram condenados em mais de metade da moldura penal holandesa (0-6 anos). Ou seja, os arguidos foram condenados a uma pena equivalente a mais de 8 anos aos olhos da legislação portuguesa (4-12 anos).

  9. Não registam quaisquer antecedentes criminais em Portugal. E os que registam na Holanda não têm expressão no que concerne à natureza do crime pelo qual foram condenados.

  10. De salientar os factos provados em 1.25 e 1.27 e os relatórios sociais.

  11. De salientar o facto não provado 2.1.3.

  12. No mais, o recorrente insurge-se, tão só, não indicando especificamente os fundamentos do recurso, como expressamente exige o art.º 412° n.º 1 e 2 do CPP, contra o quantum encontrado pelo tribunal a quo.

  13. Embora os arguidos não tenham recorrido, não quer, com isso, dizer que se conformam com a decisão. Mas impera a Justiça e o bom senso manifestado pelo tribunal a quo e acatado pelos arguidos.

  14. 0 acórdão recorrido não merece a menor censura. Bem pelo contrário, atente-se na cuidada clareza que o acórdão recorrido produziu e que damos por reproduzida.

  15. O recurso deve improceder, devendo manter-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.

    Termos em que, o recurso apresentado pelo Ministério Público deverá ser julgado improcedente, devendo manter-se, nos seus precisos termos, a decisão recorrida, assim se fazendo nobre JUSTIÇA! (fim de transcrição) 2.

    Realizada a audiência, cumpre decidir .

  16. 1 A matéria que o Tribunal de Faro teve por assente é a seguinte : 1. Factos provados: Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto: 1.1. Um grupo de pessoas, entre elas os arguidos AA, BB e CC, visando a introdução de canabis em território europeu, procedeu às necessárias diligências com vista à realização desse objectivo; 1.2. Assim, no início de Maio de 2005, o arguido AA entrou no veleiro MARCH, atracado na Marina de Vilamoura desde 29 de Março de 2005, e aí permaneceu até à sua saída, em 15 de Maio. O veleiro MARCH fora entretanto apetrechado com equipamento que lhe permitisse navegar em segurança (designadamente GPS, radar e telefone); 1.3. No dia 15 de Maio de 2005, o veleiro MARCH saiu da Marina de Vilamoura, sem conhecimento das autoridades policiais e marítimas...

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